Segunda 29 de Abril de 2024

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ATO EM HOMENAGEM A LEON TROTSKY

"Tirar as lições do trotskismo de Yalta e seu papel de conselheiro de direções não-revolucionárias"

28 Sep 2010   |   comentários

Camaradas:

Abracei a bandeira da IV militando durante todos os anos 70 e 80, vivendo uma época em que o mapa-múndi parecia pintado de vermelho e me integrei a uma das correntes trotskistas que havia naquele momento e que por um breve momento foi a de mais peso no Brasil (Pernambuco, Distrito Federal, São Paulo, Porto Alegre).

É na condição de testemunha viva daquela época e de militante ativo daquele movimento trotskista que pretendo falar neste ato.

Para entender a tradição da qual provenho, é preciso ter em mente que as condições do pós-guerra, ou da ordem de Yalta como costumamos chamar, forneceram um terreno novo e contraditório para a atuação dos revolucionários.

Ao contrário da hipótese principal deixada por Trotsky, quem se fortaleceu após a guerra foi o stalinismo, prestigiado pelo triunfo sobre Hitler. O stalinismo usou seu prestígio para evitar que a revolução pudesse triunfar, enfim, no centro da Europa, e modificar o conjunto do panorama mundial. Com a ajuda decisiva dos PCs stalinistas na França e na Itália, com o pacto para dividir a Alemanha, e estrangulando processos inclusive na periferia do continente como na Grécia, o aparato comandado por Stalin cumpriu um papel determinante para que o capitalismo pudesse se estabilizar após a Segunda Guerra sem dar lugar a um novo centro revolucionário que pudesse substituir a Rússia na vanguarda da revolução mundial.

De conjunto, as direções das massas desenvolviam uma estratégia – por exemplo, por parte do stalinismo represtigiado dos PCs - que negava a independência política do proletariado, os órgãos de auto-atividade de massas como estratégia de poder de Estado e conduzia o processo revolucionário para a derrota (como foi comum na América Latina, África, Ásia).

Mas isso não quer dizer que o pacto entre o stalinismo e o imperialismo fosse suficiente para impedir novos triunfos revolucionários das massas contra o capitalismo, ao menos em países atrasados. Em meio a numerosos processos revolucionários e guerras de libertação nacional nos países coloniais e semi-coloniais, houve até revoluções triunfantes que levaram à expropriação dos capitalistas, em países como Iugoslávia, China, Coréia do Norte, Cuba ou Vietnã.

Era isso que fazia daquela uma época em que o planeta parecia estar se tingindo de vermelho.

Porém, ao contrário de muitas outras revoluções que foram esmagadas, estas revoluções triunfantes não tiveram o proletariado como sujeito central, e os partidos que as encabeçaram, quando chegaram ao poder, estabeleceram regimes de partidos únicos copiados do stalinismo de Moscou, inimigos da democracia operária e do internacionalismo.

Porém, se as massas avançavam – e este ponto era real, elas mostraram que queriam a revolução das mais diferentes formas e nos mais diferentes cantos do planeta – onde foi que o trotskismo cravou bastiões de luta? Onde estabeleceu focos que, mesmo derrotados, servissem como referência de uma estratégia de luta pelo poder não-degradada?

O trotskismo do pós guerra, de Yalta, não tem resposta a essas perguntas; pelo contrário, o senso comum do trotskismo que vivi dizia que as massas seguem tais direções como elas são e que, portanto, nós temos que estar com as massas, acumulando forças, e não fora do movimento de massas. Estávamos “onde a massa estava”, onde a classe operária estava, mas sem a política para a independência política da classe operária.

Ora, era exatamente este o espírito de época dominante naquele período de quando o “socialismo avançava”. Espírito evolutivo, menchevique. De ir avançando “junto” com o movimento de massas, que é uma forma indireta de dizer: junto com as direções triunfantes, reais, de maior visibilidade do movimento de massas. (Fossem quais fossem, Mao, Tito, ou Ho Chi min; Perón, Allende, Vasco Gonçalves ou Paz Estenssoro...)

É certo que desde antes, nos anos 30, no tempo de Trotski, também havia o processo mundial de degradação da estratégia (como se viu na revolução espanhola, na França etc), mas havia Trotski – e em seguida a IV - lutando, ali onde podia, com a estratégia correta, herdeira da revolução russa. Havia a continuidade.

No pós-II Guerra isto deixou de ser verdade. Se estabelece a descontinuidade.

Ou seja, repetindo: estratégia degradada não era uma novidade; a novidade era que o trotskismo pós-Trotski se adaptava, de diferentes formas, a essa miséria da estratégia.

E foi assim que a esquerda reencontrou-se ou chegou ao novo ascenso revolucionário dos anos 1968-1981. O sentido de época: a revolução socialista avança, temos um terço do mundo no “campo” da revolução, mas a estratégia não é mais clássica, não é mais a de Trotski e da Revolução Russa, não é mais soviética, de construir o novo poder com base na democracia operária.

Na cultura trotskista de Yalta havia uma tendência cotidiana e estratégia a funcionar como conselheiros das direções triunfantes. Ou a se por de fora, arrogantemente, sectariamente (para depois terminar adaptando-se a movimentos quaisquer, de composição burguesa como fizeram Healy e Lambert por exemplo).

Este foi o trotskismo que vivi. Alegre no sentido mais raso que esta palavra possa ter: vamos chegar ao socialismo quase que em piloto automático; auto-reforma do stalinismo, nova relação de forças que empurrava todo processo revolucionário para adiante, frentões socialistas, antiimperialistas, partidos socialistas amplos, frente-populismo mal disfarçado, nacionalismo “revolucionário”, um verdadeiro vale-tudo estratégico.

Retomando algo do que disse o camarada Val: queria afirmar como a corrente na qual eu militava, o posadismo, levou ao extremo lógico a degradação centrista do trotskismo de Yalta.

No caso brasileiro, por exemplo, o posadismo não se limitou a tentar construir sua própria tendência à sombra de Lula e cia., ao custo da adaptação à estratégia petista. Ele foi mais longe: na corrente de Posadas, o trabalho clandestino dentro das fábricas, para forjar operários conscientes, era visto como algo secundário, pois o principal eram as reuniões organizadas na casa de Lula, na casa de Brizola, inclusive na casa de alguns “generais de esquerda”, para tentar influenciar essas direções, já que eram elas que tinham o controle do processo...

Como entender, com os olhos de hoje, uma posição de época tão absurda, que trocava o combate consciente, frontal, estratégico – pela ilusão de poder “influenciar” as direções burocráticas e reformistas como Lula...

No entanto, essa foi a prática da “IV Internacional posadista” à qual pertenci por vinte anos. A centralidade da classe operária, a hegemonia da classe operária frente aos demais explorados, o programa da classe operária nada disso contava de fato.

E o que talvez seja mais chocante para as novas gerações: isso não significava de forma alguma que aqueles militantes que levavam à frente tal orientação, fossem acomodados, ou extraíssem vantagens materiais daquela posição. Ao contrário, tudo aquilo era feito no maior espírito de sacrifício, com a maior “generosidade de espírito”, como revolucionários que abriam mão de impor sua marca ao processo histórico, pensando que ele se dava por tendência objetivas que iam se expressar por outras direções...

Não é preciso acrescentar que todos os que vivemos esse trotskismo uma vez que nos encontramos em uma nova época, onde a “revolução não avançava”, quando desabaram sobre nossas cabeças os trinta anos sem revolução alguma, o resultado foi que éramos – mais ou menos como toda a vanguarda desse tempo – pouco mais que órfãos da revolução, generais sem planos de luta, capitães sem estratégia para os novos tempos e pior que tudo, sem o menor balanço, sem a menor compreensão de por que as décadas de tanto revolucionarismo, de tantos “Vietnãs” estava afundando sob nossos olhos com todos os requintes de desmoralização para o próprio proletariado, isto é, com a cumplicidade de suas direções. A derrota vinha de dentro.

Quem me conhece sabe que quando rompi com o posadismo (quando ele se dividiu, no fim dos 80, em duas bandas, em um setor pró-Gorbatchev e outro pró-Castro, ambos no idêntico papel de conselheiros do príncipe) não vi motivo para me filiar ao partido do meu velho amigo Edu e nem ao resto do trotskismo “petista”; achei que para continuar votando no Lula não precisava me filiar àquele trotskismo. Fui tentar pesquisar Trotski na academia, continuei escrevendo para publicações trotskistas ou semi-trotskistas e outras. Mas não despertava. Até onde minha vista alcançava, não havia balanço de época.

Meu “choque de marxismos” se deu em uma determinada ida de estudos a Buenos Aires. Em 2006, por conta de um curso na UBA, procurei o CEIP, li diversos textos elaborados pela FT que recuperavam o fio vermelho do marxismo revolucionário clássico. Foi emocionante cotejar uma prática errada com uma teoria correta que iluminava aquela prática equivocada; ou seja, a comparação – em alguns momentos triste já que minha vida tinha se passado quase por inteira na deriva estratégica – do que vivi com o que deixei de ver enquanto vivia.

Tenho tentado aprender com a FT a fazer o balanço desta época. Trata-se, em primeiríssimo lugar, de entender de qual época revolucionária participamos antes, nós os homens e mulheres de Yalta; e entender para nos prepararmos. Ou para termos mais consciência sobre para que revoluções vindouras nos preparamos. Se nos preparamos para revoluções quaisquer, para “avanços revolucionários” quaisquer é uma coisa. Nem precisa de balanço. Basta reeditar Yalta, miseravelmente. Com a triste lembrança da restauração burguesa do pós-Yalta, quando aquelas mesmas revoluções entregaram todas as conquistas – ou estão entregando – da classe trabalhadora.

Por isso me parece central esta conclusão, que foi discutida novamente na recente Conferência Internacional da FT: a classe trabalhadora, sobretudo seus setores mais conscientes e combativos, necessita uma clara estratégia que considere que todo triunfo parcial, por mais importante que seja como foram as revoluções que expropriaram os capitalistas, deve ser considerado como parte de uma guerra permanente que a classe operária deve desenvolver para terminar com a exploração capitalista imperialista.

Sem o quê, cada avanço e cada conquista, cada derrota da burguesia podia reverter-se contra o proletariado: seja imediatamente pelo bloqueio da dinâmica permanente da revolução (tanto dentro dos países onde a burguesia era expropriada, quanto do ponto de vista da expansão internacional da revolução); seja, a médio ou longo prazo, pela tendência ao retorno ao capitalismo pela via da restauração. A revolução proletária não avança de qualquer forma – como a burguesa – mas apenas na forma de ditadura revolucionária do proletariado, trincheira avançada do processo da revolução mundial.

Levem em conta a opinião de um veterano dos tempos de Yalta: vcs estão assentados sobre os ombros de um olhar privilegiado. Podem finalmente entender por que o processo de direções de massa quaisquer seduziu o trotskismo do pós-II Guerra, impressionou o trotskismo da época de ascenso, anos 70, e desarmou a estratégia também para a época de reação. Durante décadas as massas irromperam em processos revolucionários, mas não contaram com direções para romper com a velha estratégia degradada, anti-soviética. O balanço que está em vossas mãos tem um valor teórico e metodológico incalculável.

Trata-se de um balanço e de um olhar de classe, estratégico, sobretudo para nosso tempo, quando parecemos estar no limiar do fim do longo período sem revoluções, do longo período da restauração burguesa. Não desperdicem aquilo que para pessoas como eu - que militaram na névoa de uma época onde não captamos o essencial - nos fez perder tempo e oportunidades e foi uma usina de tantas derrotas na escala de massas; em outras palavras, a estratégia adequada, necessária e insubstituível, aquela da classe operária como sujeito revolucionário que direção alguma substitui.

Intervenção de Gilson Dantas, diretor do selo editorial Centelha e da revista Contracorrente, militante da LER-QI

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