Sábado 27 de Abril de 2024

Nacional

QUESTÃO AGRÁRIA

Por uma reforma agrária radical

24 Apr 2008   |   comentários

Se continua existindo fome no Brasil (que se agrava com a inflação dos alimentos), é por que a exploração da agricultura está organizada em função do lucro de um punhado de monopólios capitalistas e não em função das necessidades dos trabalhadores e do povo pobre da cidade e do campo. A inflação de alimentos traz mais uma vez ao primeiro plano a necessidade de uma reforma agrária radical, realizada sob controle de trabalhadores rurais e camponeses pobres, única forma de acabar definitivamente com a fome que afeta amplas parcelas dos trabalhadores e do povo pobre.

No ascenso revolucionário que se dá entre 61-64, que teve na luta dos camponeses pobres um dos seus pontos mais altos, duas estratégias de reforma agrária se enfrentaram. De um lado, a estratégia do PCB, segundo a qual a “luta anti-imperialista poderia levar alguns setores latifundiários a posições nacionalistas, o que exigiria uma frente única com estes setores, levando o partido a defender uma reforma agrária restrita às propriedades improdutivas ou pouco cultivadas e ainda assim mediante indenização, além do loteamento de terras aos pequenos agricultores, que deveriam pagá-las através de financiamento” . De outro, com sua consigna de “reforma agrária na lei ou na marra” estava a estratégia da direção majoritária das Ligas Camponesas que “defendiam a utilização de métodos de guerra civil no campo para impór o fim do latifúndio” [1]. O golpe de 64, mostrou a inexistência de uma burguesia anti-imperialista, disposta a apoiar a demanda pela reforma agrária. No momento decisivo, toda a burguesia cerrou fileira contra trabalhadores e camponeses. O programa defendido pelo PCB, inofensivo para a burguesia, foi enfim aplicado pela própria Ditadura Militar ao mesmo tempo em que essa dizimava as Ligas Camponesas e desde então se transformou numa política permanente do Estado burguês brasileiro, referendada pela Constituição de 88.

Na década de 80, sob a liderança da direção petista e cutista, o velho reformismo etapista do PCB deu lugar a uma nova estratégia reformista. No momento em que se combinavam as lutas dos camponeses pobres com as operárias na cidade, a fundação do MST foi um marco da divisão dos camponeses pobres e dos trabalhadores rurais, o MST por um lado e a CUT por outro, e que transformou a luta pela reforma agrária numa luta de pressão sobre o governo de turno, sobre este ou aquele setor burguês. Essa divisão é particularmente criminosa, tendo em vista que hoje a grande força social do campo são quase 20 milhões de trabalhadores rurais [2]. O MST, a CUT e o PT, foram e são os grandes aplicadores dessa nova estratégia reformista. As demandas do MST estão centradas na luta contra o “latifúndio improdutivo” e na luta por “mudanças na política económica para criar condições para a sustentabilidade de um modelo agrícola baseado em pequenas e médias propriedades” [3]. De um lado, o MST se adapta à farsa de reforma agrária implementada como política de Estado pela burguesia desde o golpe militar, abandonando inclusive a luta para revogar a Medida Provisória implementada por FHC que impede as terras ocupadas de serem desapropriadas por dois anos, mesmo que seja improdutiva. De outro, o apoio às pequenas e médias propriedades, inclusive as que utilizam trabalhadores assalariados, significa abandonar na prática a aliança entre trabalhadores rurais e camponeses pobres, em favor da aliança com pequenos e médios empresários do campo que são prejudicados pelo grande agronegócio. Dos cerca de 20 milhões de trabalhadores rurais, mais de 80% são explorados nas pequenas e médias propriedades [4]. Essas são as bases que explicam o abandono, por parte das direções do MST, da luta por uma verdadeira reforma agrária, para terminar apoiando o governo Lula e ocupando cargos no Estado burguês através do Incra.

Essa estratégia é que está na base da própria divisão dos camponeses pobres, que estão organizados em dezenas de diferentes movimentos, dificultando assim a coordenação e mobilização unitária na luta pela terra. E o pior de tudo é que se dividem as organizações, na maior parte dos casos, não por diferenças programáticas ou estratégicas, mas muitas vezes por uma simples questão de arrebanhar famílias em torno das concessões de áreas de terra pelo Estado, como se fosse cada grupo seu feudo de influência, para usufruir das migalhas clientelares que os governos cedem para conter e desviar a luta dos camponeses pobres. Ao mesmo tempo, os “movimentos sociais do campo” não têm qualquer política para unificar os camponeses pobres com os trabalhadores rurais, que são hoje a maior força social do campo brasileiro. E muito menos têm qualquer política para unificar os camponeses pobres com os trabalhadores dos poderosos sindicatos urbanos dirigidos pela CUT. A direção da CUT e do MST, moldadas pelo petismo, se unificam “por cima” no apoio ao governo Lula e na estratégia conciliação de classes; ao mesmo tempo em que impedem a real unidade de suas respectivas bases para impor, com os métodos da luta de classes, as demandas mais sentidas pelos trabalhadores e os camponeses pobres.

Uma direção que lute conseqüentemente pela reforma agrária deve defender a unificação dos movimentos de sem-terras e de camponeses pobres com os sindicatos de trabalhadores rurais e urbanos em torno de um combate real ao latifúndio e ao agro-negócio; da luta pela expropriação, sem indenização, de todos os latifúndios, produtivos ou não, e da expropriação de todos os pequenos e médios proprietários do campo que exploram mão-de-obra assalariada.

Para os marxistas revolucionários, a melhor forma de organizar o campo brasileiro para que ele sirva às necessidades da população e não ao lucro de um punhado de capitalistas, seria a exploração coletiva da terra. Mas sabemos que a luta pelo seu “pedaço de terra” é uma demanda histórica dos movimentos camponeses. E, além disso, a distribuição de parcelas de terra pode ser uma saída progressiva para colocar fim ao inchaço e à “favelização” das grandes cidades. Por isso, quem deve decidir sobre o que deve ser plantado no campo brasileiro, sobre que terras serão repartidas entre os camponeses pobres e entre os pobres urbanos, e que terras devem ser destinadas à coletivização, são os próprios trabalhadores rurais e camponeses pobres, em conjunto com a classe operária e o povo pobre dos centros urbanos. A experiência concreta com exploração coletiva das terras, progressivamente convencerá os camponeses pobres que espiram o cultivo parcelar da superioridade do modo de produção coletivo.

Assim como as Ligas Camponesas, acreditamos que estas demandas só serão alcançadas através dos métodos de guerra civil contra o latifúndio, em oposição à política colaboracionista levada adiante pelo MST e pela CUT.

Qual é o programa para o campo que a Conlutas deve ter?

Uma das questões a ser definida no próximo Congresso da Conlutas é sobre qual programa defenderemos em oposição ao programa hoje defendido pelo MST. A estratégia do MTL, principal setor da Conlutas ligado aos camponeses pobres, se centra “na busca por alternativas ao pleno desenvolvimento de assentamentos humanos numa perspectiva de consolidar experiências articuladas da pequena produção, viáveis economicamente, estruturadas organizacionalmente e coordenadas politicamente com o fito de demonstrar que a reforma agrária é uma das soluções possíveis para fazer face ao desemprego estrutural e contribuir na macro-economia dos Estados e do país, visto que é parte indissociável do Desenvolvimento rural.” [5]

Para o MTL, seria possível “viver a construção socialista em cada dia, em dualidade global e permanente com a ordem, portanto, em contradição com as relações sociais, com a moral e com os valores da sociedade capitalista.” [6] O que significa dizer que é possível começar a construir uma sociedade socialista a partir da exploração coletiva dos pequenos lotes reservados à reforma agrária, sem acabar com o agro-negócio e sem derrotar o estado burguês. Essa é uma estratégia similar à defendida pelo zapatismo, de “mudar o mundo sem tomar o poder” , estratégia que acabou levando a luta do povo de Chiapas ao beco sem saída da colaboração com o Estado mexicano. Defender que é possível “viver a construção socialista a cada dia” nos marcos impostos pelo regime burguês e que é possível o “pleno desenvolvimento” dos assentamentos sem modificar profundamente a atual estrutura agrária significa na pratica levar a um beco sem saída da conciliação de classes a luta pela reforma agrária e abandonar completamente a luta por uma revolução agrária que coletivize a exploração do campo.

Hoje, o estado capitalista é o grande defensor do direito de propriedade no campo, e não vacila em jogar seu exército e sua polícia contra os camponeses sem terra. São os grandes bancos que controlam os recursos que poderiam ser utilizados para financiar os assentamentos, enquanto o governo Lula destina o grosso do orçamento federal para pagar os juros da divida interna e externa. O monopólio das sementes e dos fertilizantes pelas grandes multinacionais e o poder político e económico do agro-negócio sufocam toda possibilidade de que se desenvolva uma forte agricultura familiar, nos moldes propostos pelo MTL.

Uma reforma agrária radical, com a expropriação do agro-negócio, é a única forma de garantir a viabilidade dos assentamentos. Para poder se viabilizar, deve ser complementada por medidas que garantam a comercialização e o financiamento da produção agrícola sobre novas bases. O monopólio estatal do comércio exterior e o controle dos preços garantiriam que os preços nacionais fossem definidos de acordo com as necessidades da população e não de acordo com a especulação de preços internacionais e os lucros capitalistas e que a renda da terra fosse aplicada no financiamento da agricultura familiar e no desenvolvimento da indústria. A estatização do sistema financeiro e o não pagamento das dividas interna e externa garantiria crédito barato para os pequenos produtores que não se utilizam de trabalho assalariado.

Esse conjunto de medidas pressupõe a necessidade de uma luta para quebrar a resistência das classes possuidoras. Somente se baseando nos métodos da luta de classes, da ocupação de terras, da unidade operária e camponesa, que qualquer dos objetivos colocados poderá ser conquistado, mesmo parcialmente. Esses objetivos, por sua vez, só poderão ser atingidos de forma íntegra, efetiva e duradoura, instaurando um verdadeiro governo operário, camponês e do povo pobre, baseado nas organizações de democracia direta das massas exploradas e oprimidas da cidade e do campo.

[1“O processo revolucionário que culmina no golpe de 64 e as bases para a construção de um partido revolucionário no Brasil” , Edison Salles e Daniel Matos ’ Dossiê Teses Brasil www.ler-qi.org

[2“Especial Latifúndio - Concentração de terra na mão de poucos custa caro ao Brasil” - 11/07/2006 - www.reporterbrasil.org.br

[3“MST PROTESTA EM 16 ESTADOS POR REFORMA AGRÃ RIA” 16/04/2008 - http://www. mst.org.br

[4O professor Ariovaldo de Oliveira, do Departamento de Geografia da USP, afirma que a base alimentar do país ’ leite, milho, feijão, café, mandioca e até mesmo a soja ’ é produzida por empresas agrícolas de pequeno e médio porte: “as lavouras temporárias e permanentes ocupam 50,1 milhões de hectares e 53% delas estão em pequenas propriedades, 34,5% nas médias e apenas 12,5% em grandes extensões de terras. Também em relação à pecuária, a proporção se mantém: as pastagens ocupam 177,7 milhões de hectares e 34,9% ficam em pequenas unidades, 40,5% nas médias, enquanto 24,6% estão nas grandes propriedades.” (http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=654)

[5Apresentação do programa Zonas Especiais de Reforma Agrária no tópico “estratégias e metas” do site http://www.mtlsocial.org.br

[6Manifesto Nacional do MTL - http://www.mtlsocial.org.br

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