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15 anos do Real: a forma brasileira para a ofensiva neoliberal

18 Jul 2009   |   comentários

Primeira Parte: primeiro mandato de FHC e a derrota do proletariado concentrado

No dia 1º de julho o Real completou 15 anos. Vários economistas, jornalistas e políticos tucanos saíram a público comemorar uma vitória que teria melhorado a vida do povo e aberto caminhos para o desenvolvimento do país. Para nós, o Plano Real, foi a forma brasileira para aplicação da ofensiva neoliberal, e seu resultado foi uma economia com inflação reduzida ao custo de um desemprego massivo, aumento da exploração dos trabalhadores e uma profunda submissão e pilhagem da economia nacional pelo imperialismo. Queremos com este artigo, dividido em duas partes, analisar alguns aspectos desta política neoliberal no país contribuindo para as novas e velhas gerações de trabalhadores e jovens armarem-se para novos combates contra a burguesia. As prováveis complicações da crise económica mundial, senão no curto, no médio prazo, servem de alerta que novos ataques sejam pela via inflacionária, ou pela via deflacionária, não estão descartados.

A forma brasileira para a ofensiva neoliberal

O conjunto de medidas contra o salário, emprego e direitos sociais básicos, conhecido como neoliberalismo, não foi implementado da mesma forma em cada país. Para os países semi-coloniais, como o Brasil, os ditames expressos no “Consenso de Washington” também significavam uma maior submissão de suas economias ao imperialismo e um verdadeiro saque de parte dos capitais que haviam construído em períodos anteriores. Várias medidas começaram a ser aplicadas nos governos anteriores mas foi o Plano Real e o governo FHC que lhe imprimiram sua marca definitiva: medidas recessivas e submissão ao saque imperialista. O eixo da ofensiva neoliberal foi vendido como uma política de combate à inflação, mas seus mecanismos mostram claramente como visavam à transformação da economia tornando-a mais dependente dos imperialismos e atacar os trabalhadores em seus salários, empregos e direitos adquiridos.
Os batalhões mais concentrados dos trabalhadores, também os melhores remunerados (fortalecendo a tendência recessiva), foram duramente atacados com privatizações e demissões ’ a taxa de desemprego passou de 6,2% em 1993 para 7,8% em 1997[1] - somente em quatro empresas privatizadas RFFSA, CSN, USIMINAS e COSIPA houve mais de 68 mil demissões entre 1989 e 1998[2].
O conjunto dos trabalhadores e do povo foram fortemente afetados pela política que ficou conhecida como ajuste fiscal, que significou aumentar os impostos para transferir mais e mais e recursos ao imperialismo e credores nacionais de uma dívida crescentemente maior e mais cara. Em 1993, o orçamento federal foi contingenciado em US$ 6 bilhões (9%), o repasse do governo federal aos Estados foi cortado em 9% e ao mesmo tempo a carga tributária aumentou de 25,80% para 29,40% do PIB[3] entre 1993 e 1994. O impacto destas medidas foi sentido na saúde, educação, e outros direitos ’ como a aposentadoria que também sofre seus primeiros ataques ainda no primeiro governo FHC com o aumento das alíquotas pagas pelos trabalhadores - mas também através do efeito cascata que gerou ao quebrar uma série de empresas dependentes dos gastos do governo e dos trabalhadores ’ gerando mais desemprego.
Parte crescente da demanda doméstica passava a ser atendida por importações (e o subseqüente déficit comercial brasileiro, com sua transferência de capitais), para aumentar a concorrência e diminuir os preços. Isto foi possibilitado pela rápida redução dos impostos de importação, iniciada por Collor; a média de impostos de importação passou de 32,2% em 1990 para 14,2% em 1994[4], e, de forma mais importante, pela âncora cambial, a cotação fixa do dólar em um real (chegando em 1995 a 84 centavos) para aumentar a pressão recessiva através de substituição de produção por importações. O monopólio do petróleo foi quebrado, o sistema de telecomunicações e energia entregue, a Vale do Rio Doce, a mais lucrativa das estatais vendida a preço de banana, e centenas de outras empresas. As privatizações passaram de uma arrecadação de US$ 2 bilhões em 1995 a mais de 35 bilhões de dólares em 1998 e a participação estrangeira nas mesmas saltou de 1% em 1994 para 42,2% em 1998[5].
Parte dos excedentes de capitais que começavam a se formar nos países imperialistas era absorvida no Brasil lhe gerando felpudos lucros. As privatizações e o juro das dívidas geravam um espaço para valorização destes capitais. A dívida externa saltou 30,63% entre 1996 e 1997 e a interna outros 35,2% no mesmo período. A crescentemente negativa balança de pagamentos era corrigida desviando mais recursos dos impostos para pagar estas dívidas, o déficit orçamentário criado por esta política era “corrigido” com mais empréstimos e para estes serem atrativos eram oferecidos taxas muito superiores a do resto do mundo, chegando a 51% ao ano. O efeito desta taxa de juros também era recessivo ao desencorajar o consumo baseado ao crédito a prazo, e mais e mais o país ficava atrelado às flutuações de um mercado internacional crescentemente turbulento com as crises Mexicana, Asiática e Russa e aumentava ainda mais os juros.
Este conjunto de medidas somada a situação internacional foi culminar nos empréstimos do FMI e na desvalorização do real em 1999 e no mais profundo ataque as massas reservado ao segundo mandato de FHC.

Ganhando base para o ataque

A burguesia e o governo FHC procuraram ganhar bases para implementar a forma brasileira para ofensiva neoliberal, contando tanto com o apoio ativo da mídia como com uma política para dividir os setores das massas. O Real produziu passageiros efeitos positivos para os setores mais pauperizados e a classe média, e ao mesmo tempo a primeira onda de ataques foi concentrada principalmente nos setores mais qualificados do proletariado brasileiro.
A súbita dolarização dos salários gerou, nos dois primeiros meses de 1995, um ganho nos salários médios de 18,9%, o salário mínimo foi valorizado nominal e relativamente entre 1994 e 1995 subindo de míseros 10,98% do salário mínimo do DIEESE para patéticos, mas maiores, 13,60%. A classe média pode embarcar em um rápido consumismo em dólares com a abertura da economia e a taxa de câmbio favorável. O impacto do conjunto de medidas recessivas foi se fazendo sentir aos poucos e nos dois primeiros anos do real houve crescimento expressivo da economia[6].
Vários setores burgueses foram rifados com o conjunto desta política, falindo ou vendendo suas empresas a multinacionais. Mas o governo pode se apoiar em uma ascendente fração da burguesia nacional que se beneficiava com a concentração capitalista e a relação de dependência que se estabelecia com o imperialismo. Os benefícios concedidos aos participantes das privatizações (BNDES, uso dos fundos de pensão das estatais, indexação automática dos preços de seus serviços, entre outros) bem como a transferência ao bolso do povo dos custos do salvamento dos bancos e sua concentração através do programa PROER foi sentando as bases de sustentação do governo na burguesia e constituindo os primeiros passos do atual setor global player da burguesia nacional. No movimento operário o plano consistia, com poucas mediações, em um ataque em toda linha, e para implementá-lo a burguesia contou com a traição do PT e Lula.

Greve dos petroleiros de 1995: a derrota que marcou uma inflexão no proletariado brasileiro

A ofensiva neoliberal no Brasil encontrara um proletariado que vinha de um ascenso que colocou a ditadura em xeque, e tinha construído o PT e a CUT, e ao mesmo tempo vinha do mundialmente negativo impacto em sua subjetividade com a restauração do capitalismo na URSS pelas mãos da própria burocracia. Havia queda de sindicalização e fortalecimento da Força Sindical, criada em 1991, para ser uma alternativa de “resultados” contra a CUT. O setor atacado mais duramente atacado pela primeira fase da ofensiva neoliberal foi o setor protagonista da façanha de 1978-80 e nele a CUT preservava ainda uma influência preponderante. A ofensiva neoliberal poderia ter sido barrada pela ação deste setor angariando o apoio do conjunto das massas. As condições para isto estiveram colocadas na heróica greve dos petroleiros de 1995. Sua derrota assentou uma correlação de forças mais abertamente favorável à burguesia e o imperialismo e a generalização dos ataques aos trabalhadores e o povo.
A luta dos petroleiros abriu a perspectiva da combinação da luta salarial com a luta política contra as privatizações e o conjunto dos planos neoliberais. Em seu rastro incendiaram-se várias categorias que paralisaram suas atividades em solidariedade e esteve colocada a possibilidade concreta de uma greve geral. O impedimento a este desenvolvimento foi em grande parte uma política da CUT, do PT e de sua maior figura, Lula. O líder ex-metalúrgico declarara antes do final da greve que “ela já deveria ter acabado” , a greve geral foi desarticulada, e o movimento existente levado da luta contra os ataques neoliberais à pressão parlamentar pela negociação em como implementá-lo. A revista Tendências e Debates n.29, da Fundação Perseu Abramo ligada ao PT, relata vivamente este processo na edição de junho de 1995, nela, entre outras entrevistas, o deputado federal, Luciano Zica (PT-SP), declara:

“Acho, também, que certas declarações públicas de dirigentes do PT e da CUT enfraqueceram muito concretamente a posição dos petroleiros. (...) A declaração do Lula foi extremamente danosa. Quanto à CUT, não sei se pressionada pelo sindicalismo oficial da Força Sindical, houve um momento em que ela se viu pressionada a "apresentar propostas alternativas" às emendas do governo. Esse foi o grande equívoco.”

A política ativa de impedir o desenvolvimento das lutas operárias em seu sentido político contra a ditadura em 78-80 e todo o longo processo de defesa da democracia burguesa no Brasil foi complementado pela aberta e televisiva traição a esta greve em 1995. O PT que antes já se constituía como um decisivo freio à mobilização revolucionária do proletariado brasileiro emerge desta greve decididamente parte do ajuste neoliberal, sua transformação em governo aplicador do neoliberalismo é parte do que abordaremos no próximo artigo.

[1] PNAD/IBGE

[2] Baer, Werner. A Economia Brasileira. São Paulo, Nobel: 2002. Pg. 312

[3] Há controvérsias na forma de calcular o PIB entre a Receita Federal, o IBGE e outros órgãos do governo e economistas, todos dados apontam no entanto para esta subida brusca. Para estes dados utilizou-se o cálculo da Receita Federal. Disponível em http://www.esaf.fazenda.gov.br/esafsite/publicacoes-esaf/caderno-financas/CFP5/CFP_n5_art2.pdf

[4] Baer, op cit. pg. 228

[5] Baer, op cit. 233-4, 236, 281, 309

[6] Para os valores do salário mínimo consultou-se a página web do DIEESE e para as restantes das informações Baer, op cit pgs 222-228.

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