Sábado 4 de Maio de 2024

Internacional

Grecia

Rebelião Estudantil

11 Apr 2007   |   comentários

Massivas mobilizações estudantis tomaram a cena em toda a Grécia durantes os meses de fevereiro e março. As faculdades foram tomadas e dezenas de milhares saíram às ruas das principais cidades do país em defesa da educação pública. No dia 8 de março o parlamento aprovou a reforma promovida pelo governo de direita do partido Nova Democracia (ND). Como conseqüência, as marchas convocadas para este dia, que reuniram 35.000 estudantes, terminaram com duros enfrentamentos entre os estudantes e a polícia, que reprimiu selvagemente. O objetivo central da reforma é abrir o caminho para a privatização da educação e acabar com o “asilo universitário” [1]. Dá-se no marco de uma ofensiva neoliberal que o governo de Costas Karamanlis vem aplicando em todos os terrenos: flexibilização trabalhista, reforma da previdência e da saúde, privatização do transporte e serviços públicos. Seu objetivo é baixar drasticamente o custo da mão de obra do país, e alcançar as normas da União Européia (EU) baixando o déficit fiscal a 2,4% do PIB. Mas o plano encontra enorme resistência entre as massas gregas.

A vitória de maio-junho de 2006

O projeto de reforma da educação já havia sido fracassado ano passado pelo enorme processo de mobilização que gerou. Com quase a totalidade das faculdades tomadas (mais de 400) e cerca de 70.000 estudantes reunidos em assembléias (o total de matriculados é de 100.000), o movimento universitário fez o governo retroceder após 2 meses de duros conflitos. Houve fortes enfrentamentos com as forças repressivas, que violaram o asilo universitário e prenderam dezenas de jovens. Todas as faculdades coordenaram- se em luta, passando por cima das organizações burocráticas tradicionais aparatadas pelos partidos do regime, e as substituíram por assembléias democráticas massivas por faculdade. Se exigiu da central operária (GSEE) que acompanhasse a luta chamando à paralisação nacional.

O Comitê coordenador de assembléias e ocupações (CC) foi o órgão que dirigiu a luta. Organizou uma séria coordenação para as mobilizações e ocupações, para defender-se da repressão e repelir os provocadores [2] , uma rede de rádios FM e internet para difundir a luta. O movimento se declarou anticapitalista e de luta contra o Estado, herdeiro dos estudantes do politécnico de 1973 [3] e parte da luta dos estudantes franceses contra o CPE de 2006. Frente à intransigência estudantil o governo se dividiu e finalmente retirou o projeto de lei meio a rumores de renúncias e eleições antecipadas.

O governo retoma a ofensiva

No começo do ano o governo voltou à ofensiva apresentando novamente a reforma ao Parlamento. A resposta dos docentes e estudantes foi imediata e de igual intensidade que a anterior. Ocupações, paralisações, marchas, coordenação, chamados à frente única contra o governo se sucederam desde janeiro. Durante estes meses de luta os estudantes conquistaram algumas vitórias parciais como na primeira sessão parlamentar na qual os deputados do PASOK [4] foram obrigados a se retirar. Mas a central operária, assim como em 2006, negou-se sistematicamente a aderir ao chamado de solidariedade dos estudantes, oferecendo uma preciosa ajuda ao governo. Na sexta-feira, 16/03, (com a lei aprovada) os estudantes voltaram a sair massivamente às ruas em distintas cidades junto aos docentes e com o apoio dos familiares. Somente em Atenas estiveram presentes cerca de 20.000 pessoas. Uma forte repressão com dezenas de feridos e detidos se desatou logo após algumas provocações montadas pelo governo. A nova e feroz atuação policial se difundiu massivamente pela TV de Chipre e vídeos caseiros rompendo o cerco informativo que haviam montado. Isto aprofundou a crise e descrédito ainda mais o governo ao ponto que o próprio sindicato de policiais tentou se livrar, culpando-o da escalada repressiva.

Apesar da radicalização e extensão do movimento e do enorme apoio ativo por parte dos docentes, que se mantiveram em greve indefinida durante 2 meses, o movimento parece estar retrocedendo após meses de luta e o desgaste sofrido com a aprovação da lei em 8 de março. Ao final deste artigo, mantinham-se ocupadas cerca de 200 faculdades das 400 no auge do movimento dias atrás. Os professores universitários organizados no POSDEP, levantaram a greve na sexta-feira, 23, por mais que convocaram para quarta-feira, 28, uma nova paralisação de 24 horas junto com a mobilização convocada pelos estudantes para este dia.

O contexto da luta

De todas as formas, o processo de professores e estudantes visto desde 2006 é de conjunto muito importante, já que além da radicalização e extensão que descrevemos, o movimento tende a romper com o bipartidarismo burguês (ND-PASOK) e inclusive com o Partido Comunista (PC) que vem de outra forma, mais por baixo ou mais abertamente, preparando o caminho à reforma. O PC esteve por fora do processo já que, junto aos primeiros, é parte dos centros e federações estudantis burocratizadas. Agora prepara uma traição aberta á luta já que defende aceitar a votação do Parlamento. O que é ainda mais cínico, dizem que votará a mudança na lei... depois das próximas eleições parlamentares!

O movimento universitário se nutre, por um lado, do descontentamento da classe média grega que vê piorar sua condição social dia a dia. Por outro, dos filhos dos trabalhadores que com o avanço das medidas do governo estão perdendo seus postos de trabalho e vêem um futuro cada vez pior. Recordemos que neste país o desemprego alcança os 11% e entre os maiores de 30 anos supera 20%, enquanto que a pobreza golpeia 25% da população [5].

A luta universitária se dá num marco de forte resistência ao plano económico. Entre o final de 2005 e início de 2006, houve três fortes greves gerais que pararam o país contra as reformas neoliberais, e dezenas de conflitos operários por reivindicação salarial e contra a flexibilização trabalhista. O mais importante se deu no final de 2006 entre os professores do primário que exigiam 50% de aumento salarial. Mantiveram-se em greve por mais de um mês apesar de não contar com o apoio da GSEE, nem sequer para o fundo de greve. Protagonizaram importantes manifestações nas quais tiveram que resistir à repressão policial e conquistaram o apoio da maioria da população. Em outubro, os secundaristas tomaram quase 1.000 colégios contra a restrição nas vagas de ingresso à universidade.

Nas eleições provinciais e municipais do mesmo mês ND perdeu (ainda que não por grande diferença) a PASOK no segundo turno e as abstenções superaram 30%. Nos três anos de governo, ND esteve envolvido em escândalos de corrupção, com dezenas de funcionários de todos os níveis renunciando e muitos dirigentes tendo que pedir desculpas públicas em diversas ocasiões. Neste curto período também ficou claramente reconhecido como um governo repressor dos protestos sociais.

Neste marco, a luta universitária (que ainda não está derrotada) é um grande exemplo para os trabalhadores e o povo grego. Quem sabe, como escreveu um jornalista nestes dias agitados “o governo não se deu conta de que o movimento estudantil é uma força auto-suficiente e marca a radicalização de uma nova geração” (O movimento estudantil é um catalisador político, G.G. de Lastic, jornal Kathimerini, 17/03/07).

Traduzido por Flávia Vale

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

[1Uma conquista dos anos 70 similar à autonomia universitária que conhecemos na Argentina, mas superior, já que as universidades são lugares de exílio para presos políticos.

[2Assim como também controlar os setores ultraesquerdistas como os anarquistas que caem na lógica estéril do enfrentamento meramente militar com a polícia.

[3Universidade que foi o epicentro do levantamento estudantil daquele ano contra a “ditadura dos coronéis” que governou o país quando houve mais de 120 mortos e milhares de feridos.

[4Partido Socialista Panhelénico. Desde 1974 se alterna no governo com ND. Governou durante 1981-1989 y 1993-2004. Seu dirigente histórico, Andreas Papandreu, elaborou em 1982 da lei de educação vigente. Por isto diziam formalmente que estavam contra a reforma. Mas depois de algumas idas e vindas (e até ameaças de ruptura no bloco parlamentar pelo custo político que significava) , fizeram o quorum e votaram a reforma em 8 de março. Ainda durante o conflito de 2006 houve rupturas em sua corrente estudantil que se voltaram às assembléias e às ocupações.

[5A economia vem crescendo a 4% ao ano, mas baseada na construção e no consumo mantido artificialmente através do crédito. A indústria cresceu apenas 1% em 2006, os bancos aumentaram seus benefícios em mais de 35%. As dívidas totais (familiares e industriais) alcançam 70% do PBI

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