Segunda 29 de Abril de 2024

Internacional

Qual é a posição dos revolucionários frente às nacionalizações?

09 Feb 2007   |   comentários

Os últimos anúncios feitos por Hugo Chávez de que nacionalizaria empresas de telecomunicações, eletricidade e as de petróleo da faixa do rio Orinoco, antecedido no ano passado pela semi-nacionalização do gás boliviano levadas a cabo por Evo Morales, foram alvos por parte da burguesia latino-americana e imperialista de declarações de alarma contra o “perigo populista” que estaria rondando a América Latina. Não faltaram artigos de ideólogos, jornalistas e representantes da burguesia de conteúdo raivoso nos jornais. O próprio discurso “anti-privatista” utilizado por Lula para se reeleger, bem como alguns pontos do PAC, foram alvo de questionamentos sobre se este não estaria mudando de orientação, apesar de na prática sua política demonstrar o contrário.

O que há por trás deste discurso reacionário da burguesia contra as nacionalizações é o temor que esta tem do apoio popular que estas medidas vêm tendo, se transformando em demandas capazes de provocar mobilizações explosivas como, por exemplo, na Bolívia neste momento. Isto porque ainda que não seja um golpe de morte aos seus interesses, impõem alguns limites às vantagens que estas burguesias e empresas têm na exploração dos recursos naturais e serviços estratégicos daqueles países [1] . Também é uma prova clara da falência da política neoliberal implementada nas décadas anteriores, nas quais sob um discurso de “modernizar a economia” os governos das semicolonias latino-americanas privatizaram empresas e serviços estratégicos resultando em nenhum benefício para os trabalhadores e as massas, mas pelo contrário, em maior submissão ao imperialismo e aos grandes monopólios.

Estas medidas se dão no marco de uma situação internacional definida pela debilidade relativa do imperialismo norte-americano em seguir exercendo sua dominação sobre a América Latina, produto do atoleiro que este se encontra no Iraque e das contradições aprofundadas no plano interno pela política de Bush. Isso cria brechas que Chávez e Morales buscam usar para aumentar sua projeção em âmbito regional, e também no plano interno. Este cenário obriga os revolucionários a realizar um esforço de reflexão que deve servir de base para não capitular a governos que não têm como objetivo a sociedade socialista, mas aumentar sua margem de manobra frente ao imperialismo e favorecer setores de sua burguesia nacional. Neste sentido, faz-se necessário desmascarar que os eventuais discursos “anti norte-americanos” destes governos não se baseiam no anseio de garantir uma resposta de fundo aos interesses das massas, mas que atendem à necessidade e que setores burgueses têm de apoiar este tipo de medidas para barganhar espaço contra o imperialismo.

Porém, mesmo assim, afirmamos que não é por isso que os trabalhadores de todo o mundo, e suas organizações sindicais ou políticas, não devam defender estas nacionalizações das ameaças do imperialismo, ainda que tenham um caráter parcial conforme desenvolveremos abaixo.

Nacionalização burguesa versus expropriação proletária

Existem dois tipos fundamentais de nacionalização. Um é o defendido como ponto programático chave pelos revolucionários, sintetizado por Trotsky no Programa de Transição, e entendido como uma medida transitória na qual se ataca em profundidade os interesses da burguesia, preparando o terreno para a sua derrubada. Mais que uma simples nacionalização assume o caráter de expropriação dos meios de produção das mãos da burguesia e do capital estrangeiro, sendo fruto direto da ação independente da classe operária. Como conseqüência, esta expropriação renega o pagamento de indenizações aos capitalistas pelo seu próprio caráter, já que não resulta de uma negociação com a burguesia. Neste sentido, Trotsky defende que as expropriações devem se dar através da luta dos trabalhadores e das massas, que retomam em suas mãos o controle dos setores mais importantes da produção, e os colocam para produzir sob controle operário. Dessa maneira, abrem um processo de questionamento de fundo à propriedade privada que se inicia no sistema capitalista, mas que se liga de maneira indissociável à necessidade da tomada do poder político pelos operários em aliança com todos os setores explorados. Além disso, introduz a racionalidade na produção contra a anarquia capitalista, ao fazer com que o objetivo do que é produzido deixe de ser o lucro e passe a ser a satisfação das necessi-dades dos trabalhadores e das massas.

O outro tipo são as nacionalizações burguesas, realizadas por governos burgueses que são obrigados a dar algumas concessões àquelas para se manterem no poder. Apesar de estas nacionalizações terem um caráter progressivo no que diz respeito à defesa dos interesses nacionais contra o imperialismo, não são medidas “socialistas” nem “revolucionárias” , pois não apontam para a derrubada do capitalismo. Um exemplo é a naciona-lização feita por Lázaro Cardenas (presidente mexicano nos anos de 1934-1940) do petróleo em 18 de março de 1938. Antes disso o petróleo mexicano era totalmente controlado por um conglomerado de empresas anglo-americanas [2]. Em 1936 quando os operários mexicanos do setor petroleiro apresentam uma série de demandas [3] à patronal sob pena de realizarem greve. Ao não serem atendidos, abre-se um período de duros embates da classe operária contra a patronal imperialista, que culmina numa greve em julho, contando com o amplo apoio da população. Cardenas intervém na tentativa de negociar uma saída, mas os trabalhadores estavam decididos a seguir com suas reivindicações. Frente à continuidade da mobilização operária, da negativa da patronal em responder às demandas dos trabalhadores, e da situação de crescente tensão entre as potências imperialistas por conta da proximidade da II Guerra Mundial, Cardenas anuncia a nacionalização do petróleo, com o pagamento de indenizações [4]. A partir de então o petróleo passou a ser controlado pelo Estado, e é criada a PEMEX, primeira grande estatal do gênero na América Latina.

Trotsky, que nesta época encontrava-se exilado no México, dizia que: “Estas medidas se enquadram inteiramente nos marcos do capitalismo de estado. Porém, num país semicolonial o capitalismo de estado se encontra sob a grande pressão do capital privado estrangeiro, e de seus governos, e não pode manter-se sem o apoio ativo dos trabalhadores. Isto explica porque sem deixar que o poder real escape de suas mãos, (o governo mexicano) trata de dar às organizações operárias uma considerável parte de responsabilidade na marcha da produção de ramos nacionalizados da indústria” .

Em nenhum momento Trotsky deixa de defender o caráter desta medida contra o boicote imperialista, denunciando duramente a hipocrisia dos capitalistas estrangeiros. Mas de maneira nenhuma nega o caráter burguês do governo de Cardenas.

O caráter parcial das nacionalizações de Chávez e Evo Morales

Apesar de também se encontrarem pressionados pelo capital privado estrangeiro e de terem no último período anunciado que fariam nacionalizações, as medidas de Chávez e Evo Morales não se equiparam sequer às realizadas por Cárdenas, e muito menos com a defendida por Trotsky. Em primeiro lugar porque no caso da Venezuela se restringem a algumas empresas que foram privatizadas durante a década de 90, como a CANTV, deixando intactas gigantes dos setores das telecomunicações [5]. Em relação ao anúncio de “nacionalização” do petróleo, setor chave na produção e coração da economia venezuelana trata-se em verdade de transformar a estatal PDVSA (estatal do petróleo) em sócia majoritária dos exploradores privados, em sua ampla maioria norte-americanos, o que mostra que apesar de toda retórica “antiimperialista” Chávez segue pactuando com os capitalistas estrangeiros. Longe de ser uma nacionalização efetiva tal política constitui a consolidação de uma empresa mista, na qual a PDVSA deterá 60% do petróleo produzido, e assegurará a detenção de 40% às exploradoras estrangeiras. Dessa maneira, Chávez tem afirmado que “quer negociar” , e complementa “Tenho certeza de que vão aceitar (os exploradores estrangeiros) isso porque continuaremos sendo parceiros. Agora, caso não estejam de acordo, são totalmente livres para sair” [6] . E estes já anunciaram que não sairão. Porque deveriam se continuarão a ter garantida a exploração do petróleo por Chávez, que ainda que sejam em menor escala continuarão a proporcionar lucros extraordinários para os seus bolsos?

No caso da Bolívia, que recentemente tem sido palco de tensões em torno da negociação do preço do gás e do contrato da exploração deste pela Petrobras, a “nacionalização” tem um caráter similar. O decreto anunciado no ano passado por Evo Morales não expropria as trans-nacionais, se resumindo apenas a que estas sejam obrigadas a associar-se com o Estado na constituição também de empresas mistas sob o controle da YPFB (estatal do gás). Tanto é assim, que nas últimas semanas a Bolívia foi palco de enfrentamentos de setores de trabalha-dores e manifestantes que foram às usinas de gás na região exigir que a nacionalização contemplasse a devolução ao controle do Estado de toda uma série de campos de gás da região. A resposta de Evo Morales foi uma autorizou à repressão policial, que resultou em dois manifestantes atingidos por balas de borracha. Isto é uma prova do freio imposto para manter o caráter parcial desta medida, que faz com a política de Chávez e Evo Morales não sejam para nada “socialistas” , mas sim de caráter nacionalista burguês inferior até mesmo à nacionalização realizada por Cardenas.

Entretanto, a exemplo de Trotsky, os revolucionários defendemos estas medidas frente a quaisquer ameaças do imperialismo ou dos setores mais reacionários das burguesias como a de Santa Cruz na Bolívia e os golpistas da Venezuela, e denunciamos o reacionário discurso da burguesia de que as nacionalizações trazem “atraso económico” . Este é um princípio elementar, já que um golpe imposto ao imperialismo favorece a nossa luta pela libertação do proletariado de cada país de sua própria burguesia nacional. Mas o fazemos sem em nenhum momento alimentar ilusões em governos que a despeito deste tipo de medida de caráter nacionalista, são incapazes de dar uma resposta de fundo para as necessidades das massas, de combater verdadeiramente o imperialismo, atuando pela manutenção do capitalismo. Infelizmente, não é esse o caminho traçado por diversas correntes, inclusive do movimento trotskista, que desarmam o proletariado frente a tais direções pequeno-burguesas ou burguesas.

É necessário que os trabalhadores avancem numa real expropriação das empresas chave para a economia, sem pagamento de indenizações aos capitalistas que já lucraram rios de dinheiro explorando os recursos humanos e materiais das semicolonias. De que estas medidas têm que ser acompanhadas do controle operário da produção por parte dos trabalhadores, única via para garantir que os recursos estratégicos serão colocados a serviço de seus interesses e do povo.

Lula e o PAC: a farsa do “anti-privatismo”

O anúncio de que o governo de Lula através do PAC [7] (Programa de Aceleração do Crescimento) pretende investir 504 bilhões de reais em quatro anos, sendo 67,8 bilhão provenientes do orça-mento do estado, 219,2 das empresas estatais e 216,9 bilhões da iniciativa privada foi visto por alguns analistas burgueses como uma possível mudança de orientação em relação ao primeiro governo petista, no qual primou uma política económica abertamente neo-liberal. Alguns jornais burgueses saúdam o que chamam de “retorno da mão visível do Estado” , afirmando que com o PAC o Estado estaria novamente ocupando o papel de regulador e planejador dos investimentos, em contraposição ao neoliberalismo reinante do último período.

Esta política é uma tentativa de resposta de Lula às exigências das distintas frações da burguesia nacional, no marco de uma situação internacional fluida. Pode-se dizer em comparação às nacionalizações parciais de Chávez e Morales que o plano de Lula para tentar reverter os ínfimos índices de crescimen-to da economia brasileira sequer pode ser chamado de “nacionalista” , mantendo com tudo seu caráter privatista e capacho. Não à toa que enquanto escrevemos este artigo, Bush está enviando representantes da sua alta cúpula para tornar Lula um contrapeso à Chávez na região. Dessa maneira, fica evidente que Lula contraria abertamente a retórica “anti-privatista” utilizada nas eleições para lançar um plano que vários analistas comparam inclusive com o “Avança Brasil” de FHC.

Isto porque se baseia em uma série de investimentos de verbas públicas para garantir o lucro e atrair os investidores e empresas privadas, além de benefícios como a isenção de impostos que serviria como estímulo para o investimento privado. Assim, esta política atende a um só nome: PPP”™s (Parceria Pública e Privada) na qual dinheiro público empregados em setores como o de infra-estrutura, que anteriormente eram de responsabilidade do Estado, passam a ser disponibilizados ao capital privado, dando a este o acesso a grandes subsídios públicos. Em resumo, uma política em que os lucros dos capitalistas são garantidos com recursos públicos. Nas palavras de um analista da Carta Maior: “O empresariado busca lucro e isso acontece quando o Estado lhe dá segurança através de estímulos que aumentem as demandas por produtos e serviços” .

É preciso que os trabalhadores não caiam nas ilusões semeadas pela burguesia e por Lula de que é necessário privatizar para garantir “crescimento económico” , pois já se provou que para os trabalhadores e as massas isso é sinónimo de ataques e aumento da precarização. Para isso, faz-se necessário que os revolucionários impulsionemos junto aos trabalhadores e suas organizações sindicais uma ampla campanha que defenda um programa ofensivo de reestatização das empresas privadas, sem indenizações. Que defenda a importância estratégica de colocar estas empresas para funcionar sob controle operário. Esta é a forma mais eficaz de desmascarar a farsa anti-privatista de Lula e de sua burocracia, e avançar em uma política que responda a seus interesses.

[1Foi suficiente para que a burguesia brasileira começasse sua gritaria o fato do governo boliviano querer renegociar o preço do gás, que é vendido hoje a U$4,3 por milhão de BTU (medida de quantidade do gás) para os mesmos U$ 5 pagos por outros países.

[2A Cowdray e a Mexican Eagle, uma subsidiária da Royal Dutch / Shell, apropriavam-se de 65% da exploração dos poços, enquanto as americanas Standar Oil, Sinclair, Cities Service e Gulf, detinham os 35% restantes.

[3Redução da jornada de trabalho sem redução dos salários, pagamento correspondente a 90 dias para cada operário demitido, melhores condições de trabalho, etc.

[4O povo mexicano realizou uma ampla campanha de doações dos seus bens para pagar as indenizações. Esta é uma das expressões mais claras das diferenças entre a nacionalização levada a cabo por governos burgueses, e a expropriação proletária.

[5Ver artigo “Após os anúncios de nacionalização de Chávez”

[6Folha de S. Paulo ’ 03/02/07.

[7Ver “PAC: o crescimento para todos...os burgueses” nesta edição.

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