Domingo 28 de Abril de 2024

Terceirização e precarização do trabalho na Unicamp: as duas faces do mesmo processo

04 Sep 2010   |   comentários

Na ultima greve de trabalhadores da Unicamp, a terceirização do trabalho tornou-se um tema recorrente dosdebates e preocupações. Do ponto de vista da mobilização, a terceirização dos serviços criou um quadro difícil para os lutadores, pois nos trouxe prejuízos políticos de grandes proporções. Afetou a organização dos trabalhadores e dividiu a categoria. Todos sabem que o principal instrumento de luta, a greve, não consegue mais atingir um dos seus objetivos: paralisar o trabalho, no caso, a universidade. Por quê? Em todos os institutos há um trabalhador terceirizado abrindo as salas de aula; limpando os corredores; cortando a grama; garantindo a segurança; trocando a lâmpada... . Entretanto, apesar da terceirização virar tema em debates do movimento sindical, as recentes notícias que envolvem trabalhadores terceirizados demonstram que o movimento sindical ainda não apresentou uma resposta política correta para este problema.

A terceirização que presenciamos nas universidades públicas é a expressão mais evidente de privatização do espaço e dos serviços públicos, pois significa a possibilidade, prática e legal, da iniciativa privada lucrar na mesma medida em que precariza o trabalho. Na Unicamp vemos que toda construção ou manutenção de espaços e obras feitas pelas empresas terceirizadas tem significado verdadeiras catástrofes financeiras com o dinheiro público. A qualidade do serviço é péssima; a demora para concluir as obras e as constantes falências das empresas aumentam as suspeitas de corrupção. Os exemplos estão aí para todos verem: a Biblioteca do IFCH; o Prédio do IG; a Climatização do Arquivo Edgar Leurenroth, o prédio da Física que está afundando, dentre muitos outros exemplos.

No entanto, esses sintomas representam apenas a ponta do iceberg, o sintoma de uma doença que aparenta ser simples, mas esconde a falência generalizada de todos os órgãos se não for combatida. A terceirização é reflexo de um processo mais profundo de ataques as nossas conquistas, uma forma de precarização do nosso trabalho.

A terceirização, a precarização.

Em sua tese de doutorado defendida no IFCH/Unicamp em 2008, Paula Marcelino definiu a terceirização enquanto um processo de contratação de trabalhadores por uma empresa interposta cujo objetivo último é a redução de custos com a força de trabalho. Ou seja, a terceirização tem como um de seus principais objetivos reduzir os gastos com a mão de obra. Nesta relação há sempre uma outra empresa em que os seus lucros são auferidos a partir da intermediação da força de trabalho, ou seja, a partir do ganho obtido sobre a atividade exercida pelos trabalhadores contratados por estas empresas terceirizadas.

A definição de Paula Marcelino para a terceirização nos ajuda a entender o processo ocorrido na Unicamp. Ao privilegiar a forma em que ocorre a gestão da força de trabalho, Marcelino pôde enquadrar como terceirização tanto o trabalho exercido pelo setor de limpeza quanto pelos funcionários da Funcamp. Mesmo que a Funcamp não tenha um retorno imediato em lucro, há uma enorme economia geral dos gastos com a força de trabalho pela Unicamp.

Estas formas de entender a terceirização nos permite fugir do debate comum feito por sindicatos e gestores sobre as atividades-fins e as atividades-meios. Na verdade, e vemos isso na prática, o discurso de que a terceirização só ocorreria (e seria mais eficiente) nas atividades-meios é uma grande falácia. Buscando conter gastos e diminuir a força política dos trabalhadores através da fragmentação de sua categoria, a Universidade avança na terceirização em todas as funções de trabalho. Vejamos os casos de pesquisadores contratados pela Funcamp! Alguém diria que esta é uma atividade-meio? Mas esta é uma forma de terceirização, mesmo estes funcionários tendo título de doutores.

A reitoria, a direção do sindicato e os burocratas acadêmicos insistem em dizer que a relação de trabalho na Funcamp não é uma forma de terceirização. Os próprios funcionários da Funcamp não se vêem assim. No entanto, ao ser contratado pela fundação para exercer uma atividade na universidade, está realizando uma forma de trabalho terceirizado, portanto, precarizado.

Este discurso de negação do caráter da terceirização no caso da Funcamp tem um cunho ideológico: manter e aprofundar a fragmentação dos trabalhadores. É óbvio que existem enormes diferenças de salários e de atividades entre os funcionários da Funcamp e das empresas terceirizadas de limpeza, manutenção ou segurança. No entanto, todos não deixam de ser uma forma de trabalho precário.

Para muitos, essa visão de trabalho precário privilegiado (da Funcamp) caiu por terra quando o Ministério Público do Trabalho condenou a entidade pela contratação de funcionários com verba pública provinda dos 9,57% do ICMS destinados para as universidades públicas de São Paulo, considerando todos os contratos nulos (veja o texto “Unicamp é um inferno para quem não é filho do pai”). O resultado dessa sentença foi a demissão de todos estes funcionários sem o pagamento de nenhum dos direitos que são garantidos pela CLT: dispensas sem concessão de aviso prévio; não pagamento de multas recisórias e nem mesmo a homologação da demissão junto ao sindicato. Na prática, os trabalhadores demitidos também perderam o direito de sacar os recursos depositados em seus nomes no FGTS e de dar entrada no seguro desemprego.

Enquanto os funcionários da Funcamp eram demitidos, o conjunto dos docentes se calaram. Por quê? Qual o motivo de não haver uma solidariedade por parte dos docentes com aqueles que durante anos estiveram ao seu lado em seu ambiente de trabalho? Porque a maioria dos docentes estão comprometidos com as verbas provindas da Funcamp e sabem que criticar as demissões teria que criticar a maneira que estas verbas são captadas. Criada em 1977 pelo então reitor Zeferino Vaz, a Funcamp nasceu com o objetivo de captar recursos privados para a Unicamp prestando serviços e estabelecendo contratos entre estes setores e a universidade. A verba desta entidade provém das taxas administrativas que recebe dos convênios firmados com empresas e o setor público.

Por outro lado, porque também a manifestação por parte dos funcionários foi tão tímida? Porque o grupo que há mais de 15 anos domina a direção do sindicato nunca se preocupou em levantar uma bandeira conseqüente para a questão da terceirização que olhasse além do ponto de vista corporativo. Condenando a terceirização quase como uma crítica moral, condenava também os trabalhadores terceirizados, como se estes fossem culpados por exercerem dentro da universidade uma atividade remunerada no lugar de alguém que poderia ser efetivo da universidade. Manteve uma posição corporativa, com um discurso que incentivava a divisão da categoria, pois não conseguia ver uma saída política para a questão.

No semestre passado, durante a última greve de trabalhadores das estaduais paulistas, o companheiro Brandão do Sintusp, em inúmeros debates, alertou sobre o problema do corporativismo. É verdade que as lutas que fizeram nos últimos anos, as greves que impulsionaram, fizeram com que os salários não caíssem como em outras categorias do serviço público ou privado. Entretanto, os aumentos salariais foram concomitante ao processo de terceirização e precarização do trabalho. Enquanto conseguíam aumentos salariais, as reitorias levavam a frente seu projeto de corte de gastos, substituindo mão de obra contratada por concurso público e assegurada por todos os direitos de um efetivo, por funcionários terceirizados, subcontratados, temporários, etc.

É necessário levantar um programa conseqüente, que rompa com a divisão entre nós trabalhadores. É importante unir nossas fileiras e combater com um único punho. Somos todos trabalhadores, somos todos explorados pelo capital, não importa o salário que recebamos. Nós da Ler-qi pretendemos, com este boletim, abrir um debate sobre a terceirização entre os funcionários da Unicamp e chamar para a luta todos os companheiros, impulsionando uma forte campanha, junto aos estudantes, contra a precarização do trabalho e a terceirização.

- Pela unidade das fileiras operárias!

- Por uma campanha contra a precarização e a terceirização do trabalho.

Venha construir uma forte corrente entre estudantes e trabalhadores das três universidades estaduais:

Desde o final da greve do semestre passado, nós da Ler-qi estamos impulsionando reuniões com trabalhadores e estudantes das três universidades na perspectiva de construirmos um movimento que consolide uma forte correte político e sindical. Aqui na Unicamp precisamos consolidar uma oposição classista à direção do PCdoB no STU, aliada ao Sintusp e os lutadores da Unesp.

Ricardo Festi é mestre em Sociologia pelo IFCH/Unicamp e professor do Centro Paula Souza

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