Sexta 3 de Maio de 2024

Nacional

Declaração política da FT-QI

Por um Fórum Paralelo classista, anticapitalista e anti-imperialista

20 Jan 2005 | De 26 a 31 de janeiro, na cidade gaúcha de Porto Alegre, ocorrerá a quinta edição do Fórum Social Mundial. Contudo, mesmo com todos os recursos garantidos pelo governo federal e pelas grandes corporações imperialistas devidamente travestidas como simpáticas ONGs, os organizadores do Fórum terão esse ano inúmeras dificuldades para manter o clima de festa.   |   comentários

1. Quando surgiu em 2001, o FSM pretendia falar em nome do movimento chamado “antiglobalização” que irrompeu nas ruas de Seattle no final de 1999 e que com uma ideologia confusa boicotava as cúpulas da OMC, as assembléias do FMI e atacava os símbolos do poderio capitalista. Este movimento internacional chegou a protagonizar enormes mobilizações como a de Praga em 2000 ou a de Gênova em 2001.

Porém enquanto os jovens nas ruas se enfrentavam contra a polícia, o objetivo inicial dos organizadores do FSM ’ um leque de ONGs, ministros de governos de países europeus como a França, e organizações reformistas como ATTAC ’ foi justamente institucionalizar este movimento contendo sua ala anticapitalista e canalizando o sentimento de repúdio à “globalização” neoliberal no sentido de “humanizar o capitalismo” .

Os ideólogos do “movimento de movimentos” com seus modismos ao redor da “multidão” e do “império” pretendiam mostrar como superada a estratégia da revolução socialista, porém essas pseudo-teorias não resistiram à prova da realidade.

A guerra que o assassino Bush lançou contra o Iraque como parte de uma política imperialista ofensiva, mostrou que no mundo continuam havendo países opressores e oprimidos. Porém renomados convocantes do FSM, como Bernard Cassen entre outros, tomaram partido por potências imperialistas como França e Alemanha que, apesar de por sua própria conveniência não terem apoiado a intervenção dos Estados Unidos contra o Iraque, parti-ciparam sim na guerra e na ocupação do Afeganistão. Frente ao poderio militar imperialista, limitaram-se a apresentar como opção válida a pressão das potências européias e das Nações Unidas, alimentando a via morta do pacifismo, o qual terminou sendo impotente para derrotar a maquinaria bélica do imperialismo ianque e seus aliados, apesar de que milhões em todo o mundo saíram às ruas para repudiar a ofensiva militar.

Diversos partidos e movimentos latino-americanos também utilizaram a cobertura do FSM e seu discurso utópico e reacionário de “outro capitalismo possível” , disfarçando sua adaptação ao capitalismo com idéias supostamente “novas” que de fato não faziam mais do que reproduzir a velha política reformista e a naturalização da exploração capitalista. Assim nos diziam que já não se podia expropriar as grandes multi-nacionais, mas apenas colocar limites a sua voracidade, e apresentavam como grandes conquistas os “orçamentos participativos” dos governos capitalista do PT, com Porto Alegre como estandarte.

Estes partidos “opositores” e progressistas” apresentaram-se como alternativas aos governos “neoliberais” que já estavam questionados pelo repúdio e pela ação direta de massas em grande parte de nosso continente, como as jornadas de 19 e 20 de dezembro na Argentina que derrubaram o governo de De La Rúa.

Com o ascenso dos novos governos latino-americanos, como o de Kirchner na Argentina e o de Lula, ficou evidente a bancarrota desta política reformista. Estes “progressistas” não são mais que continuadores das políticas pró-FMI, pagando pontualmente a dívida externa e cedendo às exigências dos organismos de crédito, com a conseqüência de miséria e desemprego para a grande maioria da população e o enriquecimento das grandes corporações.

Lula e o PT, verdadeiras “estrelas” do “outro mundo possível” das edições anteriores, hoje são os aplicadores diretos das políticas neoliberais no Brasil, sendo ainda que o “presidente operário” cumpre um papel de pacificador burguês das lutas que percorreram a América Latina no último período (Bolívia, Venezuela). Estes governos, não apenas foram um grande engano para o movimento de massas, como também transformaram-se em serventes do imperialismo. Kirchner, Lula e Tabaré Vázquez da Frente Ampla, futuro presidente do Uruguai, deram uma mostra da missão “humanitária” que estão cumprindo no Haiti. Resgatando o governo títere de Alexandre Boniface, ingressaram no populoso bairro de Cité Soleil e impuseram um verdadeiro massacre mostrando o papel de carniceiros que estão cumprindo a serviço dos Estados Unidos.

Com esse pano de fundo, o presidente Lula chegou a afirmar que “seria necessário uma unificação com o Fórum de Davos” , nada menos que o Fórum Económico Mundial que reúne representantes dos governos imperialistas e da burguesia internacional, justamente em contraposição ao qual se formou inicialmente o FSM. Nesse mesmo sentido, Lula defendeu que o FSM deveria se centrar em “um ou dois pontos para atuar junto com o governo” , e não ser uma “feira de produtos ideológicos, onde cada um vem, compra o que quer, vende o que quer” . Isso abriu fissuras em setores que organizam o FSM, de ideologia pretensamente anti-neoliberal, mas que na prática se alinham com os limites impostos pela cúpula dos partidos reformistas. Essas fissuras dos “de cima” abriram de fato uma crise na organização do Fórum e colaborou para o franco desgaste desta edição.

Hoje fica evidente a grande falácia de que “outro mundo é possível” sem derrotar o imperialismo, sem expropriar os capitalistas, sem destruir a maquinaria do Estado burguês e iniciar a construção socialista, isto é, sem uma revolução operária.

Os marxistas revolucionários sempre discutimos abertamente que o FSM era inimigo de toda política de independência dos trabalhadores e de todo internacionalismo conseqüente. E que, como demonstrou de maneira incipiente o levantamento de outubro de 2003 na Bolívia, é necessária a intervenção da classe operária à frente dos oprimidos para lutar seriamente contra o capitalismo.

2. Os que ontem tinham como “estrela” o PT e Lula, desiludidos com o rumo neoliberal do governo brasileiro, hoje encontraram um novo “ídolo” , o presidente da Venezuela Hugo Chávez, que estará presente neste FSM. Com sua retórica antiimperialista Chávez é apresentado por grande parte da esquerda latino-americana como o exemplo de que um “capitalismo nacional e popular” é possível. Porém o presidente venezuelano demonstrou que não está disposto a dar nenhum espaço na tomada de decisões às massas exploradas da Venezuela, as mesmas que realmente puseram sua força nas ruas para derrotar a direita golpista. Chávez, apoiado na excepcional renda petroleira, expropria a força política dos trabalhadores e do povo pobre para assentar seu governo abrindo canais de negociação com a direita empresarial e o imperialismo, que mantêm intacto seu poder económico no país. Esta política só permite que esses recuperem força política para seguir pressionando e ganhar no “diálogo” o que não puderam conquistar com o golpe, o lock-out e nem com o referendo recente. Ademais, realizar acordos firmes com a direita e Washington significa frustrar as expectativas das massas operárias e populares. Os salários seguem sendo muito baixos e a lei de reforma agrária se limita às terras ociosas sem expropriar os grandes latifúndios. Por isso dizemos que assim como ontem com Lula, hoje o FSM prepara, ao transformar Chávez na “nova alternativa” , um nova frustração.

3. Mas enquanto na América Latina os governos da “centro-esquerda” governam para o FMI e seus sócios menores das burguesias nativas, e nos países da Europa onde a social-democracia governa defende os interesses dos monopólios imperialistas, a classe trabalhadora vem protagonizando uma série de importantes combates. Isto se observa não apenas em países latino-americanos que têm sido a vanguarda da luta de classes a nível mundial no último período, mas começa a estar presente também nas grandes greves operárias e de trabalhadores estatais em países como Itália, França e Alemanha. Na Europa um novo movimento operário começa a lançar seus primeiros combates para defender suas velhas conquistas hoje ameaçadas pelos ataques de seus governos e de suas burguesia em sua sede de lucros.

Na América Latina, onde nos últimos anos distintos presidentes caíram pela via da ação direta das massas (Equador, Bolívia, Argentina, Peru...), temos visto recentemente um maior protagonismo da classe operária. Assim, as greves massivas que se desenvolveram no Brasil, que de início tiveram como centro os setores estatais, abriram espaço a lutas de setores importantes dos serviços como os trabalhadores bancários que realizaram uma greve de quase um mês; setores industriais, como os trabalhadores metalúrgicos e petroleiros, também se somaram a esse processo. No Brasil é preciso destacar também fenómenos de vanguarda, como a ruptura de diversos sindicatos industriais e de serviços com a direção da CUT ’ alinhada com o governo Lula ’ e dão surgimento a novas coordenações sindicais.

Também o México, outrora o país mais estável do continente, viu-se comovido em 2004 pela ação operária: pela primeira vez em décadas, ramos inteiros de trabalhadores realizaram paralisações gerais com um importante processo de imponentes mobilizações e ações de rua. Por sua parte, corroborando que a maior intervenção operária constitui uma clara tendência geral, a Argentina viveu nos últimos meses um importante processo grevístico, protagonizado essencialmente pelos trabalhadores telefónicos, metroviários, ferroviários e outros setores, enquanto continuam de pé as avançadas experiências das fábricas ocupadas e postas a produzir sob gestão operária, com Zanon como principal exemplo. Nestas greves, onde teve grande protagonismo a base operária através de assembléias e corpos de delegados, voltou a se manifestar a tendência à intervenção de massas que em 2001 terminou com o governo de De la Rúa. E na Bolívia a ação operária e popular acaba de conquistar um novo triunfo impondo ao débil governo de Mesa ’ essencialmente sustentado por Evo Morales e o MAS ’ a retirada da empresa multinacional que tinha a concessão da água em El Alto.

Hoje continuam importantes conflitos que permitem prognosticar que num futuro não muito distante voltaremos a viver acontecimentos como o de outubro de 2003.

Nas lutas em curso, a classe operária está realizando um reconhecimento de forças depois das derrotas sofridas sob a ofensiva neoliberal das últimas duas décadas. Este é um ponto de partida para avançar para a superação das direções tradicionais e centro-esquerdistas, em sua ampla maioria sustentadoras do FSM, que defendem a colaboração de classes.

A questão decisiva do ponto de vista político é a conquista da independência política por parte dos trabalhadores.

A classe operária, a qual muitos se apressaram em dar por morta e substituí-la por uma vaga “multidão” , está mostrando que continua sendo a classe com a força social suficiente para enfrentar e derrotar o capital, e que a frente de uma aliança com os camponeses sem terra, com os jovens explorados, com os oprimidos e o povo pobre pode iniciar a construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados.

4. Frente às distintas tendências que se adaptam ao reformismo atuando como “ala esquerda” do FSM, a partir da Fração Trotskista pela Quarta Internacional (FT-QI) levantamos a necessidade de pór de pé um Fórum classista, anticapitalista e antiimperialista, para enfrentar a ofensiva imperialista ’ em particular a ocupação do Iraque ’ com uma política alternativa que permita superar a impotência a que leva o reformismo postulado pelo FSM. Lamentavelmente, as principais correntes da esquerda brasileira que se reivindicam opositoras ao governo do PT (o PSOL e o PSTU) se negaram a defender essa política. Apesar disso durante o FSM setores da vanguarda sindical e estudantil brasileira realizarão em Porto Alegre eventos importantes, como os encontros nacionais da Conlutas e da Conlute.

A Liga Estratégia Revolucionária, integrante da FT-QI, participa ativamente dessas iniciativas. Também a partir da FT estaremos presente em Porto Alegre com uma representativa delegação do PTS argentino, integrada por trabalhadores de alguns dos fenómenos mais avançados dados pela classe operária no último período, junto com dirigentes do movimento estudantil.

Defenderemos a necessidade de que as organizações operárias que vêm enfrentando às burocracias sindicais e protagonizando grande parte das principais lutas em curso avancem em sua coordenação internacional, realizando um Encontro Internacional de organizações operárias antiburocráticas e em luta, em que participem também ativamente os setores da juventude anti-capitalista que enfrentam os governos reformistas. Porque só com os trabalhadores à cabeça podemos fazer realidade a liquidação do capitalismo sem a qual não há “outro mundo possível” .

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