Quinta 9 de Maio de 2024

Teoria

EDIÇÕES ISKRA

Lançamento no Brasil do livro Pão e Rosas

06 Apr 2008 | Nos dias 28 e 29 de março, realizaram-se na PUC-SP e na Fundação Santo André as atividades de lançamento do livro Pão e Rosas – Identidade de gênero e antagonismo de classe no capitalismo, publicado pelas Edições Iskra. Ambas atividades contaram com a presença da autora, Andréa D´Atri, membro do Partido de Trabalhadores pelo Socialismo (PTS) e dirigente da agrupação de mulheres Pão e Rosas, na Argentina.   |   comentários

As atividades reuniram mais de 180 pessoas que assistiram e participaram da atividade, entre estudantes, ativistas e professores, como o professor da PUC-SP Lúcio Flávio. Na PUC-SP, a mesa coordenada por Miriam Rouco contou com a importante participação de Cláudia Mazzei, autora dos livros Trabalho Duplicado - A Divisão Sexual no Trabalho e na Reprodução: Um Estudo das Trabalhadoras do Telemarketing e A Feminização no Mundo do Trabalho. Além dela, a mesa teve ainda a participação de Mara do Hip Hop, estudante da Fundação Santo André e militante da LER-QI, que abordou a situação histórica e atual das mulheres negras no Brasil. Na Fundação Santo André, o lançamento contou com a presença da docente Lívia Cotrim. Apresentamos a seguir um relato sobre o debate realizado na PUC-SP.

O debate teve início com a intervenção de Mara do Hip Hop, falando sobre a importância de entender a situação económica, política e social da mulher negra no Brasil, no marco de que “na sociedade capitalista a opressão de gênero se expressa tanto na super-exploração da mulher no local de trabalho, como na exploração ”˜indireta”™ com a manutenção do trabalho doméstico como atividade quase exclusivamente feminina e que não é paga. A questão racial, por sua vez, apresenta-se como um pilar estrutural do capitalismo no Brasil e não pode ser entendido somente como processo ideológico” . Daí Mara partiu para fazer um breve panorama sobre a história do povo negro e, em especial, da mulher negra, passando pelo papel cumprido ao longo dos séculos em que representou a força de trabalho escrava, a resistência e a luta contra a escravidão ’ que contou com muitas mulheres exercendo papéis dirigentes ’ e as conseqüências do pós-abolição até os dias atuais. Concluiu dizendo que “as mulheres negras são a camada mais explorada da classe trabalhadora e é fundamental o seu papel nas lutas pela libertação do povo negro e pela emancipação das mulheres, lutas que devem inserir-se no marco do combate à sociedade de classes e à propriedade privada, não rendendo nenhuma ilusão às políticas de ”˜justiça social”™ promovidas por instituições como a ONU, a mesma responsável pelo estupro de mulheres nos países ocupados por suas tropas” .

Cláudia Mazzei apresentou trechos do livro Pão e Rosas, demonstrando com seus comentários a importância dos temas tratados. Cláudia iniciou afirmando que a luta pela emancipação feminina no capitalismo deve ser entendida “entre aspas” , já que “emancipar-se humana e universalmente é impossível no capitalismo” . Sobre o livro, ela destacou que “tem como fio condutor o desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista e da sociedade de classes” . Destacou ainda que Pão e Rosas desmistifica as teóricas do feminismo radical, que tentam diminuir ou negar completamente a contribuição de Marx e de Engels à questão da mulher. Como demonstração, Cláudia fez a leitura no livro de citações extraídas de obras como A Sagrada Família e o Manifesto do Partido Comunista. A partir de seus estudos, Cláudia contribuiu introduzindo o debate sobre a reestruturação produtiva e a feminização do trabalho, demonstrando que esta se desenvolve nos postos de trabalho mais precários, além de apresentar outras conclusões importantes de sua pesquisa. Por fim, concluiu afirmando que a emancipação humana universal será possível somente com a superação do modo capitalista de produção, com uma sociedade socialista.

Andréa D´Atri deu início à sua explanação explicando que seu livro é publicado na contra-corrente das teorias em voga: “Hoje, contra o marxismo, prevalecem na academia as teorias pós-marxistas que colocam a perspectiva da ”˜democracia até o final” . E continuou explicando: “Suas teorias pós-modernas são pré-modernas. Suas teorias “realistas” , segundo as quais estamos em uma luta em que, de maneira gradual, pacífica e evolutiva iremos conseguindo ampliar as fronteiras da democracia, são verdadeiramente utópicas.” Através de vários dados estatísticos, Andrea demonstrou a realidade a qual estão submetidas bilhões de mulheres e meninas no mundo, sob o capitalismo, sintetizando em seguida: “No capitalismo as mulheres não têm os mesmos direitos nem as mesmas condições de vida que os homens, as pessoas negras não têm os mesmos direitos nem as mesmas condições de vida das brancas” . E prossegue: “O regime democrático burguês poderá ser muito atrativo para certas teóricas e certos esquerdistas transformados em ”˜amplos”™ pluralistas e radicais. Mas, ainda que não lhes agrade, a democracia burguesa é sempre a envoltura da ditadura do capital.” Sobre a necessidade da revolução socialista e sua relação com a emancipação das mulheres, a autora expressou: “Cremos que fazer a revolução socialista não resolve, de vez, todos os problemas, incluindo o da opressão das mulheres. Mas é um passo fundamental para avançar em direção ao socialismo. Pode haver revoluções (e a história do século vinte está repleta de exemplos) que não conduzam ao socialismo, mas não haverá socialismo que não surja de uma revolução operária” .

Os participantes colocaram reflexões fundamentais acerca da questão de gênero e o marxismo, demonstrando não somente a atualidade do tema, como a importância de que as mulheres ’ trabalhadoras e estudantes ’ se coloquem a reflexão sobre as teorias e a militância de combate à opressão de gênero articulada à necessidade fundamental da luta pela revolução socialista.

Extratos da Apresentação na Fundação Santo André

(...) Na última década, a questão da identidade e da diversidade atravessou o pensamento ocidental. A tríade conformada pelas categorias sexo, raça e classe se transformou num lugar comum de todos os trabalhos que quiseram abordar as problemáticas sociais. (...) No horizonte político da grande maioria de quem se pronunciou sobre a questão da diversidade, não o fazia de uma perspectiva revolucionária. O horizonte político desse frutífero debate era o de uma democracia pluralista e radical que incluiria sem discriminação a todos os seres humanos, respeitando suas diversas identidades, mas sem se questionar sobre qual sistema económico é a base dessa democracia. (...) Por isso, neste livro escolhi a classe, para atravessar, desde essa categoria, a história do feminismo e das lutas das mulheres no capitalismo. A classe não é uma identidade a mais, que pode agregar-se a outras diversas identidades. É, na verdade, a identidade que define os possíveis contornos nos quais as outras identidades irão vivenciar. (...) Queremos um mundo onde ser homem ou mulher e ter qualquer orientação sexual, onde ser branco ou negro, etc. tenha o mesmo valor social e que não exista opressão de uns e umas sobre outros e outras. Entretanto, não podemos pensar da mesma maneira a questão de classe. A classe não é uma identidade que necessite ser respeitada, mas que se trata de uma identidade que deve ser abolida. Se existem trabalhadores e trabalhadoras é porque existem pessoas que são donas dos meios de produção. Isto é negado nas elaborações da academia e do feminismo. Algo que é comum às diversas correntes feministas e é o suposto de que o marxismo é homogêneo. Além desse “marxismo único” ser rechaçado em bloco. E mais ainda, isso que se rechaça pela parte das feministas, “o marxismo” , é sua tergiversação mais trágica: o stalinismo. E partindo desta origem se sucedem os maus entendidos. Vejamos:

1. Que nós marxistas sustentamos que a opressão da mulher só ocorre na sociedade de classes, entendendo por sociedade de classes apenas o capitalismo.

Nós marxistas sustentamos que a opressão das mulheres é um produto da divisão da sociedade em classes. Mas não acreditamos que o capitalismo seja a primeira e única sociedade dividida em classes. Houve outras sociedades classistas, como o escravismo, o feudalismo, etc. onde também existia a opressão das mulheres. Entretanto, acreditamos que no sistema capitalista esta opressão adquire determinadas particularidades. (...) O capitalismo tem empurrado as mulheres para as fábricas, mas para explorá-las duplamente, com salários menores aos dos homens, para, desse modo, baixar também o salário de todos os trabalhadores. Além disso, sobrecarrega a mulher com uma dupla jornada que começa em casa, segue na fábrica e continua novamente na casa. (...) Por isso, acreditamos que para acabar com a opressão das mulheres, é necessário acabar com o capitalismo. É certo que com a revolução socialista não está garantida a libertação definitiva das mulheres. Sem dúvida é certo que não há possibilidade de emancipação das mulheres nos estreitos marcos de um sistema baseado na exploração de milhões por uma minoria de parasitas. (...)

2. Do anterior, as feministas desprendem a idéia de que só interessa para as marxistas a emancipação das mulheres trabalhadoras, ou seja, daquelas que estão atadas pela opressão de gênero e pela exploração de classe.

Aqui existe outra confusão. Quando falamos de opressão, falamos de que a metade da humanidade vive em situação de desigualdade em relação à outra metade por conta de seu gênero. Nós mulheres somos 50% da população mundial. Entretanto, existem muito mais mulheres e meninas pobres que homens pobres. (...) Este sistema pode funcionar sustentando-se exclusivamente nos braços de milhões de explorados e exploradas que o fazem funcionar a cada dia. Como pode ser? Pode ser porque a minoria de parasitas está organizada: além das fábricas e das empresas, têm os meios de comunicações, os partidos políticos patronais, a burocracia sindical, e caso tudo isto não funcione, têm a polícia e o exército para enfrentar os explorados. As mulheres e os homens explorados do mundo não têm essa organização. E inclusive os capitalistas aproveitam as religiões, as diversas culturas, o racismo, e a dominação patriarcal para nos dividir e nos desorganizar. Por isso não existe a possibilidade de que a classe operária possa transformar-se na direção revolucionária do conjunto do povo oprimido sem considerar também que existe a opressão em suas fileiras, e que milhões de mulheres trabalhadoras e do povo pobre sofrem a humilhação, a submissão e o desprezo vindos dos membros masculinos de sua classe. Porém não será possível esta unidade enquanto os operários sustentarem uma visão sexista e opressiva das mulheres como objetos sexuais, como propriedades privadas cujo lugar “natural” está na casa, entre afazeres domésticos e a criação dos filhos. (...)

3. Por esta razão, muitas feministas se queixam de que aos marxistas nos interessa mais a luta de classes que a luta das mulheres e que, na realidade, seria necessário concentrar os esforços nesta última esfera.

As maiores lutas contra a opressão das mulheres acabam sempre tendo lugar durante os períodos de luta mais ampla, mais generalizada. E isto é algo que tentamos explicar neste livro que hoje apresentamos. (...) Se o êxito dessas lutas sempre dependeu do êxito das lutas mais amplas, as derrotas destas lutas mais amplas previram o fracasso da luta pela libertação da mulher. Assim ocorreu com o termidor de 1790, que fechou os clubes femininos revolucionários e que, finalmente, incluiu no Código Civil napoleónico de 1804 o conceito de que a mulher é propriedade do homem e sua finalidade essencial é a produção de filhos. (...)

4. As feministas dizem que nós marxistas acreditamos que primeiro vem a revolução social, e depois, a emancipação das mulheres.

Entretanto esta é uma concepção stalinista. Para nós a luta contra a opressão está indissoluvelmente ligada à luta pela revolução social. (...) A Revolução Russa conseguiu para as mulheres soviéticas direitos inauditos que se perderam com a reação stalinista, enquanto criava a Ordem da Glória Maternal para a mulher que tivesse entre sete e nove filhos e o título de Mãe Heróica para a que tivesse mais de dez. A IV Internacional surgiu em 1938, declarando em seu programa sua especial atenção aos setores mais explorados das massas, inscrevendo em suas bandeiras “Avante juventude! Avante mulher trabalhadora!” A esta corrente do marxismo revolucionário é à qual aderimos. E por isso não nos parece algo estranho lutar pela emancipação das mulheres e ao mesmo tempo lutar pelo socialismo. Não consideramos que existem etapas “obrigatórias” na luta pela nossa emancipação. Não somos “sectários” . Acreditamos que enquanto lutamos por um sistema onde não existam a exploração nem a opressão, é nosso dever irrenunciável impulsionar e ser parte das lutas das mulheres pelas melhores condições de vida possíveis ainda que seja nesse mesmo sistema, pelos direitos democráticos mais elementares, inclusive em aliança com todos e todas as que lutem por esses direitos ainda quando não consideram ’ como nós consideramos ’ que outro sistema de verdadeira igualdade e liberdade seja possível. (...)

Contribuiu para esse artigo Marina Ramos, militante do Movimento A Plenos Pulmões e integrante no Núcleo de Discussão da Mulher Trabalhadora

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