Sexta 3 de Maio de 2024

Questão negra

Por um movimento negro independente dos governos e dos patrões

20 Nov 2014   |   comentários

Negros e negras que buscam construir uma perspectiva revolucionária que unifique a luta negra e a luta operária em uma só batalha fazem um chamado todos os trabalhadores e jovens que estiveram na linha de frente das manifestações de junho de 2013 e das greves que têm sacudido o país.

Thiagão, do Movimento Nossa Classe:

"O lado mais proletário das manifestações de junho de 2013, da juventude que cortava as rodovias na periferia de São Paulo e Brasília, descia os morros e favelas no Rio e em Belo Horizonte integrando os destacamentos mais combativos contra a violência policial, era negro. Negra é a cor da maioria dos que retomaram a luta histórica por Thiagão, do Movimento Nossa Classe moradia e que sacudiram o país com os “rolezinhos” nos shoppings centers. É preta a cor da maior parte dos operários que se levantaram nas greves da construção civil, dos garis e dos rodoviários que sacudiram o país.

Mas o movimento negro precisa se colocar à altura dessa disposição de luta. Ao invés de pensar como organizar essa criatividade e essa combatividade para lutar junto com os trabalhadores que veem protagonizando a maior onda de greves dos últimos 20 anos para lutar contra o racismo e pelas demandas de todo o povo negro, a maioria das organizações negras que existem se se contentam com as políticas de ações afirmativas, que são muito parciais e atingem apenas uma pequena parcela da população.

Não poderia ser diferente, pois o governo do PT continuou destinando mais de 40% dos recursos públicos para os banqueiros. Os que defendem o governo do PT comemoram que 8% dos negros entraram na universidade. Mas não ficam indignados pelos 92% que ficaram de fora. Eu entrei na universidade. Mas sou o único da minha família, e represento bem menos que 8% do meu bairro.

Precisamos de um movimento negro independente dos governos e dos patrões para poder recuperar a luta pelas demandas de todos os negros e não de uma minoria. Um movimento que se proponha a aprofundar o caminho das manifestações de junho e das greves para lutar verdadeiramente pelo fim da opressão racial".

************

Marcelo (Pablito), diretor do Sintusp:

Precisamos construir uma alternativa ao movimento negro que toma as ações afirmativas como um fim em si mesmo, que segue a reboque do governo, que vive cooptado pelas ONGs ou que se perde nas discussões da academia e do culturalismo afrocentrista. A recomposição das forças da classe trabalhadora que temos visto em cada greve, onde os negros e negras têm cumprido um papel protagonista, são o combustível para colocar de pé essa alternativa.

A experiência de amplos setores da classe trabalhadora com o governo do PT nos coloca a possibilidade de abrir um profundo debate sobre porque o movimento negro que se levantou nos fins da década de 70 e durante os anos 80 terminou perdendo sua independência e se adaptando aos limites impostos pelo Estado.

Nós, negros que estamos na linha de frente dos sindicatos e oposições sindicais que hoje são independentes do governo e da patronal precisamos unir forças para organizar trabalhadores e jovens negros resgando as melhores tradições da história de lutas de nosso povo. Unifiquemos forças para resgatar o exemplo de combatividade de Zumbi, que nunca caiu no canto de seria dos inimigos como Ganga Zumba; do anti-imperialismo dos haitianos que venceram o exército de Napoleão e emanciparam seu país; da moral dos Panteras Negras que nunca se contentaram com as ações afirmativas.

Em São Paulo, a Secretaria de assuntos da discriminação racial do Sindicato dos Metroviários e a Secretaria de Políticas anti-racistas do Sintusp têm um papel especial a cumprir nesse sentido. Chamamos os companheiros que integram essas secretarias a unirmos nossas forças, buscando nos aliar com os negros e negras dos demais sindicatos e oposições sindicais de cidade, e a partir daí lutarmos para nos ligar aos negros e negras das bases dos sindicatos e movimentos sociais governistas.

**************

Marcela, da Juventude Às Ruas:

As mulheres negras que conheci na greve dos trabalhadores da Universidade São Paulo são guerreiras em luta contra toda a opressão e exploração que vivemos duplamente dessa sociedade racista e machista. A forma como vi essas mulheres assumirem a linha de frente de uma duríssima greve de 116 dias me encheu de esperança de que as mulheres negras trabalhadoras vão ser a linha de frente de uma revolução nesse país que acabe com esse sistema capitalista de miséria e exploração e construa uma sociedade baseada na solidariedade humana.

Infelizmente temos uma esquerda no país que tem a coragem de defender o seriado “O sexo e as Negas” veiculado pela rede globo, como fez recentemente o deputado Jean Wyllys do PSOL. É uma vergonha, pois esse seriado reproduz a cultura da mulher negra como objeto sexual que prima em nossa sociedade. Abaixo o culto ao turismo sexual e às redes de tráfico de mulheres que vendem o corpo das mulheres negras como mercadoria!

Muitos trabalhadores e jovens votaram em Luciana Genro por causa do enfrentamento dela contra as reacionárias posturas de Levy Fidelix contra os homossexuais nos debates de TV. Ao invés de transformar esse apoio em organização e mobilização independente de trabalhadores e jovens para combater o racismo, a homofobia e o machismo, o PSOL presta esse serviço à Rede Globo.

Precisamos de uma esquerda que batalhe no dia-a-dia para que os sindicatos e entidades estudantis e populares tomem para sim a luta contra todas as formas de opressão, pois as classes dominantes precisam reproduzi-las para nos dividir e explorar melhor.

**************

Aguiar, metroviário do Movimento Nossa Classe, delegado sindical da estação Barra Funda, demitido político pela greve de 2014:

Como várias organizações do movimento negro têm a coragem de apoiar o governo do PT mesmo depois que Lula colocou (e Dilma manteve) as tropas brasileiras para ocupar o Haiti? Os petistas vendem a mentira de que as tropas foram lá por motivos humanitários. Mas as notícias de agressões, assassinatos e estupros por partes dessas mesmas tropas não deveriam deixar dúvidas. Os enormes lucros que as empreiteiras brasileiras (as mesmas envolvidas no escândalo da Petrobrás) estão extraindo às custas do povo haitiano não foram suficientes para que mudassem de opinião! Mesmo assim apoiaram a reeleição de Dilma.

Todos sabem que as tropas brasileiras foram para o Haiti se profissionalizar para o combate em favelas, para depois vir aplicar esse “conhecimento” nas favelas brasileiras, nas chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Agora os comandantes do exército brasileiro se cacifaram inclusive para chefiar tropas do imperialismo na África, onde as empreiteiras brasileiras também têm muitos negócios.

Enquanto isso, os haitianos e africanos que veem para o Brasil são tratados de forma subumana, privados de todos os direitos sociais básicos, quando muito submetidos a trabalhos de semiescravidão em frigoríficos, carvoarias, canaviais etc.

Fora as tropas brasileiras do Haiti e da África!
Todos os direitos sociais e trabalho digno para haitianos e africanos no Brasil!

**************

Francielton, metroviário do Movimento Nossa Classe, delegado sindical e cipeiro do pátio Jabaquara:

Nós, negros e negras, somos sempre os setores mais explorados e oprimidos da sociedade. Para que cada negro e negra possa encontrar o caminho livre para se colocar na linha de frente da luta pela emancipação de si mesmo e de seus iguais, precisamos construir formas de organização verdadeiramente democráticas no movimento operário.

Devemos seguir o exemplo dos trabalhadores da USP, que durante sua greve construíram um comando de representantes eleitos com mandatos revogáveis em cada local de trabalho e tinham assembleias com microfone aberto, onde qualquer podia colocar suas propostas. Essa forma de organização, onde cada trabalhador de base está convocado a participar cotidianamente da direção do movimento, foi fundamental para que eles pudessem ser mais unidos e vencer.

Depois da greve, os trabalhadores da USP mudaram seu estatuto para ampliar o Conselho Diretor de Base, que para eles é uma instância superior à diretoria do sindicato (diferente do sindicato dos metroviários, onde o conselho de base não tem poder decisório). Essa democracia favorece a representação dos mais oprimidos. Não por acaso, as secretarias da mulher e de luta contra o racismo do Sintusp acabaram de ganhar uma nova força.

É o que faltou em nossa greve do metrô para potencializar a enorme combatividade e criatividade demonstrada pelos metroviários. E é o que falta para construirmos uma secretaria de negros e negras que seja uma referência para o conjunto do movimento negro e para outros sindicatos.

**************

Val Lisboa, editor do jornal Palavra Operária:

No final da década de 70, o Brasil viveu o maior ascenso de lutas negras de sua história, quando surgiu o Movimento Negro Unificado. Foi na mesma época em que se deram as maiores greves da história do país, quando se fundou o PT e a CUT. A maior parte dos que protagonizaram essas greves eram filhos das famílias negras que vieram de várias regiões dopaís em busca de emprego nas décadas de 60 e 70.

Entretanto, o Movimento Negro Unificado e a construção da CUT e do PT correram por separado. De um lado, o movimento negro não adotou uma estratégia de luta ligada à classe operária, independente da burguesia. De outro lado, a fundação da CUT e do PT não colocou a luta negra no centro de suas batalhas. Não poderia ser diferente, pois colocar a luta negra como parte central das lutas da classe trabalhadora é inconciliável com o capitalismo. E Lula e seus aliados queriam conciliar com os capitalistas.

Precisamos construir um movimento negro e um movimento operário que supere essa separação, que encare a luta pelos direitos sociais, sindicais e democráticos dos negros e negras como parte central das lutas da classe trabalhadora pela revolução social, e que encare a classe trabalhadora como o único sujeito social que pode levar até o final a luta pela emancipação do povo negro.

************

Carolina (Cacau), militante do grupo de mulheres Pão e Rosas

A recente chacina em Belém do Pará mostrou mais uma vez que os negros são as principais vítimas da violência assassina da política, como ocorre todos os dias aqui no Rio de Janeiro e em todo o país. O movimento negro, junto aos sindicatos combativos, precisa lutar para que acabe a impunidade que desde a época da ditadura reina sobre as forças de repressão.

Contra o Genocídio da juventude negra! Fora Polícia das comunidades! Fim imediato das UPP’s! A desmilitarização dos órgãos repressivos é incapaz de acabar com a violência do Estado. Como muitos jovens defenderam nas jornadas de junho, dissolução imediata das tropas especiais de repressão (Força de Segurança Nacional, P2, BOPE, CORE, GATE, ROTA, CHOQUE, etc)! Apuração, investigação e punição por cada auto de resistência, através de comissões de Investigação independentes, formadas por trabalhadores, sindicatos, moradores, organizações de Direitos Humanos e centros acadêmicos!

Pelo fim dos tribunais militares, que cada crime cometido por policiais seja julgado e punido por júri popular, juízes eleitos pelo povo. Pela liberdade imediata de todos os presos sem julgamento (38% da população carcerária) e por novos julgamentos de negr@s e pobres com júris populares e juízes eleitos pelo povo! Devemos nos preparar para, com o desenvolvimento de processos revolucionários, impor o fim de todos os órgãos repressivos do Estado e sua substituição por comitês de autodefesa dos trabalhadores e do povo.

**************

Silvana, linha de frente da luta dos trabalhadores e trabalhadoras terceirizadas da USP e militante do grupo de mulheres Pão e Rosas:

A maioria dos postos de trabalho criados pelo governo Lula são precários. É desta forma que o governo do PT conseguiu criar empregos e ao mesmo tempo proporcionar lucros enormes para os capitalistas. A luta pela efetivação dos terceirizados nas empresas em que trabalham, sem necessidade de concurso no caso do serviço público, ganhando o salário mínimo do Dieese (R$ 2.967,00) é uma luta negra, pois são os negros que fazem a maioria dos trabalhos precários. Igual trabalho e igual salário para negros e brancos, homens e mulheres! Essas devem ser bandeira prioritária de todos os sindicatos e do movimento negro, unindo forças para conquistá-las.

****************

Claudionor Brandão, diretor do Sintusp, demitido político:

A população negra é a que mais sofre com a falta de água que atinge várias regiões do país. Basta de matar a sede de lucro dos capitalistas! Nenhuma família pode ficar sem água. Os lucros e as propriedades dos capitalistas da água e das empresas poluidoras, assim como das empreiteiras envolvidas na corrupção da Petrobrás e os investidores financeiros que parasitam a dívida pública devem ser revestidos imediatamente para um plano de obras públicas que garanta água à população.

As organizações do movimento negro precisam se unir aos sindicatos e oposições sindicais na construção de uma mobilização independente que lute pela estatização de todo sistema de coleta, tratamento e distribuição de água sob controle dos trabalhadores e usuários, como única solução de fundo para que a crise da água não termine em uma catástrofe que atingirá sobretudo a maioria negra do país.

*************

Letícia Parks, da Juventude Às Ruas:

A ideologia da chamada “democracia racial” tem como objetivo esconder o papel do racismo como componente estrutural da formação e da constituição atual do capitalismo brasileiro, na medida em que serve aos interesses das classes dominantes de subjugar a maioria negra do país às condições de trabalho mais precárias, que geram mais lucros.

Aqueles que adotam como estratégia a luta por ações afirmativas, por mais que se critiquem verbalmente essa ideologia formatada na obra de Gilberto Freyre, na prática buscam o mesmo programa que os atuais defensores do mito o Brasil não é um país baseado no racismo. Não podemos esquecer que o tucano FHC foi o primeiro a implementar as cotas como política de Estado.

A luta por ações afirmativas deve ser sempre encarada como uma tática a serviço da luta pelas demandas negras como direitos universais. Por isso a luta pelas cotas não pode se separar nunca da luta pelo fim do vestibular e a estatização das universidades privadas. É com essa estratégia que militamos no movimento estudantil.

Artigos relacionados: Questão negra









  • Não há comentários para este artigo