Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

O Estado Islâmico estende suas operações à Líbia

19 Feb 2015 | No último domingo, o agudo aparato de propaganda do Estado Islâmico divulgou mais um vídeo-execução. Desta vez, o cenário não é um deserto no Iraque ou na Síria, mas uma praia. Uma fileira de homens ajoelhados, utilizando um uniforme laranja que lembra os presos de Guantánamo, serão decapitados. As vítimas são trabalhadores pobres da minoria cristã copta do Egito, que emigraram para a Líbia atraídos pela possibilidade de emprego no setor petroleiro que lhes diminuísse a miséria.   |   comentários

No último domingo, o agudo aparato de propaganda do Estado Islâmico divulgou mais um vídeo-execução. Desta vez, o cenário não é um deserto no Iraque ou na Síria, mas uma praia. Uma fileira de homens ajoelhados, utilizando um uniforme laranja que lembra os presos de Guantánamo, serão decapitados. As vítimas são trabalhadores pobres da minoria cristã copta do Egito, que emigraram para a Líbia atraídos pela possibilidade de emprego no setor petroleiro que (...)

Como já é costume, o espetáculo das execuções do Estado Islâmico tem como objetivo somente causar horror. São uma mensagem para próprios e estranhos. Servem tanto para fins de recrutamento, sobretudo para jovens sem futuro que vivem uma existência de humilhação e de repressão como para provocar as respostas do ocidente e seus aliados e levá-los talvez aonde não querem.

O que dirige a banda de “cortadores de cabeças” se dirige à câmera brandindo sua lâmina para dar uma mensagem a todos os “cruzados”, em que ressalta especialmente que estão ao sul de Roma, na Líbia, a terra do Islã.

O conteúdo desta mensagem é quase transparente: o Estado Islâmico estendeu seus tentáculos e já opera para além da Síria e do Iraque. Aparentemente, incorporou três províncias líbias a seu califado, que inclui o controle de parte da capital, Trípoli. Mais ainda, encontra-se às portas da Europa.

Isto bastou para incendiar luzes de alarme no Egito, seus aliados conservadores do Golfo e da Itália, que acusou recebimento da ameaça e teme que, entre a multidão de refugiados que fogem da Líbia e tentam ingressar por Lampedusa, cheguem militantes do Estado Islâmico dispostos a atuar em seu território.

A operação parece estar dirigida em primeiro lugar a envolver o Egito de maneira aberta em um conflito em que vem intervindo de maneira encoberta. Poucas horas depois de conhecido o vídeo, o Egito, em acordo com a fração do governo líbio reconhecida pelo Ocidente, bombardeou posições do Estado Islâmico e chamou as Nações Unidas a dar cobertura para uma intervenção militar das potências imperialistas. Por ora, os Estados Unidos, França, Alemanha e Reino Unido impulsionam uma saída negociadora para estabelecer um quase impossível “governo de unidade nacional”. Mas a ampliação de faculdades pedida por Obama ao Congresso para perseguir sua guerra contra o Estado Islâmico pode incluir a Líbia entre seus futuros alvos.

Para os padrões norteamericanos, a Líbia é o mais parecido a um “estado falido”. Para simplificar um pouco o panorama, é (um país?) com dois governos desde agosto de 2014: um reconhecido pelo Ocidente, estabelecido em Tobruk depois de ter sido expulso de Trípoli por seus rivais islâmicos, aliado com o ex-general kadafista Halifa Heftar. O outro tem sede em Trípoli, dentro do qual têm peso diversas frações islâmicas que lutam pelo controle do governo, entre elas o grupo filiado à Al Qaeda ao qual se atribui o ataque à embaixada norteamericana na Líbia.

Isto implica dois parlamentos e duas coalizões militares, Dignidade em Tobruk e Aurora em Trípoli, formadas por dezenas de milícias locais, com seus próprios chefes e seus próprios interesses.

Para complicar o panorama, o Estado Islâmico, que se desenvolveu neste vazio, não está em nenhuma, combate também o governo islâmico de Trípoli – dominado em um primeiro momento pela Irmandade Muçulmana – e neste combate, tomou o controle de algumas cidades importantes como Sirte, parte de Trípoli de Benghazi.

Como joga o Egito neste quebra-cabeças? Desde que o golpe do general Al Sisi derrubou o governo da Irmandade Muçulmana, na geopolítica regional o Egito se alinhou com o bando da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, enfrentado com o bloco de Catar-Turquia. Estes enfrentamentos de potências regionais são as lutas que animam as guerras civis no Norte da África, após a derrota da Primavera Árabe.

Com a liquidação da Irmandade Muçulmana no Egito como possível veículo de desvio, abriu-se um panorama onde, à reação estatal-imperialista, opõem-se forças igualmente reacionárias, como o Estado Islâmico.

A execução de cristãos egípcios também tem como objetivo provocar a reação de setores islâmicos radicalizados ante a brutal perseguição do governo de Al Sisi contra a Irmandade Muçulmana.

A quatro anos do início da rebelião contra a ditadura de Kadafi, a Líbia está submersa em uma crise da qual ninguém aventura uma saída.

O Estado Islâmico é uma das milícias e frações que disputam o controle do território e do petróleo líbio, aproveitando o caos em que ficou submerso o país após a derrubada e assassinato de Kadafi, graças à intervenção da OTAN.

Como no caso da Síria, o que começou como uma rebelião popular contra o regime despótico de Kadafi, terminou degenerando em uma intervenção da OTAN seguida por uma guerra civil em que se enfrentam milícias locais patrocinadas por potências regionais.

O desenvolvimento da guerra civil posterior à intervenção da OTAN mostrou quão equivocado esteve o setor da esquerda internacional, que saudou a queda de Kadafi em uma operação conjunta de milícias locais com bombardeios da OTAN como um triunfo de uma suposta revolução democrática, sem importar quem havia derrubado o ditador.

Longe da “democracia”, a política dos Estados Unidos foi intervir e sustentar seus aliados, as forças tradicionais da reação como a monarquia saudita, para derrubar a primavera árabe. Os resultados estão à vista.

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo