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Nacional

DEBATE EM CAMPINAS

Ricardo Antunes e Mancha debatem com a LER-QI

28 Mar 2009   |   comentários

Realizou-se no dia 24/3 um importante debate na Unicamp, organizado pelo Centro Acadêmico de Ciências Humanas, onde a LER-QI, representada por Marcelo Torres, debateu com Ricardo Antunes, professor da Unicamp e militante do PSOL, e Mancha, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, militante da Conlutas e do PSTU. Cerca de 80 estudantes compareceram para debater a crise económica e a resposta da esquerda. Buscaremos sintetizar as discussões que se deram, tarefa que o espaço que nos cabe inevitavelmente limita.

O central das exposições dos debatedores

Marcelo Torres iniciou dizendo que a crise é histórica porque “combina uma quebra do sistema bancário e financeiro internacional, com um golpe profundo na chamada “economia real” (...) com o fim do padrão de crescimento das últimas décadas e (...)tem seu centro nas principais potências imperialistas” . Explicou que “a raiz dos problemas económicos atuais, além de dizerem respeito às contradições fundamentais estabelecidas por Marx na formulação da lei do valor, como a lei tendencial da queda da taxa de lucro e a tendência à superprodução, não pode ser entendida por fora da compreensão sobre como a burguesia imperialista resolveu o problema da crise económica no fim do boom do pós-guerra” .

Destacou que para resolver suas contradições estruturais, o capitalismo precisa queimar massivamente capitais através de grandes guerras ou cracks como o de 29, e que não foi o que ocorreu na crise dos anos 70. Destacou que a burguesia saiu dessa crise impondo uma derrota à classe operária com o “neoliberalismo” , que somado à restauração capitalista na Rússia, leste europeu e destacadamente na China, pressionou deflacionariamente os salários mundialmente, combinado com uma enorme financeirização da economia e concessão de crédito para viabilizar o consumo. Completou dizendo que “todos os indícios apontam que estamos caminhando para uma 2ª Grande Depressão, ainda que o ritmo da crise nos países centrais e na periferia capitalista é distinto.”

Resgatou a definição leninista de que vivemos numa etapa de “crises guerras e revoluções” , pontuando que os processos de luta de classes que começamos a ver em distintos países, assim como expressões pela direita, são apenas antecipações de processos de enfrentamentos de revolução e contra-revolução, como explicou que ocorreu na década de 30.

Nesse marco, reivindicou a vigência do Programa de Transição formulado por Trotsky em 1938, explicando sua perspectiva de ligar a luta pelas demandas mais sentidas das massas à necessidade da tomada do poder, tratando particularmente do papel das escalas móveis de horas de trabalho, quer dizer, da repartição das horas de trabalho sem rebaixamento salarial. E disse que “Essa perspectiva se contrapõe a todo tipo de saídas neokeynesianas utópicas e reacionárias ou que as burguesias latinoamericanas podem dar uma saída através de governos como Chavez e Evo. Se trata de nos preparar para uma intervenção independente” . E terminou dizendo que os estudantes têm um importante papel a cumprir, tanto apoiando concretamente as lutas dos trabalhadores, quanto ” se forjando como intelectuais orgânicos da classe operária” .

Mancha centrou sua intervenção na caracterização da crise como uma “crise clássica de superprodução” , que para ele seria uma “crise cíclica” do capitalismo, combinada com uma “crise grave do sistema financeiro” e que “a saída dos capitalistas é uma ataque violento à classe operária, principalmente nos países centrais” , denunciando concretamente os ataques que estão se dando em todo o mundo. Agregou que o Brasil “está quase tecnicamente entrando em recessão” e que “essa crise traz a possibilidade da classe operária se organizar” para “derrotar o capitalismo que não se auto-suicida” . Disse que “o trabalhador tem que resistir aos ataques que estão acontecendo e a Conlutas tem que estar na frente dessas discussões. As maiores resistências do país contra as demissões foram organizadas pela Conlutas. Seja na GM, seja na Embraer. São os patrões que devem pagar pela crise. E também exigir do governo uma medida provisória que garanta o emprego e aos direitos dos trabalhadores” .

Ricardo Antunes caracterizou a crise como “estrutural e sistêmica do capital” , destacando que “se eu fosse provocar aqui (...) infelizmente não fomos (a esquerda) os causadores dessa crise” . E completou “vivemos um modo de produção movido pela lógica do capital, que é destrutivo e no limite incontrolável, portanto, somos levados a tentar, nas ciências sociais, na militância direta, na reflexão crítica, tentar em todos os modos a sua superação, porque o capital é um sistema totalizante, não é um sistema micro-cósmico” . Retomou a definição da lei tendencial da queda da taxa de lucro como chave para entender a crise e reivindicou a idéia de Mészáros de que “a partir de 1973, você não tem mais crescimentos cíclicos, avanços cíclicos, nós entramos num longo ciclo depressivo” , destacando seus impactos destrutivos no trabalho e no meio ambiente, colocando que “ambas são profundamente imbricados” e que “não há saída dentro do capitalismo” . Concordando com Mészáros, disse também que há uma “tendência decrescente do valor de uso da mercadoria” , explicando que “as mercadorias tem que durar cada vez menos, para serem vendidas cada vez mais” . Concordando com Marcelo, colocou que “sabemos que o Estado keynesiano neoliberal é o remédio capitalista para uma crise que vai se aprofundar” . Concluiu concordando que o “capitalismo não vai acabar sozinho” e que para ele, “a saída é a intensificação das lutas sociais” e destacou a importância da Conlutas e Intersindical como pólos de organização dos trabalhadores.

O debate

A partir das perguntas e intervenções do plenário, os debatedores responderam a questão de se não pode se fortalecer a direita, dizendo que seguramente vai haver polarização e o que vai definir se vai primar a direita ou esquerda será a luta de classes. E ligaram isso à questão da criminalização e repressão aos movimentos sociais. Nesse marco, Marcelo destacou a importância dos estudantes das estaduais paulistas encamparem a luta pela readmissão do Brandão.

Frente à pergunta de qual era a saída para a crise, Antunes lembrou que a revolução russa ocorreu com as consignas de “Paz, pão e terra” , que eram questões vitais que o marxismo russo foi “genial” em perceber, o que para ele está ligado a que “tinha o Lenin, o Trotsky e mais uma centena, pelo menos, de figuras que lutavam e pensavam sobre a realidade da Rússia” . Colocou que a tarefa hoje é refletir quais são as questões vitais, destacando que “não há dúvida de que a questão do trabalho é vital” . Denunciou as direções sindicais que negociam redução dos direitos e salários e completou: “eu tenho dito que cortem os lucros das empresas. A Embraer, a Vale e a CSN eram empresas estatais e foram privatizadas, reestatiza (...) com controle dos trabalhadores” . Defendeu ainda a questão ambiental como vital e que era “necessário combinar as lutas imediatas: pão, terra, trabalho, liberdade, com as bandeiras que apontam para outra sociedade, que no nosso caso não são muito de longo prazo porque não podemos chegar até lá” . E criticou o PSOL por colocar o centro nas eleições, mas afirmando que é um problema que afeta toda a esquerda.

Mancha respondeu a questão da crise do dólar, resgatou que vivemos uma fase de guerras e revoluções e colocou que a realidade vai colocar cada vez mais para a classe trabalhadora a necessidade de avançar para a tomada do poder, e que nas lutas vai se colocar a necessidade de um programa mais avançado, citando o exemplo de que os trabalhadores da Embraer vão ver cada vez mais que a única saída é reestatizar. Que era necessário levantar o programa de transição.

As polêmicas centrais

Em sua fala final, Marcelo Torres destacou que era importante entrar em algumas polêmicas cruciais para a esquerda. Antunes havia destacado, como contra-ponto à tendências de direita internacionalmente, que “na América Latina vemos um avanço pela esquerda muito importante, tanto de lutas sociais como de governos” , numa referência a Chavez e Evo. Marcelo discutiu o caráter antagónico das nacionalizações burguesas, que servem para salvar os capitalistas e são feitas com indenizações e sem controle dos trabalhadores e que esses governos que Antunes reivindicava não eram uma exceção, diferentemente da perspectiva que Antunes defendeu na sua fala. E ligou o caráter burguês desses governos às medidas bonapartistas repressivas de Chavez, tanto frente aos assassinatos que vem ocorrendo de operários, quanto com a recente campanha pública reacionária que fez contra a mobilização dos metroviários de Caracas que exigiam o cumprimento do seu contrato de trabalho.

No marco da discussão sobre a resposta da esquerda frente à crise, Marcelo definiu que “o PSOL segue sua inércia pré-crise, com sua fração parlamentar impondo uma política centrada na corrupção e com um programa utópico e reacionário similar ao da CUT, que coloca, por exemplo, a exigência de reduzir a taxa de juros, fazendo coro com a burguesia nacional “produtivista” e não “dá um sinal sequer para a classe trabalhadora que está sendo brutalmente atacada” . Frente a isso, Antunes disse que “Eu participaria de novo da fundação do PSOL. Naquele momento agente acreditava. Mas no PSOL está ganhando a tendência majoritária que está impondo a política parlamentar. Fundei o PSOL para lutar por um partido extra-parlamentar” e ressaltou a importância dos setores que resistem à política majoritária dentro do PSOL, ainda que minoritários.

Marcelo desenvolveu a concepção da LER-QI de construção de um partido revolucionário, como parte de um processo de rupturas e fusões que superará muito a atual esquerda. Colocou que “mesmo que se juntasse o PSOL, o PSTU, a Conlutas e a Intersindical, ainda seria muito pouco para o que necessita a classe trabalhadora brasileira” , e colocou que o papel que a LER-QI se propõe é de aportar para nossa classe com a formação de uma organização revolucionária que possa aportar com estratégia e programa para que num novo partido que nossa classe construa, como fez com o PC e o PT, não seja novamente traído pelas direções conciliadoras” . Frente a isso, Antunes respondeu que “eu também acho que a esquerda brasileira não se resume ao PSOL-PSTU” e disse que defendeu a unificação do PSOL e PSTU quando da discussão de fundação porque acha que a esquerda deve aprender a conviver com as diferenças e porque esse “poderia ser o recomeço de um partido pequeno, mas um pouquinho mais forte do que cada um pelo seu caminho” .

Por fim, a polêmica central que Marcelo colocou fraternalmente com os companheiros do PSTU, foi sobre a diferença entre o discurso do Mancha no debate e a prática, colocando que a política que eles levam para a ação no movimento, infelizmente não era o programa de transição, mas a exigência de uma MP do Lula que alimenta as ilusões de que este pode dar uma saída, citando o material da Conlutas que diz que “É preciso alertar também que o apoio dessas centrais ao governo às impede de exigir a única medida que pode por fim às demissões: uma medida provisória emergencial assegurando a Estabilidade no Emprego” [1]. E resgatou o exemplo de Zanon na Argentina, que mostra como o programa de transição pode ser levado à prática.

[1Jornal especial Conlutas ’ março de 2009 ’ que contém como manchete central “1º de abril, todos às ruas”

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