Sexta 26 de Abril de 2024

Nacional

O CASO DANIEL DANTAS

Um exemplo de como funciona a democracia dos ricos no Brasil

25 Apr 2009   |   comentários

Com antepassados entre os grandes proprietários de terras e de escravos da Bahia, e cuja família era próxima de Antonio Carlos Magalhães, Daniel Dantas foi introduzido nos círculos mais altos da política brasileira no governo Collor. No governo Fernando Henrique Dantas passou a cumprir um papel chave no processo das privatizações.

Em 1997, ajudou o Bradesco a montar um esquema fraudulento para participar do leilão da Vale do Rio Doce. Mas seu principal negócio seria fechado em 1998, com a privatização do sistema Telebrás. A montagem do esquema passava por dois fundos de investimentos. Um nas Ilhas Cayman, com um aporte de capital de cerca de US$ 1 bilhão por parte do Citibank, que se beneficiava de uma resolução do Conselho Monetário Nacional, segundo a qual investidores estrangeiros não pagavam o imposto de renda de 20%. Fazia parte do esquema a sonegação de impostos por parte de capitais brasileiros que clandestinamente engordaram o fundo Dantas/Citibank em Cayman. Outro no Brasil, cujo controle também foi entregue à Dantas e o seu Banco Opportunity, com um aporte de capital também de cerca de US$ 1 bilhão por parte dos principais fundos de pensão ’ Previ, Petros, Funcef... O BNDES também não deixou de aplicar seu capital nesta negociata.

Com o leilão, Dantas ficou com participações na Amazónia Celular e Telemig Celular e assumiu o controle da Brasil Telecom, mesmo sendo proprietário de apenas 0,39% das ações do fundo controlador da empresa. A mágica ocorre graças ao apoio dado a ele, o testa de ferro do Citi, pela cúpula do governo FHC, incluindo o próprio, como mostram gravações divulgadas na época. Assim é que, no processo de privatização da Telebrás, através de Dantas, o governo FHC coloca o capital dos fundos de pensão e do BNDES a serviço do Citibank.

Quando Dantas se torna um aliado indesejável

Depois que Dantas é retirado do controle do fundo de investimento dos fundos de pensão em 2003, também o Citibank deixa de sustentá-lo. Entre outros motivos, o principal é que depois disso torna-se um aliado instável demais, que levaria o Citibank a entrar num conflito indesejável com os fundos de pensão. Para o banco dos EUA, é chegado o momento de descartar Dantas. O que foi feito no início de 2005. Desde então, dezenas de processos por parte do Citibank, dos fundos de pensão e outros, se acumulam contra ele nos EUA, Brasil, em Cayman e outros países pedindo indenizações bilionárias.

A linha de defesa de Dantas nesta disputa passa por uma política dupla em relação ao governo Lula. Ao mesmo tempo em que pressiona Lula e o PT tentando expor suas relações corruptas com os grandes monopólios, angaria apoios dentro da cúpula do governo. Com o apoio de José Dirceu, Luis Eduardo Greenhalgh e Delúbio Soares se torna o principal financiador do esquema de compra de deputados do mensalão, conforme denunciou a imprensa.

Depois da queda dos seus aliados dentro do governo, e sem o apoio do Citibank, sua posição se torna extremamente frágil. É nesse marco que vão se desenvolver as investigações dirigidas na fase final pelo delegado Protógenes Queiroz (só ele quis ficar com esse abacaxi na mão), apoiado pelo então diretor da Polícia Federal (PF) Paulo Lacerda. A Operação Satiagraha, até então, contava com o apoio do governo Lula, pois era uma arma para obrigar Daniel Dantas a se retirar do negócio das teles.

O acordo para evitar uma crise política

Em 2008 Dantas é forçado a aceitar um acordo no qual os fundos de pensão e o Citibank retiram todos os processos judiciais movidos contra ele e em troca o banqueiro se retira definitivamente do negócio das teles, permitindo a fusão entre a Brasil Telecom e a OI . Um acordo entre amigos, que rende a Daniel Dantas a bagatela de 1 bilhão de reais! O governo Lula facilita a fusão, criando um novo monopólio das telecomunicações. Não só aporta com capital do BNDES, mas se compromete a modificar as regras do sistema de telecomunicações para permitir a fusão. De novo o executivo do Estado, dessa vez sob o governo Lula, atua para favorecer um grupo de capitalistas ’ não mais o Citibank, mas agora a Andrade Gutierrez (que investiu R$ 10 milhões na Gamecorp, empresa do filho do presidente Lula e foi a maior doadora na campanha da reeleição) e o grupo La Fonte.

A partir desse acordo, as engrenagens do Estado mais uma vez atuam em defesa de Dantas. Lula retira Paulo Lacerda da direção da PF e coloca no seu lugar Luiz Fernando Corrêa, homem próximo a José Dirceu e, portanto, a Dantas, que passa a desmontar a investigação de Protógenes. Mas o delegado Protógenes, com o apoio de Paulo Lacerda, agora diretor da Abin, atua por fora deste acordo e conclue as investigações da Satiagraha com a prisão de Dantas e outros, como Naji Nahas e Celso Pitta.

O acordo, no entanto, estava feito e deveria ser cumprido. Dantas sabe demais sobre coisas que PT, PSDB e tantos outros que participaram do governo FHC e agora estão com Lula, precisam esconder. Dias depois, na sala do presidente Lula, numa reunião entre o próprio Lula, o presidente do STF, Gilmar Mendes (advogado-geral da União no governo FHC), o ministro da Justiça Tarso Genro e o ministro da defesa Nelson Jobim (ex-presidente do STF por indicação de FHC e ministro da justiça do governo tucano), iniciam uma ofensiva contra os “excessos” da PF, dando inicio às negociações que cerca de dez meses depois iriam dar no segundo “Pacto Republicano” . Nesse meio tempo, Protógenes foi afastado, primeiro da Operação Satiagraha e depois da própria PF, e Paulo Lacerda foi afastado da Abin por Lula.

O “Pacto Republicano” entre os três poderes, assinado pelo presidente Lula, pelos presidentes do Senado José Sarney e da Câmara dos Deputados, Michel Temer e pelo presidente do STF, Gilmar Mendes, tem como pretexto democratizar a justiça e evitar os excessos da polícia. Mas por que então não questionam que há 40 anos o STF não condena um político sequer? Por que o que está em questão são os “excessos” (quais?) e os grampos da PF e da Abin contra os ricos, que fique claro, e não os assassinatos, torturas e outras barbaridades, que são cometidas contra os trabalhadores e o povo negro todos os dias ’ obviamente, também não são questionados os grampos e as inflitrações que seguem ocorrendo por parte do serviço de inteligência contra os movimentos sociais e organizações de esquerda. Na realidade, o motivo de fundo por trás do tal pacto é disciplinar a PF para evitar que ela volte a atuar por fora dos acordos fechados entre o governo Lula e a oposição burguesa, a serviço dos monopólios capitalistas nacionais e estrangeiros que são quem na verdade controla o país.

*A maioria das informações deste artigo foram retiradas dos seguintes sites, jornais e revistas: seção política do site Terra Magazine, dirigida pelo jornalista Bob Fernades; Jornal Brasil de Fato, matéria “O banqueiro por trás da República” , de Luís Oliveira Filho; “O caso Veja” , dossiê escrito pelo jornalista Luis Nassif; site Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim; revista Teletime, especializada em telecomunicações; revista CartaCapital. Independente de discordamos da orientação política destes jornalistas (na maioria apoiadores críticos do governo Lula), eles merecem menção honrosa por furarem o bloqueio imposto pela grande mídia em torno do caso Daniel Dantas, em função dos poderosos lobbies envolvidos, como denunciou Luis Nassif no seu dossiê.


Se fortalecem as forças de repressão do Estado. Com o apoio vergonhoso do PSOL...

O delegado Protógenes não conta somente com o apoio dos parlamentares do PSOL na sua tenativa de enfrentar o banqueiro Daniel Dantas. A maioria dos seus colegas delegados na Polícia Federal também o apoia e se colocou contra, na época, ao afastamento de Paulo Lacerda da direção da PF (que, aliás, era delegado da PF em 1975, sob a ditadura militar). A Polícia Federal é reconhecidamente uma das instituições mais reacionárias do país, tendo cumprindo um grande papel para a burguesia reprimindo greves operárias, antes e depois da ditadura, inclusive prendendo Lula por dirigir greves, quando estava à frente da repressão o hoje aliado de Lula, do PT e do PcdoB senador Romeu Tuma (PTB). Sua relação com a Abin é íntima e vem de longa data. Na época da ditadura, o SNI (que apenas mudou de nome, e se chama Abin agora), junto com a PF, eram os responsáveis pelas infiltrações e investigação dos militantes de esquerda que depois de presos eram torturados. Por que então agora estão investigando alguns políticos e milionários corruptos?

É que frente ao enorme enfraquecimento do Congresso Nacional e a incapacidade da oposição burguesa do PSDB e do PFL de cumprirem o papel que cumpria o PT na oposição, de partido da “ética” , esse espaço ficou vago. E a Polícia Federal tenta ocupá-lo. Ao fazê-lo, se legitima perante a classe média e amplos setores populares e fortalece o pilar mais reacionário do Estado burguês, suas forças de repressão. Esse movimento da PF, dentro de certos limites, é apoiado pelo próprio governo Lula.

Num quadro de cada vez maior centralização de poder nas mãos do executivo, de um Congresso tão desmoralizado que já se começa a especular abertamente sobre o seu fechamento (o que seria impossível e pouco funcional para a burguesia na atual situação política), a PF e as forças de repressão buscam se legitimar para conseguirem cumprir com seu papel de guardiãs da ordem e da propriedade privada num futuro momento de instabilidade política e lutas operárias. As armas repressivas que hoje se legitimam na investigação de alguns corruptos amanhã se voltarão mais fortalecidas contra os trabalhadores e o povo.

Nesse processo, ansioso por angariar votos nas classes médias, o PSOL busca oportunisticamente se colar na Polícia Federal, oferecendo ao delegado Protógenes a legenda para candidatar-se (falou-se até em candidatura a presidente). O custo, no entanto, pode ser alto, pois a repressão do Estado burguês vai se voltar, cedo ou tarde, também contra esse partido.

Não nos enganemos, pois a bandeira do combate à corrupção, hoje empunhada por Protógenes, representando uma ala da Polícia Federal, em si mesma, nada tem de esquerda. A história brasileira é um grande exemplo disso. Durante toda a década de 50, e como parte dos preparativos para o golpe militar de 64, a UDN, através de Carlos Lacerda, então governador da Guanabara (hoje Rio de Janeiro), ao mesmo tempo em que articulava o golpe contra os trabalhadores e o povo junto aos militares levantava a bandeira da luta contra a corrupção para aprofundar seu apoio entre a classe média.

A corrupção no Congresso Nacional (cujo último exemplo é a farra das passagens aéreas), no governo e no judiciário, são apenas uma expressão da falta de democracia em nosso país. Mais grave ainda são os crimes que uma polícia extremamente corrupta, incluída aí a PF, comete todos os dias contra os trabalhadores e o povo negro. Abuso sistemático de poder contra os pobres, espancamentos, torturas e assassinatos. E também o uso da violência contra os movimentos sociais e contra a vanguarda dos setores em luta, em especial hoje aos sem-terra, mas também contra os setores do movimento operário e estudantil quando saem à luta.

A luta contra a corrupção, para ser útil à causa dos trabalhadores e do povo, deve estar ligada à luta para enfraquecer o conjunto das instituições da democracia dos ricos e ser travada nas ruas, com a formação de comitês de investigação independentes, tanto do Congresso, como da PF, impulsionados por organizações operárias como os sindicatos e por organizações populares ’ única forma de realmente levar até o fim as investigações e punir os culpados. Ao invés de apoiar as investigações da PF, devemos desmascarar os crimes cometidos pela Polícia, seja Federal, Civil ou Militar ’ inclusive os crimes cometidos durante a ditadura militar ’ como parte da luta pela dissolução de todos os organismos de repressão do Estado burguês.

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