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Argentina

"Contenção social", farsa eleitoral e movimentos de luta

05 Mar 2003 | A um ano e três meses das jornadas que derrubaram a De la Rúa, o governo de Duhalde tem conseguido atuar como uma força de “contenção” dos amplos movimentos sociais que atravessam o país e impor seu cronograma eleitoral. Apesar disto, não pôde mudar a seu favor as relações de força com o movimento de massas, que segue sendo a principal ameaça do decomposto capitalismo argentino e de seu frágil regime político.   |   comentários

Governo da “contenção” e movimentos de luta

O principal “mérito” do peronismo no poder foi o de lidar com o “conflito social” , mediante a cooptação de setores do movimento piqueteiro e a divisão das filas operárias. O terror do desemprego, o aumento da pobreza e a perda salarial [1] foram usados como instrumentos paralisantes que impediram a unidade dos trabalhadores e o povo em uma frente de luta contra o governo.

O peronismo tem a seu favor a integração orgânica do setor majoritário do movimento piqueteiro (CTA e CCC [2]) às relações com o estado e a neutralização de sua ala combativa, como O Bloco Piqueteiro e a Coordenadora Aníbal Verón. Não é um dado menor já que os piqueteiros constituem o setor mais forte dos movimentos em luta. A distribuição de 2 milhões de Planos “Jefas e Jefes” de 150 pesos [3] aos desempregados, um plano de assistência social similar ao que quer aplicar Lula no Brasil, levou a estabelecer uma trégua que implica o abandono dos cortes de estradas e de toda medida radicalizada do movimento. De conjunto os piqueteiros ’ ainda que continuem sendo com sua mobilização um fator político importante no cenário nacional- têm retrocedido ao terreno da pressão pela cobrança dos planos, que são obtidos mediante os mecanismos clientelistas do estado.

Nas assembléias populares e nas fábricas ocupadas o governo não conseguiu domesticar a seus setores mais militantes e combativos. As assembléias foram o produto mais original e genuíno do levantamento de dezembro e agrupam a uma ampla vanguarda, protagonistas de ocupações de prédios e da luta contra a repressão aos movimentos piqueteiros. Ainda que hoje estão divididas e retrocederam em número devido a sua dinâmica localista, o governo não pode fazer pé com sua política de integração ao estado via “democracia participativa” na co-gestão dos assuntos municipais. As assembléias que aceitaram estas formas de colaboração são minoritárias. A maioria se localiza dentro de um terreno de enfrentamento com o regime político. Na última marcha contra a guerra imperialista contra Iraque tiveram uma destacada participação, reflexo do alto nível de rechaço à guerra que existe no país [4].

As fábricas ocupadas são o setor mais novo e significativo dos movimentos de luta. Pelo alcance de suas ações ’ ocupadas e postas em produção sob gestão dos trabalhadores- mostram uma tendência anticapitalista. O governo e a burocracia tentam controlar este fenómeno mediante a legalização de cooperativas onde os operários devem assumir as responsabilidades abandonadas pelos patrões (incluindo as dívidas dos velhos proprietários). Mas a existência de uma forte ala esquerda dentro deste movimento, representada pelas fábricas que reivindicam a estatização sem pagamento sob controle operário, cujos símbolos são a têxtil Brukman e Cerâmica Zanon, dão vitalidade a este setor que antecipa a emergência de um novo movimento operário. Nestes dias, Zanon e Brukman, realizam seu 3º Encontro Nacional, junto a assembleístas, piqueteiros e outros setores em luta: dispõem-se a lançar um jornal operário de difusão massiva para chegar com sua proposta à base dos trabalhadores sujeitos à burocracia sindical e uma campanha por trabalho genuíno em base a um plano de obras públicas sob controle operário, a repartição das horas de trabalho e o aumento salarial.

Se as fábricas tomadas vinham sendo o único setor ’entre os empregados- que estava na cabeça da luta, hoje existem importantes sintomas que poderia estar se anunciando a entrada em luta de setores operários na cena nacional. Nesta semana se realizou uma espetacular greve dos trabalhadores ferroviários, e em um fato inédito, trabalhadores telefónicos, tomaram os edifícios da Telecom pela reincorporação dos estagiários.

Farsa eleitoral

A fragilidade do regime político, é uma crise não resolvida da burguesia argentina. As eleições de 27 de abril são um plano continuísta do velho regime, para que fiquem todos os representantes dos questionados partidos patronais. Convocadas só para eleger presidente e vice, evitando a renovação de todos os cargos, são uma enganção ao povo.

A oligarquia política de radicais (UCR) e peronistas (PJ) se negou à mais mínima concessão, ainda no terreno da democracia burguesa formal. Esses comícios são dos mais antidemocráticos da história nacional, comparáveis aos que se fizeram sobre a base da proibição do peronismo de participar das eleições entre 1956 e 1963. Esta vez não se trata do “gorilismo” proibindo um partido burguês que concitava a adesão dos trabalhadores, mas sim que é o mesmo Partido Justicialista no poder, que proscreve o amplo movimento de massas que protagonizou l rebelião de dezembro ao grito de que se vayan todos. Como se não bastasse, a consagração de uma fórmula presidencial se dará no segundo turno, onde só se poderá eleger entre dois representantes da velha política, provavelmente ambos do PJ.

A luta entre as distintas frações burguesas hoje se expressa no terreno do regime político. Kirschner, candidato de Duhalde e do setor majoritário dos governadores do PJ aspira ser o representante da ala agro-exportadora, partidária da desvalorização da moeda. O peronista Rodríguez Saá com um discurso de demagogia nacionalista e a centro-esquerdista Elisa Carrió do ARI (Alternativa para uma República de Iguais) que representa o setor “reformista” do velho regime, falam também em nome desta fração capitalista. Menem, com uma minoria do PJ é o porta voz dos interesses dos neo-dolarizadores e prega a necessidade de um governo de força. Este enfrentamento levou à fratura de fato do peronismo.

Assim colocado o problema, o resultado desta armadilha antidemocrática está por verse, pois existe uma queda de braço entre a tentativa de recompor a autoridade do estado e a capacidade dos movimentos de luta para deslegitimar e debilitar o máximo possível a tentativa continuísta. O cenário boliviano, de um presidente débil surgido das eleições com não mais de 25% dos votos, incapaz de impedir um levantamento revolucionário, deve ser preparado desde a luta política contra a farsa eleitoral.

As assembléias populares, a grande maioria dos movimentos piqueteiros, as fábricas ocupadas, rechaçam esta farsa eleitoral coincidindo por sua vez, como assinalam as pesquisas com mais de um terço da população. Lamentavelmente, ao invés de favorecer a unidade para rechaçar a farsa, Izquierda Unida (IU) [5] e recentemente o Partido Obrero (PO), decidiram participar com tudo na campanha eleitoral, dando-lhe as costas à reivindicação popular de “que se vayan todos” . IU fez das eleições falsas o eixo da atividade de seus militantes que não são ouvidos nas assembléias populares. E agora se somou o PO adotando uma postura aberta e pública contra quem rechaça a fraude, uma atitude anti-assembleísta e ant-ipiqueteira. Dão assim o caráter “amplo” e “democrático” que o governo necessita para fazer passar por legítimas umas eleições completamente fraudalentas.

Rechaço ativo

Desde as assembléias barriais, a grande maioria dos piqueteiros, as fábricas ocupadas, assim como o PTS, o MAS e outras forças políticas, incluindo o deputado Luis Zamora, se chama a rechaçar ativamente estas eleições antidemocráticas. Está colocado unir o repúdio à farsa eleitoral para que o movimento de luta debilite e deslegitime o governo que surja produto desta manobra. Há que facilitar e fortalecer a tarefa dos lutadores operários e populares na perspectiva de uma nova rebelião.

Desde o PTS estamos chamando a impulsionar uma campanha unitária e democrática, pelo rechaço ativo a estas eleições, seja não votando, votando em branco ou com uma cédula que exija que se vayan todos. Com o espírito de manter viva a façanha das Jornadas Revolucionárias é que ’como parte da luta contra a farsa eleitoral - incitamos particularmente a todas as organizações operárias, piqueteiras combativas, assembleístas e da esquerda a agrupar as forças classistas, para por em pé coordenadoras, verdadeiras organizações de democracia direta, na perspectiva de um Congresso Nacional de organizações em luta, lutamos por um programa operário e popular de saída para a crise e por uma Assembléia Constituinte revolucionária imposta sobre as ruínas do velho regime.

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

[1Segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC) 1 de cada 2 argentinos vive abaixo da linha de pobreza, 1 de cada 3 não alcança sequer a de indigência, 1 de cada 4 se encontra na idade e vontade de trabalhar mas não consegue emprego. Somente em 2002, o poder aquisitivo se reduziu em 24%. Os grupos de empresários estão mais que agradecidos já que o “custo trabalho” diminuiu em média 30%.

[2Central de Trabalhadores Argentinos (CTA): agrupa os sindicatos estatais e docentes e à fração do movimento piqueteiro liderado por Luis D”™Elía da Federación de Terra e Vivienda (FTV). Corrente Classista e Combativa (CCC): de orientação maoísta, vinculada ao Partido Comunista Revolucionário, liderada por Juan Carlos Alderete.

[3Ao redor de 50 dólares.

[4Segundo as pesquisas, 9 de cada 10 se manifestam contra a guerra ao Iraque.

[5Frente integrada pelo Partido Comunista e pelo Movimento Socialista dos Trabalhadores.

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