Quarta 8 de Maio de 2024

Nacional

(sexta-feira,14 janeiro) DIRETO DE TERESÓPOLIS

Enquanto a população cava com suas próprias mãos as autoridades nem sequer sujam os seus pés.

15 Jan 2011   |   comentários

O dia amanhece mas a cidade de Teresópolis não dormiu, muitos moradores passaram a noite enterrando corpos de amigos e parentes e, por incrível que seja, esses são os que tiveram alguma sorte, pois muitos ainda não têm nem os corpos para enterrar. Logo bem cedo recomeçam os sons contínuos das sirenes das ambulâncias. O número de mortos não para de aumentar e deve aumentar ainda mais. Há varias regiões em que as escassas equipes de resgate ainda nem tiveram acesso.

Já não há espaço para os mortos, e improvisam-se necrotérios com caminhões frigoríficos. Faltam vagas no cemitério e já corre a notícia de que vão passar a abrir valas comuns. Muitos dos mortos seguem sem identificação, isso por que em muitos casos morreram famílias inteiras e não há quem reconheça os corpos. Seu José, que se abriga no ginásio Pedrão e não tem para onde ir, perdeu 7 dos 10 parentes que tinha, tamanha tragédia que se repete em vários depoimentos. Também já não há lugar para os que sobreviveram, o ginásio do Pedrão está cheio de desabrigados, e ainda surpreende o número de pessoas que transitam sem rumo, sem ter para onde ir. A negligencia e o descaso da política das prefeituras e governos ainda se expressa intensamente pós tragédia.

Ainda cedo no centro numa medida desesperada alguns buscam alimentos e remédios “saqueando” farmácias e pequenos supermercados. Faltam bombeiros e políticas para o resgate, mas sobram policiais para reprimir uma parcela da população desesperada. O comércio inteiro fecha com medo dos arrastões. O centro da cidade fica vazio. A chuva não deu trégua a noite toda e prevalece de manhã, deixando as expressões nos rostos dos moradores ainda mais tensos. Os assunto são sempre os mesmos, comentários sobre seus conhecidos e parentes mortos, e são muitos.

A chuva cessa e nos arriscamos em direção às regiões mais atingidas. Rumamos ao bairro do Calame, distante 7 km do centro de Teresópolis. No Caminho passamos por Quita da Barra, onde são visíveis os sinais da destruição. Vários deslizamentos em diferentes locais arrastaram muitas casas. Onde antes, se encontravam estas, agora restam apenas clarões de lama e entulho onde muitos corpos soterrados já começam a decompor. Não se vê as equipes de resgate, mas sim os próprios moradores que limpam a lama das ruas, desentopem bueiros, consolam os que tiveram vitimas próximas. Um deles, Sebastião, me relata que só nesse deslizamento retiraram 7 corpos e que uma mulher e um bebê de 2 meses ainda estão enterrados. Alerta-me que para frente à situação é bem pior e conta que os moradores dali, que foram ajudar em Campo Grande, só de chegar lá viram inúmeros corpos inchados na lama e encima das arvores, num bairro que sumiu praticamente inteiro sobre a lama.

Ao seguir me aproximo de Calame, o rio que corta a entrada da cidade arrastou o fundo de casas e pequenos comércios. A estrada principal virou um verdadeiro rio de água e lama, e daí pra frente às cenas são cada vez mais impressionantes, muitas casas totalmente destruídas, as que resistiram estão praticamente cobertas de lama. Muitas casas ainda estão em regiões de risco, e algumas com moradores. Na região mais popular, as ruas de paralelepípedo foram arrancadas pela força das águas. Alguns carros encontram-se pendurados em arvores e casas. O cheiro dos corpos em decomposição é muito forte. O morro mais alto desabou, muita lama e pedra caíram arrastando tudo o que estava no caminho. É possível encontrar destroços e corpos a mais de quinhentos metros de distância.

Logo ao chegar na região mais alta, onde apenas 6 bombeiros e moradores realizavam as buscas, um corpo foi encontrado. Os vizinhos logo reconhecem. É uma senhora que morreu junto com todas as 5 pessoas da família e segundo o morador que a desenterrou, estava abraçada a um tronco de árvore. No alto do morro, pedras gigantescas estão soltas e podem rolar a qualquer momento.

A moradora Célia nos descreve a tragédia: - por volta da meia noite começou uma forte chuva que se manteve pela noite adentro. Mais ou menos as 2:30 da madrugada uma tromba d’ água atingiu o morro. Estavam todos dormindo quando se ouviu um forte estrondo e repentinamente a terra tremeu forte e a água, a lama e imensas pedras foram levando tudo . Foi quando instalou-se um grande breu. Passou-se a ouvir inúmeros gritos desesperados que vinham de diferentes direções, muitos choros e pedidos de socorro que, sem nada que pudéssemos fazer, foram diminuindo e sumindo um após o outro durante toda a madrugada. “Eu estou agoniada, estou a três dias sem água, sem luz, não chega ninguém, não chega nada aqui! É um absurdo! É um descaso! Estamos abandonados aqui.” Nos conta ainda que só nesse deslizamento 25 casas foram soterradas, que tinham em média 4 pessoas. Apesar de só terem tirado 15 corpos e os moradores afirmarem que muitas famílias estão soterradas, o chefe dos bombeiros nos orientou que só faltam 6 corpos para serem encontrados e encerrar o resgate nesse área.

Mesmo com o baixo número dos bombeiros no resgate, a pouca policia que chegou não se deu ao trabalho de sujar as botas, depois de discutir com aqueles a patente e as subordinações, deu meia volta.Onde a polícia dá as costas, os trabalhadores de uma empresa de contrução que conseguiram liberação do trabalho, portando seus equipamentos, ajudam os moradores, entre esses um colega de trabalho que teve sua casa destruida, a cavar e a retirar os corpos.Como disse seu Antônio: “Heróis, os moradores são verdadeiros heróis, se não fossem eles tava tudo perdido de vez! “

Esses mesmo heróis estão entregues a própria sorte, muitos moradores reclamam que os donativos não chegam. É difícil saber o que indigna mais, pensar na culpa dos governantes a cada nova imagem de dor da perda ou o descaso que continua mesmo depois da tragédia.

São os próprios moradores e voluntários que montam e organizam os pontos de coleta, os abrigos, a distribuição dos donativos principalmente nas regiões mais afetadas. São esses que abrem caminho na lama e desenterram os corpos. A dimensão desta tragédia é infinitamente maior do que o número dos dados oficiais. A região de Campo Grande está destruída, e muitos corpos estão soterrados, assim como muitos outros bairros a frente onde ainda nem se chegou o resgate para contabilizar os mortos (como em Vieira, bairro onde a população estima haver cerca de pelo menos 1.000 mortos). Esta tragédia em seus números reais deve contar milhares de mortos.

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