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Internacional

LÍBIA

Nem ofensiva criminosa da OTAN, nem apoio à entreguista CNT Pela queda revolucionária de Gadafi

28 Mar 2011   |   comentários

A primavera árabe, tendo a Líbia como ponto nevrálgico, segue se desenvolvendo e entra em um momento de inflexão. Enquanto as bombas “humanitárias” da OTAN chovem do céu líbio massacrando a população, as negociações para a divisão do botim de um futuro regime fantoche que o imperialismo buscará promover, tornam-se cada vez mais abertas. Entretanto, mesmo que uma negociação arquitetada pelos imperialismos entre os porta-vozes de Gadafi e a burguesia local organizada no Conselho Nacional de Transição se dê isso não assegura uma pacificação estratégica do país. Isso por que estes levantamentos se dão em meio á crise capitalista, que dificulta as concessões que os governos podem dar para conter os levantes. Isso está se comprovando em todo o Magreb e Oriente Médio. Mesmo com o anúncio de concessões e reformas feito pelos governos de diversos países, não estamos diante da suavização dos protestos em países como o Iêmen e Síria, enquanto o conflito entre Israel e a Palestina reacende com a ofensiva criminosa dos sionistas sobre a Faixa de Gaza. No Iraque cerca de 45 pessoas morreram em um só dia, após o ataque contra a sede do governo provisório. Este cenário, ao envolver a Palestina, Israel e o Iraque, traz a ameaça de reavivar o sentimento antiimperialista nos conflitos abertos de conjunto na região. É para evitar esta perspectiva que os imperialismos reunidos na OTAN redobram seus esforços, militares e políticos, para derrotar a primavera árabe, e encerrar o processo líbio.

A intervenção da OTAN e as contradições para elaborar um plano de guerra

O conflito no Magreb e no Oriente Médio entra em uma nova fase com a intervenção imperialista da OTAN. Inicialmente protelada pelos imperialismos, que divididos entre si não conseguiam chegar a uma resolução, agora pela primeira vez desde a intervenção de 2003 ao Afeganistão, há uma ofensiva da OTAN em marcha. Entretanto, isso não significa a resolução da crise entre os imperialismos sobre a condução desta operação militar. Após semanas de intervenção em que primou a percepção generalizada de que os imperialismos não têm um plano de guerra para a intervenção na Líbia, em uma reunião realizada em Londres em 29/03 os representantes da OTAN foram obrigados a discutir mais abertamente o que fazer caso se dê a derrubada de Gadafi. Assim, as declarações de Hillary Clinton de que seria necessário “apoiar os rebeldes e isolar Gadafi”, dias após Robert Gates, secretário da defesa norte-americana ter declarado que a Líbia não é uma prioridade, indicam uma disposição de forçar uma saída frente à possibilidade de que esta ausência de estratégia arraste os imperialismos a um conflito longo e custoso, e pior, sem objetivos claros. Esta situação demonstra a fissura entre a elite política do imperialismo norte-americano, que começa a falar de mudança de regime, e os seus generais, que relutam a levar o plano adiante, temendo um novo Iraque ou Afeganistão.

Como é notório, cada um dos imperialismos atua na Líbia visando seus interesses particulares, como não poderia deixar de ser. Os EUA que hesitaram até o último momento em aprovar a intervenção militar para não abrir uma terceira frente em um país árabe, seguem patinando mediante os limites impostos pela sua decadência hegemônica. China e Rússia expressaram seu desacordo, porém sem comprometer-se em enfrentar os principais imperialismos, não fazendo valer o seu poder de veto. A França – que ao lado da Grã-Bretanha - toma a iniciativa central da intervenção, o faz para reverter os custos políticos internos ao ter sustentado a ditadura de Ben Ali na Tunisia até o último momento, enervando sua grande população árabe imigrante. Também busca aproveitar-se de uma situação em que pode ter o protagonismo em um tema chave da situação internacional. Porém, ainda que a França tenha assumido a liderança da coalizão, das 175 saídas de aviões feitas na segunda semana de março, 115 vieram do exército norte-americano, o que demonstra que querendo ou não, esta é uma guerra que os EUA estão sendo obrigados a levar. Ainda que todos tenham acordado sobre a liderança da OTAN, a questão mais difícil sobre qual é a estratégia em jogo na Líbia segue sem definição.

Do ponto de vista militar, esta ausência de um plano de guerra assusta os analistas imperialistas. Como assinala a agência de inteligência Stratfor: “De acordo com a Resolução do Conselho de Segurança da ONU 1973, o objetivo militar da intervenção é a execução de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia e proteger os civis. O problema é que o primeiro objetivo em nada facilita o segundo. Uma zona de exclusão aérea serve pouco para parar as tropas de Gadafi no chão. No primeiro tiro da campanha - antes mesmo da supressão de defesas inimigas operações aéreas - aviões franceses atacaram tropas da Líbia perto de Benghazi. O ataque - que não foi coordenado com o resto da coalizão, de acordo com alguns relatos - era sinal de duas coisas: que os franceses estavam na liderança e que a intervenção pretensamente para proteger os civis tomava o caráter de um mandato mais amplo do que apenas uma zona de exclusão aérea e criou brechas na Europa. A Alemanha, que rompeu com seus aliados europeus e se absteve da resolução 1973, alegou que esta missão poderia forçar a coligação a se envolver em uma guerra longa. Os países do Leste, liderados pela Polônia, têm sido cautelosos na prestação de apoio, porque mais uma vez chamam a OTAN para longe da sua preocupação central: a esfera de influência russa. Enquanto isso, a Liga Árabe, que inicialmente ofereceu seu apoio a uma zona de exclusão aérea, parecia rever esta posição quando se tornou claro que a Líbia de 2011 era muito mais parecida com a Sérvia de 1999 do que com o Iraque de 1997 – com ataques aéreos contra as tropas na terra e instalações, e não apenas uma zona de exclusão aérea”. Todos temem uma dinâmica que obrigue a OTAN a realizar incursões por terra, que poderia degenerar em uma guerra de guerrilhas urbana, e abrir a perspectiva de que como resultado o sentimento antiimperialista exploda. Se isso se der é possível que gere a corrosão da existente, ainda que não consolidada, autoridade que os líderes pró-imperialistas dos conselhos líbios ainda mantêm frente às massas, elemento fundamental para brecar um processo capaz de levar à queda revolucionária de Gadafi.

Assim, as contradições da política imperialista explodem nos dois campos complementares de sua atuação: no militar e no político. No político por duas questões fundamentais. Uma primeira por que a intervenção militar na Líbia foi imposta ao imperialismo, sendo um combate que pode trazer altos custos e baixos ganhos, sobretudo para os EUA. Em segundo lugar, por que não existe uma liderança com autoridade suficiente para negociar um regime pós-Gadafi. Como dizia o general prussiano Carl Von Clausewitz, a guerra é a continuidade da política por outros meios. Portanto, sem clareza do objetivo político é muito difícil estabelecer um plano de guerra. E sem plano de guerra é mais complicado ainda obter uma vitória. O real objetivo político do imperialismo é frear a intervenção das massas e dos trabalhadores, e impedir que esta tome uma dinâmica revolucionária. Estes que se levantaram por toda a região são o real inimigo das forças reunidas na OTAN, e não Gadafi a quem os imperialismos sustentaram até pouco. Isso se demonstra no fato de que enquanto intervém na Líbia em nome da “democracia”, os EUA apóiam as monarquias pró-imperialistas do Bahrein e da Arábia Saudita. Porém, para atingir tal objetivo político, os imperialismos se vêem presos na própria teia de contradições existentes entre o seu discurso “humanitário” e “democrático”, e seus interesses de rapina. Não podem deixar de intervir, pois isso abriria a perspectiva de cobrar altos custos, tanto frente à opinião pública internacional demonstrando que só se movimenta pela “democracia” nos países onde seus interesses estão diretamente postos, como pela possibilidade de uma radicalização das massas e trabalhadores líbios, o que poderia trazer uma dinâmica ainda mais convulsiva para todos os países da região.

Nas palavras de Tariq Ali: “A intervenção dos EUA-OTAN na Líbia, com a cobertura do Conselho de Segurança, é parte de uma resposta orquestrada para mostrar apoio ao movimento contra um ditador em particular, e ao fazê-lo, busca trazer o fim para as rebeliões árabes e firmar o controle ocidental, confiscando a espontaneidade das massas, para restaurar o status quo. É absurdo pensar que as razões para o bombardeio de Trípoli ou para a instalação das tropas turcas nos arredores Bengasi é proteger os civis. Este argumento é especialmente concebido para ganhar o apoio dos cidadãos da Europa e dos EUA e parte do mundo árabe. "Olhe para nós", diz Obama / Clinton e a UE, "nós estamos fazendo o bem. Nós estamos do lado do povo." O cinismo absoluto é de tirar o fôlego. Esperam que acreditemos que os líderes imperialistas com mãos sujas de sangue no Iraque, Afeganistão e Paquistão estão defendendo o povo na Líbia ” [1]. Portanto, a ofensiva imperialista demonstra que nada tem de “humanitária”, (apenas em um dos ataques aéreos morreram mais de 60 pessoas). Isso começa a levar a que setores da opinião pública pressionem para que se forje uma saída antes que as reais motivações da ofensiva imperialista venham à tona.

As dificuldades de estabelecer um regime pós-Gadafi

Assim, podemos delinear alguns cenários possíveis. Um primeiro é de que frente ao desgaste sofrido pelo avanço das forças da OTAN, esta tente promover uma negociação entre Gadafi e a CNT, para um cessar-fogo antes que a situação saia do controle. Este cenário, que está sendo tentado a todo custo e já conta com duas tentativas fracassadas de promover uma negociação entre Gadafi e a CNT tem como dificuldade a questão do que poderia ser oferecido ao ditador como moeda de troca, pois uma provável anistia parece ter-lhe sido negada até o momento, ainda que em 29/03 a Itália declarou que articularia um asilo ao ditador.

A outra é a perspectiva de um conflito que se alongará para além das intenções dos imperialismos, forçando a OTAN a uma intervenção terrestre até a queda de Gadafi, numa tentativa de impedir uma divisão territorial da Líbia após esta. Cada vez mais esta perspectiva é embaralhada como um “mal necessário” para forjar uma saída para Líbia, muito embora envolva custos altíssimos para os imperialismos, sobretudo para os EUA e seus aliados, já que poderia desatar uma onda antiimperialista na região. Este cenário, apesar das grandes contradições que engendra, não é o mais provável na conjuntura, mas não está descartado, sobretudo pela crise sobre qual alternativa política colocar no lugar de Gadafi, pois ainda que a política do imperialismo seja buscar um novo “Karzai”, provavelmente vindo da CNT, não está claro quem poderia cumprir este papel.

Por sua vez, a ausência de acordo entre as direções dos conselhos, que se postulam a atuar como direção da resistência, reunidos no Conselho Nacional de Transição (CNT) e a falta de clareza de como levar a guerra adiante, pode transformar a intervenção da OTAN amplamente legitimada no plano internacional como uma “intervenção humanitária”, em uma aventura militar de conseqüências imprevistas. Colabora para esta possibilidade as fraturas internas da própria CNT, marcada pela relutância da direção burguesa e entreguista dos conselhos em armar amplamente a base da resistência para enfrentar as forças de Gadafi, por medo de que estas armas se voltem contra si. Frente a uma queda de Gadafi não está descartado que as massas e os trabalhadores queiram ir por mais, não se contentando com um calendário eleitoral patrocinado pelos imperialismos em aliança com a burguesia local. Justamente por isso, a CNT não parece ser uma mediação com legitimidade suficiente para negociar com os imperialistas uma transição no regime após a queda de Gadafi. Isso se tornou evidente em 25/03 quando a despeito da política da UE de tentar legitimar o Conselho Nacional de Transição, este não entrou em acordo sobre quem deveria ser o seu representante demonstrando as intensas disputas e cisões internas que já começam a se dar entre suas frações.

A política das direções dos conselhos, bem como sua composição de “notáveis”, confirma a discussão que desenvolvemos em outros artigos [2] sobre seu caráter servil e pró-imperialista. Uma questão criminosa levada adiante por estas direções, para além de legitimar a intervenção da OTAN, foi ter atuado sempre para impedir que o levantamento líbio fosse marcado pela intervenção independente da classe trabalhadora, que continha uma grande parte parcela de trabalhadores imigrantes. Como assinalou Gerard Filoche: “Devemos concluir que o primeiro resultado da chegada de novos líderes políticos da Líbia foi afugentar 130 000 trabalhadores emigrantes para o Egito e 154 000 para a Tunísia, que se sentiram ameaçados por Gadafi e pelos rebeldes. Como podemos falar de movimento pela democracia quando eles massacraram negros na região? Não só os negros, mas todos os imigrantes na Líbia se sentiram em perigo. Já existe um exílio em massa de 300 000 trabalhadores nas duas fronteiras (...) Isso não nos diz muito bem sobre este auto-proclamado Conselho que, de repente, ganhou o apoio de Washington. Hillary Clinton, desde as primeiras horas em fevereiro lhes ofereceu armas. Bernard-Henri Lévy e Nicolas Sarkozy o "reconheceu" em 06 de março e seus representantes foram recebidos no Palácio do Eliseu, (isto por que em princípio, a França reconhece que apenas os Estados). Quem são eles? Qual é o seu programa? Se eles realmente queriam liderar uma revolução democrática e "nacional", porque resgataram as bandeiras do Rei Idris, símbolos de uma época distante e obscurantista, quando Cirenaica era a província dominante do país? Eles pediram a opinião dos líbios de outras regiões como a Tripolitânia e Fezzan? Não. Esta é a razão, para além da sua fraqueza militar, das dificuldades de expandir seu movimento em direção ao oeste. O que permitiu que o ditador Kadafi, após sua primeira derrota, reconstruísse uma parcela de seu exército? ”. [3]

Só a queda revolucionária de Gadafi é uma alternativa para os trabalhadores e o povo

A OTAN se utiliza da ofensiva de Gadafi, para legitimar sua intervenção, que nada mais visa a não ser seus próprios interesses. Isso está levando a que uma série de analistas comprem a tese de que a ofensiva da OTAN é um “mal menor”. Gilbert Achcar [4], renomado especialista em Oriente Médio, chegou a fazer a absurda comparação entre as negociações de cessar-fogo que hoje o imperialismo tenta costurar entre a CNT e as forças leais a Gadafi, com o acordo de Brezt Litovski firmado pelos bolcheviques, que tirou a Rússia da I Guerra Mundial. Com esta cínica comparação, Achcar busca escamotear a diferença da natureza diametralmente oposta de objetivos nas duas ocasiões citadas: enquanto a negociação que se tenta na Líbia tem como fundamento a busca por acabar com o levantamento popular, a política dos bolcheviques de 1918 visava defender a ditadura do proletariado. Citamos esta disparatada e conscientemente distorcida comparação para ilustrar até onde pode chegar o apoio à intervenção criminosa da OTAN, disfarçado de apoio ao povo líbio. Também para ressaltar que os resultados deste processo não dependem meramente da queda de Gadafi, mas antes de tudo, de quem são as mãos que o derrubarão. Se for pela via da OTAN e da direção burguesa da CNT, a heróica ofensiva das massas e dos trabalhadores líbios será usurpada, levando não a uma “revolução democrática” triunfante, mas à conformação de um status quo que seguirá mantendo os trabalhadores e o povo líbio na miséria e na opressão. Se for pela atuação independente da classe trabalhadora e do povo, seria um avanço importantíssimo para todos os processos parte da primavera árabe, e para os trabalhadores e povos de todo o mundo.

Viemos desde o início do conflito defendendo que a única saída de fundo capaz de responder aos anseios das massas e trabalhadores líbios, que heroicamente se levantaram contra a ditadura de Gadafi, é confiar em suas próprias forças, e atuar de maneira independente de quaisquer direções burguesas da CNT. Neste sentido, polemizamos desde o início contra as visões de setores da esquerda, como a LIT, que defenderam inicialmente que haveria de conformar uma aliança entre todos os setores opositores, inclusive os burgueses, numa “primeira etapa” em que tarefa seria “derrubar Gadafi”, para só depois disso agitar a necessidade de construção de um partido revolucionário e de uma política de independência de classe dos trabalhadores. Esta posição foi o pano de fundo da caracterização que a LIT-PSTU fazia de que os conselhos seriam “embriões de duplo poder”, questão que hoje se mostra completamente equivocada, bem como a visão de que a oposição burguesa seria aliada das massas e dos trabalhadores, como demonstra a defesa criminosa que a CNT faz da intervenção da OTAN.

Portanto, estivemos desde o início em favor da queda revolucionária de Gadafi. Todas as posições que disseminam que é preciso encarar a intervenção da OTAN como mal menor, trabalham contra esta perspectiva. Neste momento, esta necessidade se mostra ainda mais urgente, e prova a centralidade da tarefa de forjar uma direção revolucionária consciente, que seja capaz de levar este heróico combate dado pelos trabalhadores e o povo líbio, e do conjunto do Magreb e do Oriente Médio, até a sua emancipação efetiva.

Pela queda revolucionária de Gadafi!

Fim da intervenção imperialista da OTAN!

Por uma política de independência da classe trabalhadora líbia! Nenhuma confiança na CNT!

Pela unidade dos trabalhadores e do povo do Magreb e do Oriente Médio!

[1Libya is another case of selective vigilantism by the west, www.guardian.co.uk

[2Não à intervenção imperialista na Líbia, Simone Ishibashi WWW.ler-qi.org

[3La Libye n’est ni la Tunisie ni l’Egypte : aider les insurgés à se libérer eux mêmes de la dictature

[4Libya: a legitimate and necessary debate from an anti-imperialist perspective

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