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Internacional

SÍRIA

Abaixo a ditadura de Assad. Fora Israel e o imperialismo da Síria

30 May 2013   |   comentários

Em menos de 48 horas o Estado de Israel lançou dois bombardeios aéreos contra alvos militares nas proximidades de Damasco, supostamente para evitar que uma doação de mísseis mais sofisticados de fabricação iraniana chegasse às mãos do Hezbollah - a milícia xiita libanesa que derrotou Israel na última guerra do Líbano em 2006.

Em menos de 48 horas o Estado de Israel lançou dois bombardeios aéreos contra alvos militares nas proximidades de Damasco, supostamente para evitar que uma doação de mísseis mais sofisticados de fabricação iraniana chegasse às mãos do Hezbollah - a milícia xiita libanesa que derrotou Israel na última guerra do Líbano em 2006. Ainda que o governo de Netanyahu não tenha admitido abertamente esse verdadeiro ato de guerra, rapidamente o presidente norte-americano Barack Obama reivindicou o direito do Estado de Israel a se defender, dada a sua proximidade com a Síria e o Líbano, e deu a entender que os Estados Unidos aprovou este “ataque preventivo” contra a Síria.

A oposição ao regime de Assad se dividiu ante os ataques. Enquanto o Conselho Militar de Damasco chamou a aproveitar o golpe israelense, outros o usaram para denunciar que o regime de Assad era forte para a repressão interna, mas impotente frente ao ataque sionista. A resposta da oposição pró-imperialista, que vem pedindo a intervenção militar norte-americana, foi utilizada por Assad para tratar de justificar sua política repressiva, agitando a teoria de que não se trata de um legítimo levantamento popular democrático, mas de uma conspiração ocidental para derrubá-lo e debilitar a resistência contra o Estado sionista.

Dada a importância histórica que teve o regime do Partido Baath para manter a estabilidade do Estado de Israel, apesar de estar tecnicamente em guerra com o Estado sionista que mantém a ocupação dos Altos de Golan, a extensão regional da guerra civil síria a países vizinhos como o Líbano ameaça criar um conflito regional de máxima importância, no marco de que o produto dos fracassos dos EUA nas guerras do Iraque e do Afeganistão e as mudanças ocorridas com a primavera árabe, está em questão a ordem regional a serviço dos interesses do imperialismo.

As contradições da política imperialista

À luz dos resultados da intervenção da OTAN na Líbia, que levou à queda de Kadafi, mas não ao surgimento de um regime estável, Obama vem se negando a intervir na Síria. A isso se soma que depois das guerras desastrosas do Iraque e Afeganistão, e em meio à crise econômica 62% da população norte-americana se oponha à intervenção na Síria, que não contaria com o apoio das Nações Unidas pelo veto permanente da China e Rússia, aliados de Assad. Até agora os EUA vem tratando de dar uma solução fundamentalmente política e diplomática, que combina a imposição de sanções econômicas à Síria, com o apoio a setores moderados da oposição, evitando a hegemonia absoluta da Irmandade Muçulmana, que eventualmente possa negociar uma transição com o partido Baath. No plano militar se limitou ao apoio e treinamento por parte de agentes da CIA de milícias, sobretudo o Exército Livre Sírio patrocinado diretamente pela Turquia. O maior temor de Obama é que uma política fosse de intervenção direta ou de armar de maneira generalizada os “rebeldes” termine fortalecendo variações islâmicas extremistas e hostis aos EUA e Israel, tendo em conta o peso que vem ganhando a Frente Al Nursa, uma organização islâmica que vários analistas relacionam com a Al Qaeda. A cúpula política norte-americana está dividida em torno a qual política ter. Setores republicanos e democratas vêm pressionando Obama para que intervenha militarmente na Síria, alegando que a falta de resposta ante uma crise que já leva mais de dois anos é lida pelos inimigos dos EUA, em especial o Irã, como um sinal de debilidade.

Os partidários da intervenção, que vão desde John MacCain até o “progressista” Nancy Pelosi exigiram ao menos uma operação limitada, como o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea, partindo de que a impunidade com a qual Israel atacou mostraria a debilidade das defesas antiaéreas de Assad, o que faria com que a intervenção praticamente não tivesse custos para os Estados Unidos. O último pretexto dos falcões norte-americanos é o suposto uso de armas químicas por Assad, que Obama havia definido como “linha vermelha” para intervir na Síria, o que lembra a mentira das armas de destruição massiva em poder de Saddam Hussein com que os EUA justificou a guerra no Iraque em 2003. A gravidade da situação acelerou a decisão do governo de Obama de pactuar diretamente com a Rússia, o principal sustentador internacional de Assad, uma saída negociada entre o regime sírio e a oposição reconhecida pelo imperialismo, e superar o impasse criado pelo veto permanente da Rússia e China no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Como parte dessa política, o secretário de Estado norte-americano John Kerry se reuniu com Putin e a princípio concordaram em convocar uma conferência internacional da qual participariam a oposição e os representantes do regime de Assad, sobre a base das resoluções da conferência de Genebra de junho do ano passado. Isso implicaria a formação de um governo de transição sem Assad, mas mantendo intacta a estrutura do exército e outras forças repressivas de modo a garantir a continuidade estatal e a estabilidade e derrotar qualquer tentativa de levantamento popular. Porém, dada a dimensão do conflito e os atores envolvidos, dificilmente se possa resolver pela via da negociação.

Risco de crise regional

As alianças do regime de Assad com o Irã, Hezbollah e com o governo do Iraque se baseia na solidariedade do setor xiita do islamismo que é minoritário no mundo muçulmano, mas majoritário no Iraque e Irã, frente aos rivais sunitas, e na comunidade de interesses geopolíticos (o enfrentamento com os Estados Unidos e o Estado de Israel no caso do Irã e Hezbollah). Ainda que não tenha adquirido o caráter de uma guerra civil inter-religiosa, a crise síria poderia tomar essa dinâmica e levar ao enfrentamento não só entre sunitas e alawitas, como também à perseguição de curdos, cristãos e drusos. Tanto o regime iraniano como o primeiro-ministro do Iraque, temem que se a oposição sunita majoritária toma o poder na Síria com o apoio da Turquia, Arábia Saudita e Qatar, isso poderia levar a uma tentativa de restaurar a dominação sunita no Iraque. A defesa da minoria alawita na Síria à qual pertence a família Assad e seu círculo íntimo no poder desde finais da década de 1960, poderia fazer ressurgir o conflito inter-religioso no Líbano (que viveu uma guerra civil de 15 anos na qual a Síria teve um papel central). Isso no marco de que depois dos Estados Unidos se retirarem do Iraque se abriu uma nova guerra civil entre xiitas e sunitas (à qual se somaram os curdos, que ficaram com o norte do Iraque, onde há importantes poços petroleiros), que se faz mais intensa. Segundo organizações humanitárias no último mês a quantidade de mortos nestes enfrentamentos é similar à registrada durante o auge da guerra civil em 2006. O levantamento na Síria alentou a onda de protestos dos sunitas no Iraque contra a perseguição a cada um de seus líderes (acusado de terrorista pelo governo de Mailki e condenado à pena de morte). Inclusive a Al Qaeda anunciou a fundação da ala iraquiana da Frente al Nusra.

Esta perspectiva é um pesadelo para os EUA na região, no marco de que ainda não se encontra uma saída viável à ocupação do Afeganistão e que busca reorientar sua política exterior para a região Ásia, com o objetivo de conter a China. Disso a necessidade de por fim à crise na Síria sem levar os EUA a uma nova aventura militar.

Síria e a “primavera árabe”

Contra aqueles que vêm o regime de Assad como progressista e anti-imperialista e afirmam que não está reprimindo uma luta popular, mas defendendo-se da tentativa dos EUA e Israel de derrota-lo, sustentamos que na Síria há em curso uma luta legítima contra um regime ditatorial que estourou em março de 2011 como parte do processo mais geral da “primavera árabe”.

Este levantamento popular tem profundas motivações democráticas e sociais. Ante a repressão brutal de Assad, o levantamento popular se militarizou, e ainda que persistam elementos da rebelião que sacudiu o regime, sobretudo os conselhos locais que organizam a vida cotidiana em cidades sob controle da oposição ou a Coordenação de Comitês Locais surgida no início dos levantamentos, os que estão ocupando o centro da cena no plano militar são organizações como o Exército Sírio Livre, que atua patrocinado pela Turquia, e em última instância conta com o apoio do imperialismo norte-americano.

Enquanto no plano político a direção está disputada pela oposição pró-imperialista da Coalizão Nacional para as Forças da Oposição e da Revolução Síria (fundada em novembro de 2012 como sucessora do Conselho Nacional Sírio, e apoiada por todo o imperialismo e o Conselho de Cooperação do Golfo, e variantes islâmicas radicais como a Frente al Nursa, e outras organizações religiosas armadas pelo Qatar e Arábia Saudita).

No campo de batalha sírio confluem diversos conflitos que ameaçam incendiar o conjunto da região, exacerbados pela intervenção do imperialismo e diversas potências e atores regionais que buscam instrumentar algumas das frações em pugna em defesa de seus próprios interesses reacionários, inclusive sob o risco de desatar uma guerra civil inter-religiosa.

Enquanto um setor minoritário da esquerda se alinha com Assad justificando o apoio a esta ditadura brutal por suas contradições com os EUA, e agora com o Estado de Israel, correntes como a LIT-PSTU repetindo o mesmo erro que na Líbia os levou a capitular de fato ante a intervenção da OTAN, se adaptam ao campo “rebelde” na luta anti-ditatorial.

Frente a essas duas posições, os revolucionários apoiamos o levantamento e a luta pela queda do regime de Assad uma vez que combatemos toda a ingerência e intervenção do imperialismo ou seus aliados e lutamos por uma estratégia operária independente das direções opositoras e pró-imperialistas.

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