Segunda 29 de Abril de 2024

Mulher

À clandestinidade do aborto, algumas pagam com dinheiro... outras com a vida!

15 Jun 2005   |   comentários

O debate sobre o direito ao aborto levanta diferentes opiniões. Por motivos éticos, religiosos e políticos se enfrentam os que são a favor e contra essa velhíssima prática que as mulheres têm recorrido historicamente para decidir sobre a interrupção de sua gravidez.

No Brasil, em 2004, foram realizados 1.600 abortos legais previstos na constituição, que tratam de risco de morte para a mulher e de gravidez resultante de estupro. No mesmo ano, ocorreram, no SUS, 243.998 internações motivadas por conseqüências pós-aborto, decorrentes de abortamentos espontâneos e inseguros. As cirurgias pós-aborto são o segundo procedimento obstétrico mais praticado nas unidades de internação, superadas apenas pelos partos normais. No Brasil, 31% das gestações terminam em abortamento, sendo um total de 1,4 milhão de abortos por ano no Brasil.

Enquanto as mulheres seguem morrendo ou ficando psicológica e fisicamente debilitadas após um aborto, quem continua decidindo sobre nossas necessidades e sobre nossos corpos é o Estado burguês e a opinião de uma sociedade marcada pelo patriarcalismo e pela religião. Como o aborto é permitido apenas para casos de risco de vida à mãe ou casos de estupro, a grande maioria dos abortos continuam sendo clandestinos e sem nenhuma assistência médica e psicológica, sendo muitas vezes abortos que incluem a introdução de substâncias tóxicas, objetos pontiagudos ou sondas.

Mas porque o aborto não é livre, público e com toda assistência física e psicológica garantida pelo Estado? Para esta questão, é fundamental lembrarmos que a maioria das mortes causadas pelo aborto são as das mulheres pobres! São aquelas que não têm os meios económicos para pagar uma clínica clandestina, nas quais sabem que não serão punidas. Mas ao mesmo tempo, nessas clínicas não é garantida a segurança para a vida e para a saúde destas mulheres.

Não por acaso temos uma lei que permite o aborto apenas para dois casos: quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resulta de estupro. Não seria hipocrisia podermos decidir sobre ter ou não filhos, ou seja, sobre nossa própria vida e sobre nosso próprio corpo apenas quando corremos risco de vida ou quando formos violentamente abusadas? O fato do aborto hoje ainda ser ilegal, passa por um moralismo no qual fecham-se os olhos a essas mulheres que morrem “em nome da vida” . Por mais que o direito ao aborto seja um direito mínimo e elementar, se não aparece como legal neste Estado é porque o controle sobre nosso próprio corpo nos permitiria questionar toda a opressão que sofremos, que tenta traçar os limites de nossa expressão e de nossa ação, falando quando, o que e como podemos decidir. Além disso, existe o lucro que geram essas clínicas clandestinas para seus donos e que também permitem ao Estado deixar cada vez mais precarizada a assistência pública à saúde das mulheres.

A Igreja, junto ao Estado, mantém sua posição irreversível perante o aborto. Para mostrar isto bastam as declarações do novo Papa em relação ao aborto e ao uso da pílula do dia seguinte. Usa o argumento da vida que é concebida no embrião deixando de lado a vida da gestante que está em jogo quando esta vai procurar o aborto clandestino. Temos esta expressão também na Câmara dos Deputados, a qual tem como presidente Severino Cavalcante, que já mostrou qual o papel que cumpre como líder de um órgão legislativo burguês e inclusive se apoiando na Igreja para sustentar seus argumentos retrógrados que sustentam a submissão da mulher e a proibição de qualquer método contraceptivo e a prática do aborto.

Não podemos mais deixar que decidam sobre nossas vidas e que nos tapem os olhos com hipocrisias! O absurdo a que chega esta opressão da mulher é o caso de Romina Tejerina na Argentina, que foi estuprada por seu vizinho "Pocho" Vargas, irmão de um policial, em 2002, quando tinha 19 anos. Sem denunciar a violação, pelo medo e pela vergonha, Romina tentou várias vezes o aborto e sem conseguir resultado acabou tendo o filho. Durante um surto psicótico causado pelo trauma da violação, Romina matou a criança que acabara de parir. Ela foi presa e acaba de ser condenada a 14 anos de prisão... e o homem que a violentou continua livre! Romina é mais uma expressão das mulheres pobres que, sem conseguir realizar o aborto legal e em boas condições, por qualquer que seja o motivo, teve sua vida em jogo quando foi violentada, quando recorreu ao aborto inseguro e agora enquanto se encontra nas mãos da justiça burguesa que diz ser Romina uma assassina!

Na luta pela legalização do aborto e, necessariamente, contra a opressão das mulheres, temos que lutar de forma independente do Estado, o governo e os partidos burgueses, pois as mortes e todas as outras conseqüências do aborto clandestino refletem as condições a que são submetidas muitas mulheres que cumprem uma dupla jornada de trabalho, sendo exploradas pelo patrão e ainda tendo que cuidar de todas ou da grande maioria das tarefas da casa, dos filhos, da alimentação da família. As mulheres que morrem são principalmente as desempregadas, as empregadas domésticas, operárias, trabalhadoras precarizadas e terceirizadas, as que moram nos bairros pobres, as que vendem seus corpos... A lista é longa e muitas destas mulheres, se decidirem abortar, pagarão com suas próprias vidas, assim como Romina Tejerina!

Para que se legalize o aborto, com toda a assistência clínica e psicológica garantida pelo Estado, temos que assumir as demandas das mulheres trabalhadoras, negras e do povo pobre, pois o direito ao aborto livre e gratuito não é apenas um direito mínimo e elementar de todas as mulheres, mas é também um direito que nos coloca o próprio questionamento deste sistema de opressão e de exploração.

Pela liberdade imediata de Romina!
Nem uma morte a mais por aborto clandestino!
Pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito!

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