Sexta 26 de Abril de 2024

Internacional

Acordos táticos, rivalidades estratégicas

17 Nov 2014   |   comentários

Para esta reunião, a primeira de projeção internacional sob a presidência de Xi Jinping, o governo chinês preparou cuidadosamente o cenário: suspendeu as aulas, fechou centenas de fábricas, deu férias aos trabalhadores e inundou as ruas com 30.000 policiais e 800.000 voluntários para garantir a segurança.

Nestes dias Beijing foi a sede da última cúpula da APEC (Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), da qual participaram 21 países, entre eles grandes potências como Estados Unidos, Japão e, claro, China e Rússia.

Para esta reunião, a primeira de projeção internacional sob a presidência de Xi Jinping, o governo chinês preparou cuidadosamente o cenário: suspendeu as aulas, fechou centenas de fábricas, deu férias aos trabalhadores e inundou as ruas com 30.000 policiais e 800.000 voluntários para garantir a segurança. O anfitrião buscava apresentar aos principais líderes mundiais, entre eles Barack Obama e Shinzo Abe, uma cidade livre de poluição e de protestos.

Numa primeira análise, a grande estrela da cúpula da APEC parece ter sido a diplomacia entre os Estados Unidos e a China. Na coletiva conjunta que deu com seu par chinês, o presidente Obama, sem deixar de reconhecer as enormes diferenças que seu país tem com o gigante asiático e a competição econômica, saudou o surgimento de uma “China próspera” e se mostrou otimista sobre a cooperação para manter a estabilidade regional e mundial. O presidente Xi assegurou que a China faria sua contribuição para a paz. Os Estados Unidos e a China chegaram a um acordo para reduzir a emissão de gases do efeito estufa (ambos produzem ao redor de 45% destas emissões). Além disso, assinaram outros acordos comerciais, como a eliminação das tarifas no comércio de semicondutores e outros produtos tecnológicos, estimado em 1 bilhão de dólares, o que beneficiaria tanto as empresas norteamericanas, que buscam entrar no mercado chinês, como as que têm fábricas na China que produzem para o mercado norteamericano. Também se comprometeram a estender vistos de turismo, de negócios e de estudantes e a notificar certos movimentos militares com o objetivo de evitar choques indesejados no mar do sul da China, o que várias vezes esteve a ponto de acontecer nos últimos meses.

Por fora dos espaços formais da cúpula, Xi Jinping se reuniu com o primeiro ministro japonês, Shinzo Abe, o que foi interpretado como um sinal de relaxamento na disputa que ambos países mantêm em torno das ilhas Senkaku (Diaoyu) no mar do sul da China, que incluiu escaladas militares perigosas. Xi também se reuniu com o presidente das Filipinas para limpar asperezas por outros conflitos marítimos e territoriais.

Inclusive Obama conversou informalmente com Vladimir Putin, em um momento em que parecem endurecer as tensões entre as potências ocidentais e a Rússia pela Ucrânia.

Finalizada a cúpula da APEC, os líderes dos Estados Unidos, China, Japão e Rússia seguiram caminho ruma à capital de Myanmar (Birmânia) para participar da cúpula da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático).

Porém, mais que abrir uma era de cooperação entre as principais economias do mundo, estes acordos táticos, que permitem benefícios a curto prazo, dão-se no marco de uma rivalidade estratégica definida pelo declínio dos Estados Unidos, que não estão dispostos a abrir mão dos privilégios de grande potência, e pela ascensão da China. O giro estratégico da política externa norteamericana à Ásia-Pacífico responde a esta competição estratégica e a reforçar os aliados históricos dos Estados Unidos na região – Japão, Coreia do Sul e Filipinas – frente à expansão do poderio chinês.

Esta competição estratégica marcou a cúpula. Washington usou o cenário da APEC para avançar com a Associação Transpacífico, um acordo comercial que exclui a China. Beijing também usou a cúpula para dar um novo ar à Área de Livre Comércio da Ásia Pacífico. Além de anunciar projetos ambiciosos de infraestrutura regionais como o chamado Silk Road, uma rede de ferrovias e aeroportos que comunicaria com a Ásia Central e por essa via com a Europa. Como parte desta política de projetar sua liderança regional, a China vem impulsionando instituições alternativas como o Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura, para compensar o escasso peso que tem em instituições multilaterais como o FMI e o Banco Mundial, para o tamanho de sua economia. E nos intervalos da cúpula assinou um acordo milionário com a Rússia pela compra de gás.

Os Estados Unidos chegaram debilitados à cúpula. Estão novamente envolvidos numa guerra dupla no Oriente Médio, na Síria e no Iraque, de duvidosa duração e resultado. Entretanto não podem se retirar do Afeganistão e enfrentam a pior crise com a Rússia desde o fim da Guerra Fria. No plano interno, Obama sofreu um duro golpe com a derrota nas eleições de meio de mandato.

Com este panorama complicado, os Estados Unidos não querem se ver obrigados a terem que intervir em um conflito prematuro com a China. Mas não cabe dúvidas que, estrategicamente, a China é a principal hipótese de conflito para um futuro que parece cada vez mais próximo.

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