Sábado 4 de Maio de 2024

Nacional

DEBATE NA TV

A fanfarra eleitoral e os interesses dos trabalhadores e do povo

12 Aug 2010   |   comentários

Uma fanfarra é um estilo musical geralmente associado a bandas militares. Nele são utilizados instrumentos de metal e os instrumentistas marcham ao tocá-los. Em uma fanfarra fica-se no terreno estranho entre uma cavalaria armada de trompetes e uma banda de jazz cheia de hierarquias e espadas desfilando para o gosto de um general. Esta metáfora pode explicar bem o debate presidencial ocorrido na TV Bandeirantes e todos os candidatos mostravam algo que não bate com seus programas nem com seus históricos. Algo estava fora de lugar: ou os instrumentos ou os músicos. Uma exceção a isto foi Plínio que postou-se como alternativa e como radical – tentando ocupar um espaço mais de esquerda, apesar do seu partido, o PSOL, ter um programa e uma estratégia de centro-esquerda. A ridícula cena de Serra tentando chorar no final não pode ser nem um pouco palatável a quem conhece sua política truculenta contra o MST, as greves do funcionalismo público no estado de São Paulo ou o movimento estudantil combativo das universidades estaduais paulistas. Dilma, assustada com o debate, também se emocionou ao declarar sua honra de ser escolhida para continuar a obra de Lula. Falou dos milhões de empregos criados, mas não mencionou a terceirização e os acidentes de trabalho. Menos ainda mencionou as centenas de bilhões de reais que ela e Lula garantem anualmente de transferência de renda para os grandes empresários através da dívida pública e do BNDES. Marina, por sua vez, insistiu em sua origem pobre e da floresta, e em como seria possível ter desenvolvimento capitalista e sustentabilidade ambiental. Propôs aumentar o financiamento da educação, mas sem mencionar que tiraria as verbas com ataques aos direitos do funcionalismo público(como disse previamente em jornais).

Não houve muita fúria, salvo nos comentários ácidos de Plínio, dirigidos sobretudo a Marina e Serra (poupando a Dilma e o Lula). Mas dadas as ausências de debates francos e sobre os problemas reais dos trabalhadores e do povo, pode-se entender o debate com uma frase de Shakespeare em Macbeth “um conto contado por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada”. Nenhum dos candidatos, incluindo Plínio, arriscou-se a abordar as recorrentes tragédias anunciadas produto das enchentes, nenhum deles marcou como o crescimento econômico tem ocorrido em base à precarização do trabalho, ninguém citou a pesquisa recente do IBGE onde 75% das famílias declaram ter dificuldades em fechar suas contas todos os meses. Nem mesmo se falou como no “Brasil potência desenvolvida” de Dilma mais de 3 mil trabalhadores perdem as vidas todos os anos nos canteiros de obra, canaviais, estaleiros e fábricas. Este número absurdo só é comparável ao também absurdo e não abordado número de cerca de 4.500 mulheres que são assassinadas todos os anos por seus parceiros, familiares, e que muitas vezes recorrem ao Estado por proteção e são negadas a este direito elementar porque tiveram relações casuais (Eliza Samudio), ou pelo simples e declarado machismo. A ausência deste debate ocorre em uma eleição com duas candidatas mulheres entre as principais concorrentes!

O debate foi uma fanfarra eleitoral, onde a demonstração de força marcial é apresentada em outro ritmo. O ritmo dos ataques aos trabalhadores não foi mostrado. Mas ao contrário, todos querem fazer melhor, “desenvolver o país”, ter mais igualdade, etc., etc. Isto de senhores e senhoras que governam a décadas em âmbito estadual e federal e são cúmplices e implementadores destes projetos que significaram o crescimento da exploração do trabalho e as recorrentes tragédias contra os trabalhadores e o povo.

A popularidade de Lula e a negação da crise capitalista mundial como pano de fundo não declarado

O ponto comum entre os três principais candidatos: Dilma, Serra e Marina, além de sua disposição para continuar gerindo o Estado para garantir os lucros dos grandes empresários nacionais e estrangeiros, agressores do meio-ambiente ou não, é como todos, aí incluindo Plínio, evadiram-se de chocar-se com a popularidade de Lula e debater com a população os cenários mais duros que mais cedo ou mais tarde chegarão como fruto da crise capitalista mundial ainda em curso. Plínio chegou a acusar todos de estarem vendendo um mundo de Polyana, mas ele também fugiu destas duas questões chave. Para o candidato do PSOL, poderia seguir o ritmo atual e simplesmente fazer alguma reforma agrária, ou melhor, uma lei pró-reforma agrária. Mas se aprovar passivamente no Congresso uma lei que limita os latifúndios a 1.000 há já é uma utopia, crer que seria possível implementá-la por fora de uma revolução contra a burguesia e o agronegócio é um delírio típico do mundo de Polyana. Assim, segundo Plínio, pacificamente, começaríamos a resolver os problemas do país. A evasão de divisas, a necessidade de nacionalização dos bancos frente a crise capitalista, a necessidade de mobilização independente dos trabalhadores: tudo isto passou longe.

Para Marina, Dilma e Serra se trataria de como gerir o país para sua melhoria, que não haverá solavancos externos, nem contradições internas fruto do aumento do endividamento tanto dos trabalhadores como do Estado. Todos eles “pularam” Lula. Surpreendentemente, até Dilma, que só o mencionou no 3º bloco do debate, para mostrar-se menos como “poste” e mais como candidata ela mesma. Serra não se contrapôs a Lula para não ter que ficar de oposicionista e no “corner”, defendendo FHC; ele focou atacar Dilma em questões secundárias para mostrá-la má gestora (como a questão das APAES). Marina, que quer se postar de continuidade e superação tanto de FHC como de Lula também não podia se mostrar nem muito governista (do governo que compôs por 7 anos), nem muito oposicionista, para não cair no beco sem saída de explicar porque demorou tanto a sair.

A evasão dos candidatos a estas questões mostra os limites e a “franqueza” deste debate. Nenhum deles (Dilma ou Serra) se eleito poderá cumprir o papel de contenção da luta de classes que cumpre Lula. Iremos necessariamente a uma situação mais conflituosa (não necessariamente rumando à esquerda) no pós-Lula e os ventos externos bem como as contradições que se acumulam internamente farão com que os ataques preparatórios que tanto Dilma, quanto Lula e Serra fizeram ou declararam sobre as greves do funcionalismo sejam uma realidade, como se vê na maioria dos países da Europa. Será necessário algum ajuste das taxas de lucro dos empresários ou nas condições de vida das massas, e isto não declaram. Ao contrário, falam que sem mudar nada, de grão em grão, o país será uma “potência desenvolvida”. Uma potência desenvolvida onde há incontáveis casos de tuberculose em favelas de capitais como o Rio de Janeiro (na Maré e Rocinha, por exemplo). Tocaram uma música feliz todos os candidatos, mesmo vestidos com sua indumentária marcial.

Plínio, muito barulho pela igualdade em meio a sua busca de uma burguesia nacional-desenvolvimentista

Plínio chamou a atenção de todo jovem e setores mais ilustrados de trabalhadores que assistiram ao debate, que infelizmente não ultrapassou, nem de perto, a audiência do futebol. O militante do PSOL procurou se colocar como contraponto entre candidatos da desigualdade e do capitalismo (mesmo em sua versão eco-capitalista, como chamou Marina) e em defesa da “justiça social”. Foi irônico e mostrou-se diferente dos “bons moços” que eram os três outros candidatos. Falou claramente que era necessário sacrificar os lucros e realizar a reforma agrária, defendendo as ocupações de terra do MST. Procurou, como não havia feito sua predecessora (a ex candidata do PSOL à presidência, Heloísa Helena), ocupar um espaço de esquerda, aparecer como candidato dos movimentos sociais. No entanto, este sucesso em postar-se como militante de esquerda encobre a estratégia de conciliação de classes de seu partido, e os perigos ensejados por seu programa, o que há detrás de sua retórica. Antes de mais nada, como ele mesmo declarou, seu programa é de reformas no capitalismo: “Eu não pretendo implantar o socialismo no Brasil e nem é a pretensão do meu partido agora. Vou fazer uma proposta dentro do marco do capitalismo. As únicas formas socializadas que vamos ter são a saúde e a educação” (Folha de SP 01/08).

O PSOL com Plínio, após quase debandar-se todo debaixo das asas de Marina Silva e Gabeira do PV, procurou se refazer à esquerda, adotar o discurso de ser representação dos movimentos sociais. No entanto, esta tentativa esconde como buscam reeditar o PT, nem sequer o PT de 1980, prenhe de contradições e que a massa operária afluía a ele, mas o PT recente, esvaziado de operários e se aliando a todo setor burguês em seu projeto de gestão do Estado capitalista. O PSOL reedita, em pequeno o parlamentarismo do PT dos 90 e tal como este esforçasse para “corrigir” esta democracia, e em um esforço pírrico atua no congresso como rei das CPIs para que os próprios corruptos julguem a si mesmos. Plínio defende alguma reforma agrária, chama à mobilização, “pois sem pressão não se conquista nada”, mas não deixa de ficar preso a seu projeto de um “governo democrático e popular” onde os setores populares apoiariam a alguma ala esclarecida e/ou nacionalista da burguesia que faria algumas reformas de base, como a reforma agrária, que abririam caminho a um desenvolvimento (capitalista) mais “equânime” do país. Jango foi derrubado com programa similar e nenhum setor burguês, nem ele mesmo, armou uma defesa, optando pelo lado do imperialismo, e a classe operária, influenciada pelo PCB, apostava na ação dos “generais nacionalistas” e assistiu tudo prostrada (as ações das massas eram no máximo pressão, e não agentes elas mesmas de sua emancipação). Plínio e o PSOL ainda não encontraram seu Jango atual a lhes apoiar ou liderar, mas reeditam tanto o PT, sem suas massas, como o Jango e o Brizola, sem seu estridente anti-imperialismo. Já ultrapassados e derrotados pela história ao não encontrarem esta burguesia “progressista” inexistente. É necessário o desenvolvimento de uma posição independente dos trabalhadores, que aponte para seu protagonismo e não para sua aparição como instrumento de pressão. A classe trabalhadora precisa confiar apenas em suas próprias forças para acabar com a desigualdade, atacando pela raiz, o sistema capitalista, garantindo o ingresso de todos terceirizados às empresas onde trabalham com iguais direitos, a estatização das empresas que demitam e o não pagamento da dívida para organizar planos de obras públicas.

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