Sábado 11 de Maio de 2024

Movimento Operário

ZANON, 7 ANOS DE GESTÃO OPERÁRIA

Lembranças do futuro

16 Oct 2008 | Há 7 anos, quando a crise capitalista tocava fundo na Argentina, o empresário Luis Zanon decidiu que seus trabalhadores deviam arcar com sua crise.Os operários ceramistas haviam exercitado seus músculos em duras greves, na recuperação da comissão interna e do sindicato regional. Zanon nunca imaginou que iria receber uma resposta que ficaria marcada para sempre na história do movimento operário. Como coloca Raúl Godoy, "de cara ao que se vêem, nossa luta em Zanon se resignifica. São lembranças do futuro. Hoje a crise está começando, e os trabalhadores temos que prepararmos". Logo abaixo reproduzimos a intervenção de Raúl Godoy em 4 de setembro no Seminário "Aula Zanon" e as questões chaves da experiência ceramista.   |   comentários

Sou Raul Godoy, trabalho há 14 anos na fábrica. Quando entrei (...) eu já era militante do PTS, e me disse: "vai passar de tudo em todos os lados e aqui em Zanon nunca se vão a mover". Porque, primeiro entrava e havia um parque automotor espetacular, os companheiros discutiam as novas máquinas que seriam compradas. Quando entrava me interei que apenas fazia alguns meses o sindicato havia negociado produtividade. Aparte de ter o superior, os chefes, o sindicato, teus próprios companheiros viriam a te vigiar para que não parasse uma máquina. Os contratados entrávamos com 4 contratos de 6 meses e não podías dizer nunca não as horas extras. Então nós passávamos 16 horas dentro dessa fábrica. Sobravam 4 ou 5 horas para viver. Era difícil pensar em organizar-se porque tua força se quebrava com a exigência da produtividade e a concorrência. Nas linhas de produção punham um cartaz com o nome de quem fazia a produção ideal. Ou seja, se produzisse menos, meio que te olhavam feio. Era plena época do menemismo e neoliberalismo em todos os lados.

De futebol e juramentos

O que nos começou a dar um pouco de ar foi quando se deu o Cutralcazo. Começamos a tratar de nos reunir fora, porque dentro da fábrica era quase impossível. E começou assim o processo, com Mario e Ramírez, que era dois companheiros que tinham alguma experiência sindical. Quando ganhamos a comissão interna tínhamos uma máquina de escrever Olivetti, que quando fazíamos uma nota para o Ministério nos furava a folha.

Mas nós sempre lhe dissemos aos companheiros: "olha, isto não depende de quatro pessoas, nós nos dirigimos pela assembléia". É que se não tem a força da base, estás liquidado. Então teve um trabalho de base muito profundo, que era recorrer máquina a máquina e os campeonatos de futebol. A nós nos descontavam cada hora de trabalho sindical, e chegávamos a pagar muito pouco. Havia também uma desconfiança se íamos aguentar, porque, historicamente quanto mais combativos os delegados, maior a grana oferecido pela empresa para ir-se. Então nós fizemos uma espécie de juramento básico. Era uma empresa industrial, com a ditadura patronal que isso significa. Então também fizemos um par de propostas e juramos realmente à assembléia. Dissemos: nenhum delegado se vai usando sua chapa sindical. O delegado que se tenha que ir por qualquer razão renuncia a seus deveres e se vai como qualquer trabalhador. Primeira coisa. Segunda questão de programa: unidade dentro da fábrica entre efetivos e contratados. Dissemos: igual trabalho, igual salário. E era revolucionário colocar-lo nesse momento que havia um neoliberalismo total e primava a terceirização.

A militância e as assembléias

Apenas começamos a dizer estas coisas, a burocracia e a patronal começaram com a campanha de macartismo. Chegaram a fazer adesivos dentro da fábrica com a foice e o martelo. O único militante era eu, o resto eram todos companheiros independentes. Mas o problema para a burocracia era que começávamos a levantar um programa de classe, que dizia que a assembléia era o órgão máximo de direção, que lutávamos pela unidade das fileiras operárias. Coisas sensíveis hoje, mas nesse momento era pior que o Manifesto Comunista para muitos. Era terrível que um grupo de operários começasse a dizer que queria por igual trabalho igual salário, que o delegado tinha que trabalhar na linha. A princípio havia muito receio sobre os desempregados e os piqueteiros, mas quando começou a nos atingir os companheiros abraçaram essa causa fortíssimo.

Na recuperação da comissão interna nos movimentamos assim: a forma de trabalhar foi sempre com a assembléia e começamos a buscar a coordenação. Outro dos pontos que caracterizou o trabalho profundo foi o não corporativismo. Isso também foi um debate, porque diziam: "que temos que ver com os docentes, os universitários?". Foi um trabalho de formiga que permitiu começar a pensar que havia que unir-se com os estudantes, que havia que começar a buscar a esses intelectuais que tiveram o interesse e que apostaram uma ficha aos trabalhadores de uma fábrica. Por isso foi fundamental o trabalho militante, de mão a mão, corpo a corpo, a valorizar cada companheiro e companheira.

A liberdade de tendências

Foi fundamental que tenhamos acompanhado os processos que surgiram. Porque quando se deu Zanon não foi um raio em céu sereno. Fomos parte de um processo nacional no qual estiveram também o movimento piqueteiro, as assembléias populares e as fábricas recuperadas. Senão, duvido muito que Zanon por sí só tivesse feito um processo como o que fez. E não é um problema de humildade, mas é uma engrenagem dentro de um sistema e se estás lutando tem que buscar alianças e frentes.

A burocracia dos Montes e a empresa nos fizeram um grande favor com a campanha macartista contra os partidos de esquerda e contra a minha militância. Depois, quando atacavam aos partidos de esquerda, a maioria dos companheiros de Zanon identificava que esse era a linguagem da burocracia sindical. Então nos vacinávamos. Ainda que também estão as críticas, todas bem vinda, parte da democracia operária real dentro de Zanon foi a liberadade de tendencias, a liberdade de pensamento. Puderam entrar companheiros do Pólo Obrero, o MST, de Barrios de Pie, do MTD. E todos fomos recriando o debate, pondo a prova nossas convicções, fomos crescendo todos e aprendemos muitíssimo os militantes também.

A gestão operária e o futuro da classe trabalhadora

Acredito que o que nos une em Zanon na gestão operária é a independência de classe e a democracia direta. Essas foram as bases que nos permitiram depois uma gestão operária como a que estamos fazendo.

Se nós pensássemos que a gestão operária em si mesma vai a dar uma solução a todos os nossos problemas nos teríamos equivocado. Nós entendemos que nossa gestão é remar contra a corrente, lamentavelmente somos forçados a comprar e vender e comercializar. Não é o que queremos fazer: queremos uma fábrica a serviço da comunidade. Reconhecemos-nos como trabalhadores que estamos em plena luta.

Além disso, está sempre tudo por fazer porque todavia se seguem morrendo 90 crianças de fome por dia na Argentina, porque todavia há milhões de desocupados. Enquanto isso segue assim, não há gestão operária que ande bem. Sabemos que o destino nosso está abraçado ao destino de conjunto.

Texto publicado no periódico do PTS (organização irmã da LER-QI na Argentina), La Verdad Obrera, n. 298.

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