Sexta 26 de Abril de 2024

Teoria

Sobre as origens do movimento trotskista no Brasil

10 Aug 2006   |   comentários

Entre os anos de 1929 e 1940, a organização trotskista politicamente mais forte na América Latina é a do Brasil. Os pioneiros do trotskismo no Brasil, apesar de poucos, tinham uma forte capacidade intelectual, audácia política e expressiva inserção na classe operária. É importante frisar que nosso movimento foi produto de sucessivas rupturas do stalinismo (chamado comunismo oficial na época), ou seja, a partir de dissidências e cisões à esquerda no PCB. Na maioria dos casos, tais cisões agrupavam militantes críticos de alguma linha parcial defendida pela direção do PCB, e evoluíam para o trotskismo ao buscar respostas conseqüentes para as críticas formuladas .

O PCB é fundado em 1922. Em seu Congresso de Fundação, dos 70 militantes presentes, a maioria era ainda anarquista ou “semi-anarquistas” . Entre os delegados fundadores se encontravam o gráfico João da Costa Pimenta e o alfaiate Joaquim Barbosa. Em 1927, Joaquim Barbosa começa a se enfrentar contra a política sindical do PC, que estava orientada de acordo com a linha geral do chamado “terceiro período” da IC. Em 1928, Joaquim Barbosa renuncia como secretário sindical do partido e pouco tempo depois, ele sua célula, a 4R, composta por cerca de 40 militantes, abandonam o partido.

A posição política de Joaquim Barbosa expressa o esforço revolucionário em busca de uma política justa. E como não podia deixar de ser, não era um elemento isolado. Muito pelo contrário. Já em 1927, o Comitê Central do PCB (CC do PCB), frente à situação nacional começa a discutir a formação de uma aliança com Luís Carlos Prestes, o dirigente dos Tenentistas . Rodolfo Coutinho é o único do CC a votar contra essa política, que ameaçava dissolver a independência política do proletariado.

Coutinho, advogado Pernambucano e fundador do PCB, esteve entre 1924 e 1927 na Europa, inicialmente como delegado ao V Congresso da IC, toma contato com a Oposição de Esquerda na Alemanha. Quando retorna ao Brasil, integra o Comitê Executivo do PCB antes de romper. Este camarada foi o primeiro a introduzir o trotskismo no Brasil. O stalinismo continua a sofrer golpes, com a formação de outra fração ligados à Oposição de Esquerda, formada por Manoel Medeiros e outros.

Mario Pedrosa, um jornalista que viria a ser o principal dirigente trotskista no Brasil, toma contato com a Oposição de Esquerda quando fica doente na passagem pela Alemanha em direção à URSS. Estava indo participar de uma escola de formação política, e uma vez que conhece as posições da Oposição de Esquerda, deixa de completar sua viagem. Quando volta ao Brasil em 1929, dá corpo aos núcleos trotskistas anteriores e forma o Grupo Comunista Lênin, que depois se chamaria Liga Comunista Internacionalista, que edita o jornal Luta de Classes. Pouco tempo depois, ganham o grupo de Fulvio Abramo, outro importante personagem da história do trotskismo, que na época era semi-anarquista.

No início dos anos 30, o trotskismo chegou a ser mais forte que o PCB em SP. Controlavam a Federação Gráfica que como veremos, será o eixo de grandes lutas, não somente sindicais como políticas, como a famosa jornada anti-fascista do dia 7 de Outubro de 1934.

A luta contra o fascimo

Em 1932 grupos fascistas começam a se organizaram na Ação Integralista de Plínio Salgado. Um dos símbolos, assim como de todos os grupos fascistas, era a cor de sua camisa. Os fascistas brasileiros serão os camisas verdades.

Os trotskistas lançam a idéia de se organizarem para combater o fascismo nascente e propõem organizar uma Frente Única Antifascista (FUA), que será formada em julho de 1933, participando diversas agrupações operárias, políticas e sindicais; menos o PC.

Por sua vez, Pedrosa e seus amigos, junto a um grupo de jornalistas que trabalhavam no Diário da Noite, lançam um jornal anti-fascista chamado O Homem Livre. Quem determinava o conteúdo eram os trotskistas.

Os trotskistas não limitam a polêmica contra o PC, ao contrário, desde as páginas de seu jornal polemizam, e duro, contra seus aliados da FUA.

Em novembro os integralistas organizam uma provocação em um ato da FUA, com a intenção de dissolvê-lo. Não há maiores incidentes por conta do forte desdobramento militar, porém mais tarde seriam detidos 17 participantes, por vários dias.

Os fascistas preparam por sua vez um ato para o dia 15 de dezembro. Os antifascistas se organizam e se dispõem a rompê-lo com uma contra-manifestação. Os fascistas "arregam" e o levantam apesar do fato de que contavam com a permissão policial (lembrar que havia uma ditadura). No entanto, a FUA a mantém e tem êxito. Os fascistas nem se atreveram em repetir a provocação de novembro.

Entusiasmados com o êxito, a FUA lança um novo ato para o dia 25 de janeiro (com o qual se demonstra a falsidade de que no Brasil não acontece nada depois do carnaval). Mas desta vez a polícia se adiantou. Fechou a sede da União Gráfica e ocupou toda a praça onde aconteceria a manifestação. No entanto, o ato aconteceu da mesma forma e falaram 3 oradores, entre eles Mario Pedrosa. Ao finalizar o ato, e quando militantes comunistas estenderam uma bandeira vermelha, a polícia reprimiu, com tiros inclusive.

O 1º de maio de 1934 será outra grande oportunidade para continuar a luta revolucionária contra o integralismo e o governo de Getúlio.

Deixemos que um ator direto dos fatos relate: "ao final a polícia aceitou o ato, mas que devia acontecer no Departamento de Trabalho de São Paulo, que tinha sido criado fazia pouco tempo como representação do movimento sindical oficial (...) A Comissão da manifestação aceitou a exigência e o ato aconteceu. Nós dissemos tudo o que queríamos, falamos da luta de classes, da luta contra os integralistas, do que representava o 1º de maio (...) Naquele dia eu lancei pela primeira vez no Brasil, o slogan da necessidade da construção da IV Internacional. Os comunistas internacionalistas sentimos que era o momento de fazer propaganda dessa necessidade, devido à capitulação do PC alemão que abriu o caminho para Hitler”

Para concretizar a Frente Antifascista, na campanha contra os integralistas que se desenvolveu durante o ano de 1934, a LCI os anarquistas e os socialistas lançaram um jornal chamado "O Homem Livre". O PCB não participava da frente única, preferia fazer campanha separado. Somente participou da grande luta contra os integralistas do dia 7/10/1934 na Praça da Sé. Toda a esquerda se uniu contra a manifestação integralista que seria realizada naquele dia. O objetivo dos integralistas era atacar as organizações da classe operária, a sede da Federação Sindical de São Paulo e os sindicatos que se encontravam no edifício Santa Helena, em frente do qual tinham planejado o desfile. Nós lutamos contra os fascistas e impedimos a realização da manifestação. O movimento realizado no dia 7 de outubro foi uma das conseqüências da luta contra o fascismo proposta naquele 1º de maio", contará Mario Pedrosa anos depois.

O dia 7 de outubro de 1934

Os integralistas anunciam a realização de uma grande manifestação e desfile militar em São Paulo para o dia 7 de outubro com o fim de comemorar o segundo aniversário da criação da Ação Integralista.

Conta Fulvio Abramo: "estávamos na sede da União dos Trabalhadores Gráficos (UGT), Mario Pedrosa, Livio Xavier, Aristides Lobo, Manoel Medeiros e João da Costa Pimenta, quando nos avisam de um comunicado da Ação Integralista convocando a manifestação. Medeiros é o primeiro a reagir: ’não vamos deixar que esses canalhas dominem as ruas. Vamos impedir, de qualquer forma’. Todos aprovam. Como secretário da FUA sou encarregado de convocar uma reunião (...) para discutir, concretamente, a proposta de uma contra-manifestação, armada se fosse necessário". E continua o relato: "dois dias depois, atuando com rapidez, foram convocadas todas as organizações que lutaram no 1º de maio (...) Rapidamente foram tomadas decisões importantes: todos aprovaram a proposta de realizar uma contra-manifestação, estavam de acordo que deveria ser realizada no mesmo dia e na mesma hora da anunciada manifestação integralista; a finalidade era dissolver a reunião dos plinianos (seguidores de Plínio Salgado), sem possibilidade de voltar atrás nas decisões; o povo de São Paulo deveria ser esclarecido através de manifestos à imprensa sobre as razões que justificavam tomar tal posição, pois os integralistas alardeavam que empregariam no Brasil os mesmos métodos de liquidação física dos adversários políticos e das organizações opositoras que estavam em feroz aplicação na Alemanha e na Itália: na medida do possível cada organização trataria de proporcionar (fornecer) elementos de defesa ’ eufemismo empregado para dizer ’armas’ ’ necessários para a concretização das medidas tomadas".

Os dias posteriores são de agitada preparação e coordenação entre as diversas organizações operárias. O comitê Regional do PCB, representado por Hermínio Sacchetta, se integra à preparação da contra-manifestação, pressionado pelo êxito da frente única. Recordemos que os stalinistas eram contra este tipo de frente única e sua estratégia eram as frentes de colaboração com a burguesia, as frentes populares. Anos depois, Sacchetta abandonará o stalinismo passando para as fileiras dos trotskistas.

No dia 3 de outubro, o Comitê Executivo Ampliado da LCI realiza uma importante reunião na casa do militante húngaro Rudolf Lauff, valente combatente na guerra civil russa, batizado por Pedrosa com o pseudónimo de "Klassenkampf". Era uma pessoa com experiência, que combateu um ano e meio na Marinha vermelha de Trotsky. Ele deu a orientação do aspecto militar. Mas esta ação é rechaçada por Aristides Lobo, Raquel de Queiroz, famosa novelista brasileira já destacada na época, e outros companheiros. Pouco depois abandonariam o trotskismo.

O enfrentamento

Os camisas verdes se concentraram em sua sede na Av. Brigadeiro Luiz Antonio, sendo entre 3.000 e 4.000. Além disso, chegavam centenas, em trens, de contingentes do interior paulista e até do Rio de Janeiro. Se estima em 7.000 e 8.000 os integralistas presentes.

Ao meio dia já tinham também numerosos grupos anti-fascistas esperando na Praça da Sé, lugar fixado para o ato.

As 13h a cavalaria e infantaria da Força Pública, sendo uns 400 armados de fuzis e metralhadoras de pé iniciam a ocupação da praça, distribuindo pelotões nos lugares estratégicos, em frente ao prédio Santa Helena e outros.

Os integralistas se sentiam protegidos frente a tamanho desdobramento da polícia militar, e começaram assim seu ato. Entre os hinos fascistas e os gritos de "fora galinhas verdes" do outro lado a coisa foi esquentando. Houve provocações e alguns enfrentamentos menores. No entanto, a polícia quer intervir, se escutam vários disparos e começou a correria. Mas esta confusão se dilui rápido. Os fascistas começam a se concentrar nas escadas da catedral. Nesses momentos se escuta uma rajada de metralhadora, que nunca se póde determinar por quem foi acionada (se fala até de um acidente). Isto só incitou os ânimos dos antifascistas porque todo mundo pensava que tinha sido os integralistas os autores dos disparos. Grandes colunas fascistas estavam entrando na praça, por trás.

Mas deixemos que seja o próprio Fulvio Abramo, responsável por falar no contra-ato, que nos relate os momentos chave: "Os integralistas refeitos do pânico causado pela descarga da metralhadora, começaram a encher as escadas da catedral. Me pareceu que era o momento para iniciar a contra-manifestação. Subi ao pedestal de uma coluna e pronunciei breves palavras (...) uma feroz rajada de balas dirigida ao nosso grupo (...) desci de meu palco improvisado e me juntei aos companheiros correndo. Correndo escutei o Mario dizer: "estou ferido", e tropeçar. Peguei-o pelo braço com minha mão esquerda".

Quase simultaneamente cairia ferido de morte o jovem comunista Décio de Oliveira. Morreram também três agentes policiais e alguns fascistas. E Fulvio prossegue: "A batalha continuou cada vez mais forte (eram mais de 4 da tarde). As balas vinham de todos os lados , em uma confusão incrível". Os distintos grupos se distribuíram por zonas na praça e nos arredores onde se enfrentavam com os grupos ou indivíduos integralistas que se dispersavam. O combate se estendeu por ruas vizinhas e por várias horas o centro de São Paulo viu transtornada a sua agradável tranqüilidade dos domingos pela tarde.

E Fulvio continua: "A batalha prossegue. Os integralistas contam com alguns elementos que não são tão covardes como nós mesmos os qualificamos, mais por inimizade e desprezo (justificados) do que por amor à verdade. Esse grupo continua atirando e não abandonaria a praça. Finalmente se retira, seguindo a rua Senador Feijó até o Largo São Francisco (a uns quatro quarteirões) enquanto a maioria dos gloriosos milicianos foge a toda velocidade da Praça, por todas as direções e por toda a cidade (...) Foi uma grande fuga que passou a ser denominada daí em diante de ’revoada das galinhas verdes’ (...) Plínio Salgado, que não tirou os pés da sede da Ação Integralista, começa a derramar suas lágrimas e lamentos a partir desse momento (...) Dispersados os integralistas, a Praça da Sé fica deserta. Foram ’quatro horas de ditadura do proletariado’ como diria depois o militante Antón Machek".

E ainda que esta frase final possa resultar exagerada, não o são as palavras de O. Coggiola quando diz: "se poucos anos antes, na Europa, uma Frente Única parecida tivesse se concretizado, teria mudado o rumo da história" (O trotskismo na América Latina; pág.25).

O integralismo de Plínio Salgado e seus camisas verdes foram varridos da história pelas organizações operárias paulistas em uma dura luta de rua.

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