Segunda 6 de Maio de 2024

Internacional

1º DIA EM SANTIAGO DO CHILE – QUINTA-FEIRA, 25 DE AGOSTO

Uma viagem aos remanescentes da ditadura pinochetista

26 Aug 2011   |   comentários

Chegando em Santiago do Chile, longe, nas mediações da cidade, se respira o silêncio. Está por começar o segundo dia de paralisações, ao redor de 1h da madrugada. Mas à medida que me aproximo da cidade se rompe o silêncio e a paisagem muda: as barricadas nas avenidas, algumas das quais se mantém de pé, outras deixaram rastros com borracha queimada, mantendo o fogo do combate, o ruído das panelas soando em distintos pontos da cidade, onde ainda havia manifestantes, se escutam as sirenes dos caminhões-hidrantes dos “pacos”, como aqui chamam os policiais – creio que os piores policiais da América Latina.

Me disseram que na Faculdade de Filosofia e Humanidades da Universidade do Chile, onde militam vários companheiros do PTR, organização irmã do PTS, estavam enfrentando os “pacos” em uma barricada em frente à faculdade. No carro vamos desviando de vários policiais e seus caminhões. A Faculdade de Filosofia está tomada há quase dois meses, com assembléias permanentes, organizando barricadas. Os companheiros e companheiras têm sido parte desta enorme luta desde seu início e também o fizeram em 2006.

O primeiro dia de paralisação foi de enorme combate: piquetes e barricadas a partir da madrugada em distintos lugares, que os policiais não puderam desarticular. Os estudantes organizaram e discutiram a auto-defesa na assembléia da faculdade. Os policiais tentam ingressar na faculdade nos enfrentamentos da madrugada, mas não conseguiram. Logo houve panelaços, que se transformaram em marchas que avançavam contra a polícia. A repressão da noite tem hora: sempre começa às 23h.

Os companheiros se reúnem para discutir. Estão cansados, mas inteiros e com a força para seguir lutando no segundo dia de paralisação. Porque as convicções que os movem são poderosas, é o ódio acumulado de um regime que mantém o pior da ditadura pinochetista. A repressão é moeda corrente, a perseguição, as torturas da polícia, a ditadura patronal nas fábricas que controlam até a voz dos trabalhadores, se alguém fala, expulsam a patadas, se alguém rompe a “paz social” que impõe a empresa, tchau. Apesar de tudo, muitos trabalhadores pararam e participaram ativamente das barricadas. É parte da enorme tarefa de recompor os laços de solidariedade de classe que a ditadura rompeu, e esta “democracia” dos ricos manteve fragmentados, instaurando o medo em cada fábrica.

Depois de algumas horas de descanso na universidade, às 9h, estamos todos despertos para começar um novo combate. Hoje é o dia da mobilização convocada pelas federações estudantis e pela CUT (Central Única dos Trabalhadores). Houve concentrações em diferentes pontos da cidade, para depois confluir na Alameda, zona central, onde se encontra a sede do governo. Nos concentramos na Plaza Italia, enquando vamos marchando atrás da bandeira da Faculdade de Humanidades com os companheiros do PTR, centenas, milhares se aproximam com suas bandeiras. Muitos vão preparados para os usuais combates com os “pacos”: máscaras, capacetes, limões. A presença policial é imensa, os “pacos” estão por todos os lados, com seus caminhões, com seus trajes verdes, com as mãos manchadas de sangue de anos de continuidade dos métodos repressivos pinochetistas. Á medida que nos aproximamos da Alameda, vão se somando cada vez mais estudantes e trabalhadores, somos milhares, a força da mobilização é imponente. Os helicópteros da polícia sobrevoam a mobilização. A convocação superou as expectativas: o movimento estudantil chileno junto aos trabalhadores é realmente massivo, mais de 400 mil pessoas se fizeram presentes. Dizem que foi ainda maior a grande marcha do 4 de agosto, que terminou com brutal repressão. Para onde se olhava se via milhares marchando, todas as ruas repletas de lutadores. “Vai cair a educação de Pinochet!”, “Concerta, Piñera, la misma billetera” [1] , são alguns dos cantos. É que tanto a Concertación, como o atual governo do direitista Piñera, são responsáveis pela privatização da educação. Depois de quatro horas de enorme mobilização, os “pacos” esquentam os motores. Começam a formar as barricadas da polícia que protege a casa do governo, “La Moneda”. Milhares seguem tomando as ruas. E começa a repressão: os gases lacrimogêneos começam a cair e os “guanacos” (caminhões hidrantes) lançam água com gases tóxicos por todos os lados. Os caminhões avançam, mas se enfrentam com os milhares que estão resistindo, e retrocedem. A cavalaria também avança, atirando em quem cruze o seu caminho. Começam os enfrentamentos e a combatividade dos jovens e trabalhadores é enorme. Entre 10 e 20 mil resistem e enfrentam o operativo policial e a repressão. Os companheiros dizem que é a primeira vez que há enfrentamentos tão massivos e é realmente impressionante. Em todas as ruas laterais milhares se enfrentam com a polícia. Apedrejam igrejas, outro grande símbolo do regime que é atacado pela mobilização. Também bancos, de onde saem mais policiais. Pessoas correm, passam os caminhões levando os detidos. Mas os “pacos” não se salvam das pedras e objetivos atirados pelos jovens que combatem e resistem. Foram mais ou menos 4h de enfrentamento, quando jovens demonstraram a força e as convicções que os movem.

Os meios de comunicação saem a contrapor “marcha pacífica” com “os grupos ultra”. Mentem. Não foram grupos, foram milhares, e não há “marcha pacífica” possível quando os policiais nos cercam com caminhões, cavalos, querem impedir a mobilização e reprimem. É que os jovens e os trabalhadores não querem mais resquícios da ditadura militar, basta desta “democracia” para os ricos, que mantém a perseguição aos trabalhadores e aos jovens combativos, que nega direitos fundamentais, como a educação, o trabalho e a saúde. Por que vão seguir permitindo que a polícia imponha “ordem” junto às classes dominantes?

A jornada de hoje demonstrou que a luta tem um força enorme, se
uniram, em uma paralisação e mobilização, trabalhadores e estudantes. É o embrião de aliança operária e popular que pode terminar de varrer este regime. Se desenvolve-se a organização nas fábricas, se generaliza a paralisação e se aprofunda a aliança entre trabalhadores e estudantes, este regime, que hoje mostra suas rachaduras, terminaria pendendo por um fio. Mas para isso é necessário passar por cima das atuais direções do PC, OS e do conjunto da Concertación que, enquanto milhares se mobilizam e organizam, tentam pactuar com a direita uma “segunda transição democrática”. É necessário construir uma direção alternativa, uma direção revolucionária, para não pactuar uma “ordem” para os ricos, como já demonstraram a Concertación e o PC; e sim para terminar de varrer este regime de exploração, porque não haverá verdadeira democracia a menos que os trabalhadores e o povo pobre, junto aos estudantes combativos, tomem as rédeas da história. É a este embrião de uma poderosa aliança de classe a quem temem todos os partidos do regime, por isso respondem com brutal repressão.

Hoje, sexta-feira, 26, pode abrir-se uma nova etapa desta enorme luta. Esta madrugada a polícia assassinou um jovem de 16 anos que participava de uma barricada. Três tiros, um dos quais foi direito ao peito do jovem Manuel Gutierrez. Esse assassinato por parte dos “pacos” se soma à repressão, à constante perseguição aos lutadores e às torturas. Dezenas de militantes vêm denunciando as torturas que a polícia leva adiante, com agressões físicas brutais e psicológicas. Manuel tem que ser uma bandeira de luta contra o regime chileno, que seja tomada pelo conjunto do povo trabalhador e pela juventude. Recordo que na Argentina, logo depois do assassinado do companheiro Mariano Ferreyra pelas mãos da burocracia sindical, com a cumplicidade da polícia que liberou o local, despertou-se o ódio nas fábricas, colégios e universidades. Fizeram-se paralisações, cortes de rua, enormes mobilizações por todo o país. Esse é o caminho que está colocado a seguirmos no Chile frente a este assassinato. Os companheiros do PTR da Faculdade de Filosofia estão convocando uma assembléia para esta tarde onde se discutirão as medidas a ser tomadas. É preciso colocar de pé uma enorme campanha anti-repressão, que seja impulsionada a partir das bases, e que seja tomada pelas federações estudantis e pela central sindical. Aí se preparará um novo enfrentamento contra o regime.

Os jovens e trabalhadores chilenos estão escrevendo um novo capítulo da história. A combatividade e organização que estão mostrando têm que ser um exemplo para todos os jovens da América Latina e do mundo. É um orgulho e grande experiência estar dividindo estes combates como nossos irmãos chilenos.

Saudações internacionalistas e revolucionárias,

Jesica.

[1Billetera traduz-se por carteira. O intuito do canto é o de mostrar que tanto a Concertación quanto Piñera são responsáveis pela situação da educação, por terem o dinheiro como seu principal interesse.

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo