Quarta 24 de Abril de 2024

Questão negra

Pablo Pozzi sobre Ferguson: "Os Estados Unidos não é nem de longe um país democrático"

04 Dec 2014 | Apresentamos a segunda parte da entrevista com o historiador Pablo Pozzi da Cátedra de Historia dos Estados Unidos na UBA, sobre os eventos em Ferguson e o racismo nos EUA.   |   comentários

As mobilizações para que não saia impune o assassinato de Mike Brown se deram em 170 cidades, frente à decisão de deixou impune Darren Wilson, o policial que matou Mike Brown. A raiva se refletiu em incêndio de comércios e viaturas policiais e também na resistência à repressão policial. Do presidente Barack Obama, passando pelo reverendo Al Sharpton, chamavam a mobilizar-se pacificamente chegando a sustentar que os direitos e conquistas obtidas sempre (...)

Os direitos civis

As mobilizações para que não saia impune o assassinato de Mike Brown se deram em 170 cidades, frente à decisão de deixou impune Darren Wilson, o policial que matou Mike Brown. A raiva se refletiu em incêndio de comércios e viaturas policiais e também na resistência à repressão policial. Do presidente Barack Obama, passando pelo reverendo Al Sharpton, chamavam a mobilizar-se pacificamente chegando a sustentar que os direitos e conquistas obtidas sempre foram conquistadas de forma pacifica.

Algo que desmente Pablo Pozzi “Na prática, em termos tanto dos trabalhadores tanto dos grupos denominados minorias nos Estados Unidos, tudo que se conseguiu se conseguiu com luta, muito dura, com muito sangue e níveis de enfrentamento muito elevados.” Em um resumo breve o historiador sustentou que “a luta dos negros nos Estados Unidos, sobretudo dos negros membros da esquerda, ou seja, no Partido Comunista ou de distintos setores do trotskismo e do socialismo, já na década de ‘20 e ’30, é central, absolutamente central. A Associação de meeiros e arrendatários no sul dos Estados Unidos era uma associação dirigida pelo Partido Comunista. Na década de ‘30 se enfrentou com a Ku Klux Klan, a polícia e o Estado, com armas na mão para defender-se em termos de terra. E como tal conseguiu uma quantidade de concessões muito concretas”.

“Já em 1943, no meio da Segunda Guerra Mundial, os soldados negros eram utilizados para descarregar barcos de munições, o que gerou uma enorme greve no porto de Seattle, conduzido por trotskistas na época, para que lhes respeitasse a vida e que as condições fossem melhores. Tipos como esses foram condenados, porque foram duramente reprimidos, expulsos, perseguidos, sendo finalmente exonerados sob o governo de Clinton, ou seja, os levou nada mais nada menos que 60 anos. Sobravam poucos vivos, mas marcaram o caminho, Da mesma forma que no caso da comunidade mexicana na Califórnia, que se vestiam de maneira diferente, armaram o que se chamou de motins dos trajes Zoot, que eram uns trajes muito especiais e que a polícia e o exército começaram a hostilizá-los e a tirar-lhes as roupas em público e golpeá-los. Estamos falando outra vez dos anos 1942/1943. Eles se enfrentaram duramente até ganhar um espaço em torno disso.

“O movimento dos direitos civis sempre teve um fundo muito forte de violência. Da mesma forma, e perdão que mude levemente de país, a suposição de que Gandhi expulsou os britânicos da Índia fazendo yoga é uma besteira absoluta e antihistórico. Os britânicos negociaram com Gandhi, porque a outra possibilidade que viam era que 600 milhões de hindus se levantassem em armas e os matassem como haviam feito em outras ocasiões como o motim dos Sepoy em 1857.

Da mesma forma que em geral se apresentam os escravos, como no filme E O Vento Levou. Eram todos bons, gritavam ‘me pague, me pague, me pague, te amo escravista! Que maravilha é você! Porque é branco e superior´. Bom, isso é uma falsidade. Quando se começa a revisar os dados históricos, o que se encontra é que esses faziam sabotagem, queimavam coisas, houve um monte de rebeliões, fugiam... Havia um monte de coisas.”

Viver do racismo

Pablo Pozzi continua a entrevista levantando que “há todo um setor, digamos de classe média reformista, que vive do racismo na comunidade negra. Para entender... Há negros que vivem do racismo, porquê? Porque são intermediários. Quando há racismo e uma discriminação tão aguda, há pessoas que fazem a mediação. Os pastores que mencionava, são gente que de repente começa a lucrar no sistema racial. Quer dizer, Como faz o branco, o setor de poder, para comunicar-se e controlar toda essa ‘negrada’? Por intermediários. Quem são os intermediários? Comerciantes e pastores. Como a Ford recrutava esses negros para suas fábricas e para super explorá-los? Digo, porque não se conhecia os negros da Ford nem por piada, nem em foto. Como fazia então? Falava com as igrejas batistas africanas que no sul faziam bolsas de trabalho e os mandavam aos pastores protestantes por cada um que lhe mandava. O pastor protestante então garantia a quietude.”

Conquistas

Ao consultar-lhe sobre como se lograram algumas conquistas nos Estados Unidos o historiador contou “Tem um sociólogo de direita que se chamou Robert Alexander, um grande estudioso da esquerda. Robert Alexander disse: a esquerda nos Estados Unidos, referindo-se aos comunistas, socialistas e trotskistas, sempre iniciou todas as reformas, e quando ameaçavam decolar, ou seja, quando começaram a ter eco nas massas, o partido democrata as tomava para modificá-las e incorporá-las ao sistema. Uma radiografia sensacional.

De fato pensemos um caso muito pontual, Martin Luther King em um momento ameaça fazer a marcha de Washington em torno de reformas, existia um pleno perigo de que marchassem um milhão de negros. Pensemos os negros norteamericanos em Washington, um problema em termos de polícia racista que pode reprimi-los, isso pode ser uma questão terrivelmente violenta. O que fez o presidente Kennedy nesse momento? Reformas. Disse que o serviço civil estatal norteamericano não pode discriminar mais as pessoas....ponto final, e próximo tópico.

Como eles ganharam? Com uma marcha pacífica ou ameaçando com uma explosão social? Com uma explosão social.

Condições trabalhistas e um Estado repressivo

“As vezes na Argentina perdemos a noção das coisas. Um trabalhador bem pago nos Estado Unidos, um operário qualificado, está ganhando mais ou menos 10/12 dólares por hora, 400 dólares semanais, 1.600 por mês bruto do qual lhes tiram 30% entre tarifas sociais, aposentadoria e impostos.” Pablo Pozzi também nos disse que depois desse desconto uns 70% tem que ser destinado para o pagamento do aluguel diante da impossibilidade de comprar uma casa. Por sua vez continuou desenvolvendo as condições trabalhistas dos trabalhadores do país do norte “não existe estabilidade laboral. Se você é mulher, não tem licença maternidade com salário. O nível de exploração é uma barbaridade. Como se pode convencer toda essa gente de que os EUA é o melhor país do mundo, se a vivência cotidiana te diz que não é? E se convence que nos Estados Unidos há uma guerra. Uma guerra onde há um perfil racial. Onde negros sozinhos caminhando por uma área onde houve um crime, é quase seguro que vai ser detido, diferente de um branco. Essas polícias são treinadas para a guerra. Olhe os uniformes da policia da Filadélfia, tem brasões, parecem tropas especiais, andam com cachorro policial... Toda cidade tem a SWAT, toda cidade tem o esquadrão vermelho, para controlar os ‘subversivos’”. Mais adiante Pozzi afirmou “Estados Unidos não é para nada um país democrático.”

Chegando ao final da conversa se fez um intercâmbio sobre séries e filmes em que nos querem vender o “mundo maravilhoso e de liberdade!”, a “democracia” dos EUA. E também sobre algumas séries e filmes que criticam muitos aspectos da sociedade norteamericana.

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