Domingo 5 de Maio de 2024

Nacional

O PRÉ-SAL DE LULA

Elementos de uma política “pós-neoliberal” e continuidades com a ofensiva neoliberal

10 Sep 2009   |   comentários

Lula tem realizado discursos e tomado medidas como o anúncio de uma série de medidas relacionadas ao Pré-sal e aquisição de armamentos da França que visam ao mesmo tempo elevar um tom nacionalista de seu governo bem como representam elementos de alteração de uma política essencialmente de um neoliberalismo tardio para outra mais ao tom de outros governos latino-americanos e suas tintas “pós neoliberais” . Estas duas medidas recentes marcam a mais importante diferença do governo Lula em relação ao governo FHC, do qual vinha se distanciando desde o início do segundo mandato e abrem um importante espaço de discussão entre os trabalhadores e as massas sobre que medidas tomar para libertar o país do jugo imperialista. Ao mesmo tempo, estas medidas somadas ao ainda imenso apoio de Lula e a incipiente recuperação económica reforçam as expectativas reformistas. É chave a vanguarda estudantil e operária ter uma justa compreensão destas mudanças para desenvolver uma política independente dos trabalhadores que efetivamente garanta a ruptura com o imperialismo e o uso dos vastos recursos naturais do país a serviço da população.

A importância do pré-sal

O objetivo dos quatro projetos de lei de Lula relativos ao pré-sal é garantir uma maior parcela da renda do petróleo ao Estado brasileiro. Esta obtenção não se fará às custas de agressivas políticas contra os investimentos existentes de nenhum imperialismo mas lhes tolhem uma parte do potencial que apostavam que pilhariam do país nesta vasta província petrolífera. Esta região representa a maior descoberta petrolífera dos últimos anos e farão as reservas de petróleo do Brasil saltar de 14 bilhões de barris a 64 a 114 bilhões (fazendo o país saltar da 17ª maior reserva do mundo para a 9ª ou 4ª, dependendo das estimativas).

O objetivo de Lula e um setor da burguesia que apóia este projeto é buscar maiores margens de manobra frente aos imperialismos sem se chocar frontalmente com seus interesses, mas tal como na política militar com a França buscar negociar entre os distintos interesses aumentando as cartas do Estado brasileiro e do setor da burguesia que aposta neste projeto, entre eles os fundos de pensão que emergirão provavelmente como os principais sócios da Petrobrás na exploração do pré-sal.

Por outro lado há diversos setores burgueses que querem colocar limites ao já pequeno avanço estatal contido no projeto lulista. Se opõem a este projeto ressuscitando seu discurso neoliberal de que o Estado deveria se manter fora destes setores estratégicos. Este setor tem seus evidentes defensores no Instituto Brasileiro do Petróleo (que congrega as empresas do setor), mas também diversos deputados do DEM e PSDB, mas até de parte do governo Cabral (PMDB) que é aliado de Lula, mas quer manter a posição do Rio de Janeiro como estado produtor. Essa tendência a divisão dos “de cima” que a discussão do pré-sal pode estar antecipando e a disputa entre governadores pela divisão dos royalties, podem abrir um cenário de maior politização e melhores perspectivas de ação aos trabalhadores.

O projeto de Lula e suas rupturas e continuidades com o neoliberalismo

O monopólio do petróleo foi quebrado em 1997 no refluxo produto da derrota da greve dos petroleiros de 1995 quando foi estabelecido um sistema de concessões onde são leiloados campos para exploração e produção e o consórcio vencedor é dono da totalidade desta produção fora um módica parcela de 5 a 50%, dependendo do tamanho da produção, que é entregue em royalties e participações especiais a união, estados e municípios. Por este projeto foram estabelecidas “parcerias” da Petrobrás com numerosas empresas estrangeiras bem como sua instalação direta no país. Na onda da incrível valorização do preço do petróleo nos últimos anos ocorreu uma intensa expansão da atividade extrativa e mesmo os mais pesados e sulfurosos petróleos brasileiros tornaram-se atrativos. Este desenvolvimento da indústria nos últimos anos combinou-se a crescente primarização do setor, onde cada vez mais é a extração de petróleo e não seu refino a principal atividade, e a Petrobrás se alçar como grande empresa mundial ao mesmo tempo em que se fazia nacionalmente uma poderosa alavanca para formação de monopólios (como em seu papel para consolidar a Braskem, de propriedade da Odebrecht como maior petroquímica da América Latina) e servil sócia do saque imperialista dos recursos naturais do país.

Este processo se combinou com a continuidade das políticas neoliberais na Petrobrás tanto em sua profunda divisão entre petroleiros efetivos e terceirizados, como na sua própria gestão onde cada “unidade de negócio” é como um feudo separado com sua comunicação, seu RH etc, como se fossem fatias separadas prontas à privatização. Também foi a continuidade de uma política do governo Lula em mesmo detendo a maior parte dos votos (capital votante) na empresa em continuar sendo minoritário em receber seus lucros (capital social), ou seja uma estatal para gerar lucros para a Bovespa e Wall Street.

Os projetos atuais visam realizar algumas alterações neste projeto sem tocar em vários destes fundamentos. Uma das medidas visa criar um novo modelo de exploração para o pré-sal, substituindo a concessão pela partilha. No novo modelo cria-se uma estatal, a Petrosal que estabeleceria uma PPP com o consórcio que lhe entregasse a maior porcentagem de petróleo, podendo chegar até a 80%. Todo consórcio deve obrigatoriamente ter uma participação de 30% da Petrobrás e tê-la como operadora. A parcela maior que o Estado obtém com este modelo bem como obtê-lo em petróleo e não em dinheiro permite uma política que gere mais divisas, vendendo-o a preços mais favoráveis ou refinando-no e vendendo derivados, que são mais caros. Toda estas alterações, no entanto, não tocam as áreas já concedidas, inclusive 24% da província do pré-sal que continuarão no atual modelo de saque.
Outros aspectos das medidas incluem um aporte de recursos à Petrobrás que fará o capital votante do Estado subir a mais de 60% para que o capital social alcance ao menos 50% e a criação de um “fundo soberano” para gerir estes recursos excedentes e o lucro do mesmo sendo aplicado em educação, saúde. O fundo soberano será utilizado, tal como já é o BNDES e a própria Petrobrás para favorecer os grandes monopólios nacionais e estrangeiros e somente seus lucros para “fins sociais” , apesar de toda a retórica lulista de esta renda seria para “combater a desigualdade” . De todo modo o conjunto desta política é pensada como uma forma de obter maiores margens de manobra frente aos imperialismos e marcam elementos de uma política “pós-neoliberal” sem alterar em nada as relações de trabalho e condições de trabalho de cerca de 65 mil petroleiros efetivos e estimados 210 mil terceirizados, e sem comprometer frente aos imperialismos nenhum dos atuais investimentos e garantias de saques dos recursos do país.

Frente à perspectiva que para além dos respiros conjunturais de retomadas de crescimento estamos atravessando uma crise capitalista de proporções históricas, insanável do ponto de vista da burguesia sem maiores e mais profundos ataques às massas e países semi-coloniais e dependentes, a perspectiva de maiores margens de manobra sem romper com o imperialismo tende a se chocar tanto com as necessidades das massas no país para que todos os recursos advindos deste setor chave da economia estejam a serviço do conjunto da população e não de poderosos acionistas, e também com os interesses imperialistas e seus mais fiéis agentes locais.

É interesse dos trabalhadores apoiarem o projeto de Lula?

O posicionamento da maior parte das organizações de massa, após uma campanha comum da CTB, CUT, MST, Intersindical e CONLUTAS que era, no papel, pela re-estatização da Petrobrás, foi rompida pelos setores governistas que conseguiram impor um golpe aos setores anti-governistas e agora atuam com mãos totalmente livres. Esta ruptura da CUT e CTB arrastando consigo o SINDIPETRO-RJ (da CUT, mas da FNP e não da FUP) e o MST é produto também de como os setores anti-governistas atuam nestas frentes-únicas que mais servem para que petistas pintem-se de vermelho do que para avanços reais na luta de classes, mas sobretudo é produto da necessidade dos setores governistas em oferecerem formalmente um projeto menos entreguista que o de Lula para na verdade apoiar o de Lula.

O projeto de lei enviado pela FUP ao Congresso Nacional contempla a retomada do monopólio estatal do petróleo, retomada das subsidiárias e da REFAP à Petrobrás bem como o exercício do monopólio pela mesma. Estes elementos mais progressivos do projeto se mesclam a uma reivindicação da Petrobrás como “empresa pública” (algo intermediário entre economia mista atual e 100% estatal), no fundo muito similar ao projeto de Lula, indenização das empresas que tanto lucraram e agregam ao fundo soberano de Lula que seja um fundo exclusivamente social. Não faltam sequer detalhes privatistas no projeto da FUP, o artigo 27 permite a Petrobrás privatizar subsidiárias que não sejam de pesquisa, extração, refino e transporte de petróleo ’ ou seja a BR Distribuidora, a Liquigás, as termelétricas, entre outras empresas. Além destas contradições privatizantes no próprio projeto a atuação desta frente em nada se diferencia da proposta oficial de Lula, como seriamente lutam por sua lei se não criticam a lei de Lula, não mobilizam por sua lei? É antes um projeto para descomprimir pressão na base e separar vários sindicalistas da influência da FNP e depois saudar os avanços do projeto de Lula e Dilma...

É necessário desenvolver uma política independente que leve a questionar não só a continuidade da sangria de recursos do país para as grandes multinacionais do petróleo, mas inclusive as medidas tomadas por Lula como marca de uma política menos pró-EUA e mais pós-neoliberal sem tocar na profunda divisão entre efetivos e terceirizados no sistema Petrobrás, entre outras, e nem no rigoroso pagamento mensal dos juros da extensa dívida interna e externa. Cabe à vanguarda operária e estudantil reconhecer estas alterações para criticá-la e contribuir para uma mobilização independente da classe trabalhadora que possa efetivamente garantir a totalidade dos recursos naturais do país livre das garras imperialistas e livres para serem usados a serviço do povo em todo o país.

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