Sexta 26 de Abril de 2024

Internacional

DEBATE FEMINISMO MARXISTA

Sobre o sequestro de meninas na Nigéria, uma polêmica com a LIT-QI - Corriente Roja

02 Jun 2014   |   comentários

O sequestro de meninas da Nigéria pelo grupo Boko Haram tem causado um forte impacto mundial. Neste artigo desenvolvemos uma análise e uma posição sobre os fatos, repudiando o sequestro e o abuso das meninas por parte do grupo integrista islâmico, apoiando a luta e mobilização de seus familiares e organizações solidárias por sua liberdade, ao mesmo tempo que denunciamos o papel do governo da Nigéria e do (...)

O sequestro de meninas da Nigéria pelo grupo Boko Haram tem causado um forte impacto mundial. Neste artigo desenvolvemos uma análise e uma posição sobre os fatos, repudiando o sequestro e o abuso das meninas por parte do grupo integrista islâmico, apoiando a luta e mobilização de seus familiares e organizações solidárias por sua liberdade, ao mesmo tempo que denunciamos o papel do governo da Nigéria e do imperialismo.

A forte repercussão destes fato os tem convertido em um importante foco de atenção da política internacional e a política imperialista em relação ao continente africano. Por isso consideramos fundamental denunciar a campanha cínica do imperialismo, que através de figuras como Michelle Obama ou Dolores de Cospedal, tem se somado à campanha “#bringbackourgirls” (em inglês, #tragadevoltanossasmeninas) para tentar mostrar uma cara “humanitária” do imperialismo e inclusive justificar uma maior presença militar imperialista na região.

Neste artigo queremos polemizar com a posição de Cecilia Toledo, dirigente da LIT-QI, em seu recente artigo “Nigeria: Sob o domínio do medo”, publicado pela Corriente Roja em seu site. Com as companheiras e companheiros da Corriente Roja compartilhamos uma luta em defesa dos direitos conquistados pelas mulheres, contra a Lei Gallardón ou os cortes na saúde e educação e também compartilhamos a luta pelos direitos das mulheres trabalhadoras contra o patriarcado e o capitalismo. Contudo, consideramos que o artigo sustenta uma posição equivocada frente a uma questão de grande importância, com posições que se afastam do marxismo revolucionário.

Isto se mostra, por exemplo, na descrição acrítica da campanha mundial que está desenvolvendo, que no artigo de Cecília Toledo se apresenta deste modo:

O rapto das meninas provocou uma onda de protestos em todo o país à qual se somou gente famosa, como os atores Ashton Kutcher, Whoopi Goldberg, Jessica Biel, Bradley Cooper e Sean Penn. Acusado de apatia, o presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, limitou-se a pedir ajuda dos Estados Unidos, França, Reino Unido e China, e a cooperação dos países vizinhos como Camarões, Chade, Níger e Benin". Obama condenou o sequestro, disse estar indignado com o crime e o classificou como chocante. A primeira dama dos EUA também se uniu à campanha. Michelle Obama postou em sua conta de Twitter uma foto sua com o lema da campanha internacional “Tragam nossas meninas de volta”. O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, que se encontra na Nigéria para participar do Fórum Econômico Mundial, ofereceu sua ajuda com satélites e serviços de inteligência. Os EUA anunciaram o envio em uma equipe de especialistas para ajudar as forças de segurança e o Exército da Nigéria. O governo britânico também anunciou o envio de uma equipe de especialistas e o presidente francês, François Hollande, anunciou que fará “tudo que for possível” para ajudar a Nigéria. (...) A campanha internacional de repúdio ao seqüestro tende a crescer, sobretudo dentro da própria Nigéria, envolvendo todo o povo pobre e sobretudo os setores mais organizados da classe trabalhadora, exigindo do governo que encontre e liberte as meninas. Esse é o caminho: lutar até encostar o governo contra a parede, para que nunca mais sustente os grupos de criminosos fanáticos, que deixe de usar a política do “dividir para reinar” entre cristãos e muçulmanos, para que possam viver em paz; sobretudo, é fundamental tomar medidas urgentes contra a fome, que na Nigéria estão ao alcance das mãos”.

No artigo, afirma que a campanha internacional “tende a crescer”, e são mencionadas as posições de Obama, ou dos governos europeus, como se fossem uma parte a mais que “soma” a esse apoio internacional. Mas como é possível mencionar o “apoio” dos principais líderes do imperialismo mundial à campanha sem denunciar que se trata de uma operação política a serviço de fortalecer a posição imperialista na região?

No artigo de Toledo, em troca, critica o governo da Nigéria a ONU e o imperialismo por “fazer vista grossa” e não enfrentar decididamente aos “terroristas”:

A ONU, por sua vez, também se limita a ’falar duro’: advertiu os terroristas de que a escravidão pode ser considerada um crime contra a humanidade e que eles poderiam ser perseguidos por isso, disse Rupert Colville, porta-voz de Direitos Humanos das Nações Unidas. Mas para os fanáticos do grupo extremista islâmico, essas palavras não fazem nem cócegas”.

E mais adiante:

O que temos portanto aqui não é um ou outro grupo terrorista fanático religioso sequestrando e matando a população. O que temos é todo um país submerso no terrorismo, sob vista grossa do governo e do departamento de Estado americano, padrinho do governo nigeriano”.

Toledo denuncia uma falta de decisão na luta contra o terrorismo por parte do governo e o imperialismo, passando por alto que justamente o que busca o imperialismo é legitimar a nível mundial uma “ação decidida contra o terrorismo”. A forma de legitimá-la é apresenta-la com um rosto “humanitário”. Se os Obama saíram publicamente dizendo que querem uma intervenção de suas tropas na Nigéria para defender os interesses das empresas multinacionais no país não conseguiriam muitas adesões. Ao contrário, “apropriando-se” da dor das meninas e seus familiares e aproveitando as ações reacionárias de Boko Haram, podem se apresentar como os “defensores dos direitos das mulheres e crianças”.

O artigo de Toledo não faz referência ao fato de que a política imperialista, fundamentalmente desde o 11/09/2001 em diante, tem utilizado o discurso “guerra contra o terrorismo” para justificar suas intervenções militares na Ásia e na África. Um discurso que combina “islamofobia” e um rosto “democrático”. Como desenvolvemos neste artigo, as guerras do Iraque e Afeganistão foram feitas em nome da “defesa das mulheres. A proibição da burka e o niqab por parte dos governos imperialistas da França e o Estado espanhol foi parte desta mesma campanha, como colocamos neste outro artigo. Esta questão tem sido desenvolvida por numerosas feministas desde o 11S em diante, negando que o feminismo fosse cumplice das guerras imperialistas, e algumas chamaram esta operação perversa “feminismo imperial”.

Teoria da Revolução “democrática” ou Teoria da Revolução permanente?

Em nossa opinião, a omissão desta questão no artigo de Toledo corresponde com uma posição mais geral de sua corrente internacional, que neste caso é a de buscar um “campo democrático” contra o “campo terrorista” na Nigéria.

A “teoria da revolução democrática” que formulou Nahuel Moreno [1924-1987, dirigente trotskista argentino e principal referência política-teórica da LIT-QI], revisando a teoria-programa da Revolução Permanente desenvolvida por Trotsky, tem tomado na LIT-Corriente Roja uma deriva cada vez mais alarmante. No Egito os tem levado a saudar como “revolução democrática triunfante” o golpe de Estado do exército contra Morsi, e inclusive a exigir a “repressão seletiva” (sic) do exército contra os manifestantes da Irmandade Muçulmana. Na Ucrânia, novamente viram uma “revolução democrática triunfante” nas mobilizações da Praça Maidan que levaram à queda do governo de Yanukovich, ainda quando politicamente estivessem apoiadas pelo imperialismo europeu e a participação de grupos neonazistas nas mesmas. Em vez de definir uma política independente de ambos setores burgueses, igualmente reacionários, se localizam no campo “democrático” de uns contra outros. Mas alinhar-se (ainda que seja “criticamente”) no “campo democrático” e ver “revoluções democráticas triunfantes” por todos os lados, no momento em que o imperialismo mais recorre à “roupagem democrática”, leva ceder a essa política imperial. Deste modo não é possível apresentar uma perspectiva independente aos trabalhadores e setores populares.

No caso da Nigéria, partindo do feminismo marxista repudiamos e lutamos decididamente contra a opressão das mulheres e crianças, tanto por parte dos grupos integristas islâmicos, como por parte do governo e o imperialismo. Que, a final de contas, são duas caras da mesma moeda na opressão e exploração das mulheres. Por isso, vemos fundamental denunciar a utilização que faz o imperialismo do discurso de “defesa das mulheres”, já que a luta contra o patriarcado não pode se separar da luta contra o capitalismo e o imperialismo.

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