Quinta 25 de Abril de 2024

Internacional

CRISE ECONÔMICA INTERNACIONAL

Sobre economia, política, capitais e estados capitalistas

01 Jun 2010   |   comentários

Depois que o FMI e a União Européia concederam à Grécia parte do dinheiro comprometido no “resgate”, o foco da crise econômica e também política, se transladou para a Espanha. Seu presidente, José Luis Rodríguez Zapatero anunciou no parlamento um plano de ajuste que inclui uma diminuição de 5% nos salários dos funcionários públicos e o congelamento das aposentadorias. Num escândalo na Câmara Alta, o direitista Partido Popular pediu sua renúncia, enquanto a popularidade do PSOE cai vertiginosamente. O FMI, por sua vez, exige de Zapatero “medidas radicais” de reformas estruturais no mercado de trabalho ou seja, uma reforma trabalhista.

O Banco da Espanha interveio na caixa econômica “Caixa Sul” injetando 550 milhões de euros através do Fundo de Reestruturação Bancária Ordenada para garantir que a entidade continuasse operando. O governo espanhol revelou um plano de salvamento da entidade controlada pela Igreja que envolve a soma de 2,7 bilhões de euros.
O resultado foi uma terça-feira negra para as bolsas européias que caíram em média 3%. Em Tóquio, o índice Nikkei caiu a seu menor ponto em seis meses. A tendência era parecida na bolsa norte-americana, Wall Street, ainda que sua queda fosse menor no fechamento. O euro voltou a cair frente ao dólar e o preço do ouro, como refúgio de valor, subiu aceleradamente.

Para “novos” problemas, novas “soluções”

Como explicamos em edições anteriores do Palavra Operária, as causas do segundo capítulo da crise econômica mundial com epicentro na Europa, estão estreitamente associadas à forma particular com a qual os estados capitalistas conseguiram conter o que ameaçava ser a segunda depressão desde os anos 30. Apesar de a depressão ter sido contida até agora, as políticas de intervenção que aprofundaram o endividamento dos Estados dos países centrais, tem novas conseqüências e colocam mudanças severas em seu modo de intervenção. A Europa e a zona do euro estão aí como prova.
A primeira etapa de resgates estatais que se deu após a quebra de Lehman Brother no fim de 2008 e levou a cabo a semi-nacionalização de bancos, seguradoras, financeiras e algumas empresas, foi odiosa para os trabalhadores e para as massas. Isso porque salvava o capital financeiro (identificado com responsável pela crise) com o dinheiro dos contribuintes (em sua grande maioria trabalhadores e setores populares) e porque deixava na rua milhões de pessoas desempregadas. Mesmo que por causa da recessão, o aumento do desemprego foi significativo, alcançando valores extraordinários no caso da Espanha, que chega a cerca de 20%, não se tratava no essencial, de um ataque direto aos trabalhadores e às massas dado que tentava conter as forças depressivas que ameaçavam a economia. O segundo capítulo, que começou pelo plano de “resgate” à Grécia e continuou pelo mega resgate ao euro anunciado apenas há 15 dias, trata-se de “salvamentos” das dívidas públicas de países inteiros que tinham como credores os grandes bancos dos países europeus mais fortes como Alemanha, França e Inglaterra. Esse segundo capítulo, que aumenta a dívida dos estados mais fortes, está claramente associada a ataques diretos sobre os trabalhadores e setores populares. Os estados mais fortes da zona do euro prometem um “resgate” de enormes proporções frente às dívidas públicas e privadas dos países denominados PIIGS mas em troca, exigem ajustes excepcionais e os induzem claramente a uma profunda recessão. É um “plano B” dos resgates fiscais que, diferente de sua versão original, exige uma destruição maior e mais clássica de capitais (em particular sobre os países mais débeis da zona do euro) assim como um maior ataque direto aos trabalhadores e setores populares.

Economia e política

As novas “soluções” chegam com altos custos e incertezas. O movimento oscilante das bolsas e o clima geral econômico e político dão conta disto.

Às quatro greves gerais na Grécia e a queda na popularidade do governo de Papandreu soma-se agora a crise profunda do governo de Zapatero que tenta aplicar medidas de ajuste que não se tomavam desde a ditadura franquista, o desencanto popular com o governo, a direita do PP que aproveita a situação, o FMI que pressiona exigindo aprofundamento do ajuste e as agências de qualificação de riscos que ameaçam rebaixar a nota à dívida espanhola.
Na Itália, que possui uma dívida pública semelhante à da Grécia em porcentagem do PIB, o presidente e amigo da “Cosa Nostra”,Silvio Berlusconi, acaba de anunciar o congelamento dos salários de mais de 3 milhões de funcionários públicos e o aumento da idade de aposentadoria das mulheres, entre outras medidas. O novo governo conservador de Cameron na Inglaterra também acaba de anunciar um plano de ajuste que implicaria na demissão de milhares de funcionários públicos.

O contexto de instabilidade política faz com que os capitais temam que os governos não sejam capazes de implementar os planos de ajuste ou que a tentativa de efetivá-los desenvolva uma escalada de luta de classes que ameace a zona do euro desde outro ponto de vista. Por outro lado, no caso de conseguirem impor os planos contra a resistência dos trabalhadores, os “salvamentos” acompanhados de planos de ajuste recessivos provocariam uma recaída na crise dos países em questão, que provavelmente duraria anos, dificultando uma recuperação da zona do euro. Ainda mais em um contexto no qual as relações comerciais internacionais se complicam como demonstram as tensões entre Estados Unidos e China, e ao que se agregam novos elementos de tensão geopolítica como a escalada militar da Coréia do Norte e da Coréia do Sul assim como as dificuldades dos Estados Unidos para conseguir o voto de condenação da China à Coréia do Norte no Conselho de Segurança da ONU.

“Reformas financeiras” e crise da “globalização”

Nesse contexto de instabilidade econômica profunda, os grandes capitais aproveitam para realizar lucros rápidos apelando aos mesmos mecanismos de “financeirização” da economia que foram postos em prática durante as últimas décadas e que cumpriram um papel central no crescimento econômico que se produziu apesar da crise de acumulação de capital iniciada no final do boom do pós-guerra, no fim da década de 60. Os hedge funds (fundos de alto risco) ou os bancos de investimento que prestam serviços financeiros para fusões, aquisições e comércio ou de títulos de renda e futuro, dívidas, ações ou commodities, operam junto aos bancos comerciais e com pacotes que incluem importantes componentes de dívidas de má qualidade (subprime). Estas instituições foram durante as últimas décadas instrumentos que, associados ao grande capital industrial e de serviços, estimularam o desenvolvimento de bolhas financeiras que mascaram as dificuldades do capital para sua acumulação ampliada. Essas massas de dinheiro que se expandiram por todas as veias da economia capitalista estimularam o processo da chamada “globalização” econômica e financeira.

As instituições que deram calotes milionários em seus próprios clientes com a vista grossa de organismos reguladores como a SEC norte-americana, que ajudaram a desenhar estatísticas de nações inteiras como foi o caso da Grécia com a conivência e por conveniência da Alemanha e da França, as mesmas instituições que foram salvas pelos estados (ou seja, com os impostos dos trabalhadores e dos setores populares), estão convertendo-se hoje em um fator de profunda instabilidade para esses mesmos Estados nacionais. Para exemplificar, o ex-banco de investimento, hoje banco comercial Goldman Sachs que foi salvo pelo Estado norte-americano, o mesmo que fez o desenho das estatísticas para facilitar a entrada da Grécia na Eurozona, o mesmo que caloteou seus próprios clientes nos Estados Unidos, está hoje entre as instituições financeiras que apostam contra o euro e na revalorização do dólar, contra a política comercial da América do Norte que busca a desvalorização de sua moeda para incrementar sua competitividade comercial. Por sua vez, mais de 80% dos fundos de investimento que circulam pela zona do euro e que apostam na queda dos bônus da dívida pública dos distintos países, são geridos desde a praça financeira de Londres e têm assento em paraísos fiscais. Todas essas instituições são parte do organismo atual do capital. Não existe um capital “bom”, produtivo e de serviços separado de um capital “mau”, especulativo. O capital não é uma coisa, é uma relação social que vive do roubo do trabalho humano e leva em sua natureza a especulação. Em períodos de crise profunda como a que estamos vivendo, não obstante, essa especulação levada ao extremo (como aconteceu nas últimas décadas) ameaça a própria existência do sistema.

Recentemente, a maioria do senado norte-americano aprovou uma reforma financeira que consta de 1500 páginas e muito pouco conteúdo, que mais parece responder as necessidades políticas de Obama e do partido Democrata. A União Européia acaba de impor uma limitação à operação dos fundos especulativos, com o voto contrário da Inglaterra, o executivo alemão proibindo, sem consulta prévia ao resto dos membros da EU, as posições sobre títulos soberanos da eurozona sem garantias. Essas medidas que parecem ser de corte puramente político no caso dos EUA, associadas ao ódio popular contra Wall Street e aparentam responder mais além da instabilidade e carência financeira do momento na Europa, são sintomáticas. A financeirização, tão funcional durante as décadas passadas, está se tornando uma séria ameaça para as políticas estatais de “resgate” da própria economia capitalista que a gestou.

Portugal: o Bloco de Esquerda (e a LIT) vota a favor do ajuste grego

O Parlamento português acaba de votar o plano de “resgate” da União Européia para a Grécia, o mesmo plano que exige o ajuste draconiano contra os trabalhadores helenos. A aprovação do plano contou com o apoio do governante Partido Socialista e dos partidos da direita portuguesa. Até aqui, não haveria razão para surpreender-se. O que é realmente vergonhoso é o voto a favor desse “resgate” por parte do chamado Bloco de Esquerda. O Bloco de Esquerda (BE) é uma coligação de distintas organizações de esquerda, inclusive da que faz parte a Liga Internacional dos Trabajadores (LIT), por meio de sua secção portuguesa Ruptura-Fer. Frente a débâcle de outros “partidos amplos”, como o Respect na Grã-Bretanha ou a recente crise do PSOL no Brasil, o BE vinha sendo apresentado como um “triunfo” desse tipo de coligações com programas reformistas, ao haver conseguido duplicar a quantidade de deputados nas últimas eleições portuguesas (atualmente com uma bancada de 16).

O Bloco de Esquerda justificou seu voto a favor do “resgate” com a desculpa de que “rechaçar o empréstimo nas atuais circunstâncias seria impor à Grécia a bancarrota”, como disse sua deputada Cecilia Honório. Essa vergonhosa justificativa, que os localiza no rastro da política dos imperialistas da União Européia e do FMI e no caminho oposto da classe operária e da juventude grega, não faz mais que mostrar que os que estão em bancarrota são esses projetos de “partidos amplos”, que estão longe de ser uma alternativa para que a crise seja paga pelos capitalistas e não pelos trabalhadores.

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