Sábado 27 de Abril de 2024

Internacional

UMA MUDANÇA FUNDAMENTAL NA LUTA DE CLASSES INTERNACIONAL

O surgimento do novo movimento operário chinês

17 Jun 2010 | (10 de junho de 2010) O aumento salarial de 30% na Foxconn, principal conglomerado manufatureiro de origem taiwanesa na China, após uma onde suicídios de trabalhadores, e sobretudo o aumento de 24% a 33% do salário na Honda, a automotriz multinacional japonesa, depois de uma greve, cujo impacto se estendeu a outras fábricas montadoras e regiões como Shangai, mostram uma mudança fundamental na nova classe operária da China. Tais elementos, mostram o começo da maturidade de um novo movimento operário chinês, após uma etapa inicial caracterizada por dezenas de milhares de incidentes e disputas trabalhistas de curta duração, ligada por sua vez à entrada de uma nova geração de trabalhadores com aspirações maiores do que da primeira geração de trabalhadores migrantes das cidades, porém bastante atados a seus costumes do campo. Este novo estado da luta dos trabalhadores chineses tem repercussões a nível mundial, e junto às ações da classe trabalhadora européia, em particular a greve política geral grega de 5 de maio, mostra que a classe trabalhadora no calor da crise está novamente em movimento em escala internacional. Apresentamos a seguir extratos de um artículo cuja versão completa se encontra no site www.ft-ci.org.   |   comentários

As últimas ações operárias marcam um ponto de inflexão. A onda de suicídios na Foxconn Technology colocou em questão o sistema baseado na maximização da exploração de mão de obra mediante jornadas de trabalho extenuantes, um regime militar ultra opressivo dentro e fora do processo de trabalho e um controle sobre a reprodução da força de trabalho através de dormitórios operários gigantescos em cidades empresas, onde vivem e trabalham diariamente mais de 300.000 trabalhadores. Desde que estes casos se tornaram conhecidos internacionalmente, o grupo de multinacionais como Dell, Apple e Hewlett-Packard, aumentou os salários na China em 30%. Em forma ativa, por outro lado, a greve de 1.900 funcionários de Honda Auto Parts Manufacturing de Foshan (província meridional de Guangdong) conquistou finalmente um aumento salarial de 24% a 33%.

A paralisação por falta de componentes de quase duas semanas desta fábrica que produz caixas de velocidade causou a interrupção das atividades de 4 fábricas montadoras de veículos do fabricante japonês que funcionam em sociedade com empresas chinesas. É importante considerar que ao menos um terço dos quase 1.900 funcionários são trabalhadores formados em escolas técnicas, que entraram na firma como temporários, forma precária de trabalho que cresceu no último período no calor da recuperação econômica.

Esta luta operária contagiou outras empresas montadoras ligadas a um conjunto da mesma firma japonesa; tem provocado a paralisação e uma rápida conquista de aumento salarial em uma fábrica da Hyundai; e mais significativamente sua extensão mais além do coração industrial ao sul da China, o que levanta um desafio novo e perigoso para Pequim. Este último foi o caso dos trabalhadores de KOK Machinery em Kunshan, fábrica de maquinaria taiwanesa, que no dia 8 de junho se enfrentaram com a polícia. O confronto representou uma escalada das recentes ações de protestos operários no país, que até esta semana havia sido em grande parte pacífica e se concentrava na província de Guangdong. Estas ações, diferentes do período anterior, têm um caráter ofensivo, não são esporádicas, se sustentam por um período maior de tempo e afetam pela primeira vez grandes multinacionais, como a Honda, uma vez que escapam do controle da Federação de Sindicatos da China, organização sindical única e “oficial” do país. Foi o caso dos funcionários da Honda, que tentaram se organizar de forma independente e se enfrentaram com os capangas da burocracia que os forçavam a voltar para o trabalho. Tudo aponta para que um novo estado de ânimo nos trabalhadores chineses poderia estar se desenvolvendo mais rápido que o esperado, deixando preocupadas as autoridades e a burocracia sindical.

Uma nova geração operária

Estas inéditas ações operárias, assim como negativamente a onda de suicídios ena Foxconn, são expressões do surgimento de uma segunda geração de trabalhadores chineses com menor origem do campo, que querem instalar-se nas cidades, mais educada e menos preparada para suportar as duríssimas condições de exploração da geração precedente. É um setor mais consciente de seus direitos e com maiores expec tati vas de futuro que a geração anterior de trabalhadores, mesmo que ainda seja muita atada ao campo e disposta a sacrificar-se para melhorar a situação de suas famílias. Esta nova geração quer progredir, enquanto o preço da moradia a que aspiram é cada vez mais inalcançável - em meio a bolha imobiliária nas grandes cidades-, e cresce o preço dos artigos de consumo, em especial dos alimentos, por conta da inflação. Existe um questionamento não apenas acerca das condições salariais. Quase um entre quatro trabalhadores não teve qualquer aumento de seus salários em cinco anos, como sentiram também a piora das condições de reprodução da força de trabalho e, principalmente do próprio processo alienante de trabalho.

O perigoso curso da transição a um novo padrão econômico

Os recentes acontecimentos trabalhistas na China estão mostrando as primeiras brechas estruturais de um modelo de controle e gestão da força de trabalho que permitiu uma enorme maximização da exploração dos trabalhadores, e gigantescos benefícios para os grandes conglomerados como Foxconn ou Yue Yuen Industrial (gigante industria taiwanesa que produz cerca de 17% dos tênis em todo o mundo, em especial para Nike e Adidas) que aproveitam a economia de escala para baixar seus custos. Por sua vez, colocam em tensão a relação entre fornecedores e clientes existente durante anos, que permitiu uma divisão mundial do trabalho na qual gigantes marcas como Apple e Nike se dedicavam ao projeto, a inovação e o marketing, enquanto se desligavam da produção, da qual se especializaram estas grandes firmas, que prosperaram a níveis inimagináveis com os patrões taiwaneses formados em um modelo de militarização do trabalho japonês, e usando suas boas relações na China continental e o vasto exército de reserva da mesma.

A emergência de uma nova geração de trabalhadores chineses está mudando estas coordenadas que alguns economistas e empresários ocidentais acreditaram piamente ser eterna. Estamos frente a um momento perigoso para as autoridades de Pequim que ainda não tomaram consciência da nova realidade no mundo do trabalho. Embora o elemento geracional exista, o fundamental desta falta de adequação à realidade da burocracia restauracionista é não somente a colisão de interesses com os empresários, senão seu desprezo por aqueles que consideram uma massa ignorante, como se vê na prepotência dos Bureaus de Petições locais, para onde recorrem dia após dia centenas de trabalhadores com reivindicações trabalhistas ou de outros tipos.

No marco de uma crescente lacuna entre os trabalhadores chineses e seus governantes, patrões como Terry Gou, dono da Foxconn, modificou as regras do jogo nas relações operário-patronais. Na reunião anual de seu grupo irmão na capital de Taiwan, anunciou o aumento salarial de 30% e uma modificação mais radical do antigo sistema de trabalho, começando por um aumento de 66% desde o dia 1 de outubro aos trabalhadores que cumprem determinadas condições de rendimento em um período de avaliação de três meses, medidas que buscam evitar que os trabalhadores saltem de trabalho em trabalho. Indeferiu as cidades empresas, dizendo que não quer seguir arcando com os custos dos suicídios, e que para isso o governo chinês deve ser responsável pelos benefícios sociais e a moradia dos operários (que hoje são arcados pela empresa). Gou afirmou sobre o ocorrido em sua empresa e na Honda “o governo tem que se dar conta de que a estrutura (da indústria manufatureira na China) deve mudar” (Financial Times 8/6/2010). Esta jogada aparece como um movimento estratégico da parte deste grande capitalista, de pressionar seus competidores obrigando a segui-lo enquanto passa parte da carga extra a seus clientes, enquanto tira do Estado o pesado fardo das condições de reprodução da força de trabalho. Um dano colateral desta socialização dos custos da reprodução da força de trabalho que poderia politizar os enfrentamentos não somente com a patronal, mas também com o Estado, superando o caráter ligado à unidade de produção que vinha tendo o protesto operário no período anterior.

Desde o ponto de vista econômico, e no marco da persistência da crise de superprodução mundial e uma demanda que decai no marco da crise da Eurozona e do fim do modelo norte-americano baseado no sobre consumo e superendividamento, este movimento de patrões como o de Foxconn pode afundar muitas empresas incapazes de absorver os aumentos de seus custos trabalhistas que, mesmo marginais para muitos dos grandes fabricantes, podem não ser para muitas outras empresas de menor tamanho e produtividade que se verão condenadas à falência. Já a crise econômica mundial tem liquidado centenas de empresas do sul da China cujo custo social só foi atenuado pelo papel que ainda joga o campo como colchão social para reproduzir a força de trabalho despedida, além do fenomenal plano de gasto estatal lançado pelo governo em meio ao ápice da crise. Porém, ainda que este movimento seja inevitável, o governo e as autoridades chinesas temem a transição, e tentam manejar o processo de forma gradual e o mais cuidadosa possível. Entretanto, as intenções de Pequim poderiam se chocar com os interesses das autoridades da costa, que sairiam claramente como perdedoras deste processo e, mais importante, a aceleração do despertar desta segunda geração de trabalhadores chineses poderia desestabilizar os planos da burocracia central e fazer fracassar a transição a um novo modelo mais equilibrado se este despertar dos trabalhadores adquire um caráter autônomo e vá para além do que a burocracia restauracionista quer. Se este for o caso, pelo novo peso da China na economia mundial suas conseqüências se fariam sentir a nível global, questão que o resto do mundo teme. Por isso o grito de alarme em todos os jornais imperialistas pelos recentes acontecimentos dos trabalhadores chineses. Um novo batalhão da classe operária mundial, um dos mais fortes e poderosos estruturalmente, começa a entrar em cena. Estejamos atentos.

Tradução: Lívia Barbosa

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo