Quinta 2 de Maio de 2024

Internacional

Convulsão política no Haiti

15 Feb 2004   |   comentários

Ao fechamento desta edição, se desenvolve uma impressionante convulsão política no Haiti. Desde o final do ano passado, um enorme repúdio da população vem se crescendo produto de que o presidente haitiano tem levado o país cada vez mais à miséria ao seguir as ordens de Washington, e esta é a base dos conflitos políticos que vem sacudindo o país, até explodir na atual convulsão contra o governo de Jean Bertrand Aristide. Este movimento vem sendo canalizado por setores da burguesia e até ex-duvulieristas, na chamada Convergência Democrática, onde se agrupam também setores que antes apoiavam o presidente, porém segundo informações não confirmadas até o momento, esta estaria sendo superada em algumas regiões pelas mobilizações e o enfrentamento direto da população contra a policia e os grupos aristidistas. O governo está ficando cada vez mais isolado: quatro ministros renunciaram em dezembro, senadores reconhecidos renunciaram ao seu partido, o parlamento eleito em setembro se nega a funcionar enquanto Aristide não renunciar.

A crise política tomou uma nova dimensão com os choques armados, iniciados na quinta-feira, 5 de fevereiro, quando o “exército canibal” , forças paramilitares compostas por ex-membros das forças armadas dissolvidas em 1994, que durante vários anos serviu para Aristide reprimir seus opositores, passou para a oposição após um de seus fundadores ser assassinado. Eles irromperam primeiro em Gonaïves, cidade simbólica porque foi onde culminou a luta de independência e onde começou a insurreição de massas para expulsar o ex-ditador Duvalier filho. Grupos armados junto a setores da população tomaram, nessa cidade, as delegacias e incendiaram a casa do prefeito. Ações semelhantes estão ocorrendo em outras cidades como na província de Artibonita e Saint-Marc, eixo estratégico entre a capital, Porto Príncipe e Gonaïves, onde a população saqueou os contêiners de carga armazenados, levando comida, e produtos de primeira necessidade. Até o momento, a rebelião tem se estendido a uma dúzia de cidades na região de Gonaïves e no sudeste do país, ameaçando se expandir a outros pontos como o norte para pressionar Aristide a renunciar. Mas, segundo informações das agências de imprensa, os setores do chamado “exército canibal” , hoje na oposição, não contariam com o apoio da “oposição democrática” a Aristide que teria muita força em Porto Príncipe.

O Haiti é reconhecido como o país mais pobre de América Latina. O que foi a primeira república negra do mundo, caiu no século XX sob o controle direto do imperialismo norte-americano, que a ocupou de 1915 a 1934, quando os protestos antiamericanos fizeram com que as tropas saíssem do país, mas deixaram a nação nas mãos de fortes ditaduras como a dos Duvalier ’ pai e filho ’ de 1957 a 1986, que impuseram um regime político baseado na perseguição policial e militar durante três décadas, até sua queda em meio às mobilizações de massas.

Após a queda do Duvalier filho, se prepararam as condições para o advento de um governo civil em 1991, capitalizadas pelo sacerdote, teólogo da libertação Jean Bertrand Aristide, que se apoiando em seu discurso clerical e prometendo melhores condições de vida, em sua demagogia de uma reforma agrária e governar para os pobres, iludiu as massas desde os bairros mais empobrecidos com seu partido Lavalás (significa avalanche, em crioulo haitiano) mas que deixou de cumprir suas promessas. Com este discurso manteve seu governo durante um pouco mais de um ano e meio, para ser logo deposto pelo golpe militar de Raoul Cedrás e a burguesia pró-americana, que assassinou centenas de simpatizantes de Aristide, enquanto este fugia para a Venezuela e se refugiava finalmente nos EUA.

Mas voltou ao poder com o apoio das tropas norte-americanas, que invadiram o país com 20.000 marines, acatando os planos do Consenso de Washington que Clinton o fez assinar, enquanto as tropas saíam para vencer a resistência dos golpistas e simpatizantes de Cedrás e de setores que se manifestavam contra a presença dos americanos. Inquestiona-velmente a política de direita de Aristide, aplicando os ditames do FMI e os planos de privatizações, a destruição de empregos públicos, a eliminação de subvenções de preços, junto com o crescente uso da repressão policial e de bandos armados paramilitares, é um instrumento útil ao imperialismo. Tudo isto o levou a perder muito do apoio popular que tinha conquistado devido a sua oposição ao regime Duvalier e as juntas militares quando estava na oposição. Assim, quase duas décadas depois da queda de Duvalier filho, o nível de vida do Haiti é inferior ao do princípio dos anos oitenta, já que Aristide foi incapaz de oferecer qualquer solução a não ser aquela que lhe ditava o FMI, precisando para isso se apoiar na corrupção e no uso da repressão para seus oponentes.

Mesmo quando a popularidade de Aristide decaiu entre a população pobre pela aplicação dos planos neoliberais, conseguiu acumular o suficiente para poder sustentar-se, reelegendo-se novamente em um processo eleitoral fortemente questionado. Desde então surgiram movimentos opositores encabeçados por setores dissidentes do partido do próprio presidente, como a Plataforma Democrática ’ onde se enquadra a esquerda maoísta e o movimento estudantil; e outros movimentos encabeçados pela burguesia mais reacionária alentada pelos americanos, as igrejas e o CARICOM ’, conhecida como o grupo das 184 organizações, que montou um lockout patronal em 16 de dezembro passado de adesão parcial. Todos juntos formam a Convergência Democrática. São estes setores que canalizam todo o repúdio da população que se rebela contra o presidente haitiano.

Assim, o democrata que desde o púlpito combateu Jean Francois Duvalier filho ’ que para sustentar-se no poder usava os grupos de touton macoutes assassinando e queimando as casas dos opositores ’, hoje combina a policia militarizada com seus bandos armados dos chimères (grupos de choque), para golpear e assassinar dirigentes estudantis, jornalistas chegando inclusive a quebrar as pernas do reitor da Universidade estatal.

No plano regional, a mando dos Estados Unidos, houve uma tentativa do CARICOM para tentar encontrar uma “saída política” que procuraria salvar ao regime de Aristide através de novas eleições parlamentares, reorganização da polícia e de partes do aparato estatal. Mas até o momento não tem chegado a nenhum acordo. Esta iniciativa foi apoiada por Colin Powell, em consonância com uma oferta em novembro por parte da Igreja Católica para a conformação de um conselho com membros do governo e representantes da oposição que supervisionaria novas eleições parlamentares, já que, para o secretário de estado, isto “traria alguma ordem ao processo político e abre uma avenida constitucional para que as pessoas expressem sua vontade” . Por sua parte, o governo francês estaria discutindo uma possível intervenção militar. Os habitantes do Haiti sabem muito bem o significado das intervenções imperialistas.

Os trabalhadores e camponeses do Haiti só podem confiar neles próprios para solucionar os problemas que enfrentam. Desgraçadamente a rebeldia das massas haitianas está usurpada por uma direção burguesa, à qual infelizmente se subordina a maioria das organizações de massas. Por isso, o que se necessita no Haiti é de uma organização de massas independente, dos trabalhadores e do povo pobre, que com uma política independente avance em libertar-se definitivamente das cadeias de opressão das elites internas que historicamente as tem levado a viver em uma miséria permanente, que avance definitivamente na ruptura das cadeias imperialistas. Os trabalhadores e camponeses no Haiti só podem confiar em suas próprias forças. Nenhuma confiança nas forças da burguesia! O único caminho é avançar na autodeterminação dos trabalhadores e do povo pobre na luta por um governo dos trabalhadores, expropriando os expropriadores. Não a qualquer intervenção militar seja pelos Estados Unidos ou a França!

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo