Quarta 1 de Maio de 2024

Teoria

Teses dos anos 70

Período de Centralidade proletária contra o capital*

09 Nov 2007 | Como adiantamos nas páginas de apresentação do I Congresso, uma sessão foi dedicada à discussão das teses sobre o ascenso operário da década de 1970. Neste artigo procuramos oferecer aos leitores uma breve resenha das mesmas.   |   comentários

O estudo abarca o período aberto entre 1968, que em termos gerais podemos chamar de “ensaio revolucionário” (en analogía com a la revolución rusa de 1905 que marcou o início da luta contra a autocracia) e os anos 80. Este primeiro embate foi duramente reprimido e abriu um período de refluxos, contra-ofensiva burguesa, que teve continuidade na reorganização e recomposição proletária preparatória de um novo ascenso, no final da década de 1970. Esse período trouxe à cena política o fortíssimo proletariado brasileiro, com lutas sindicais e políticas que se enfrentavam ao regime militar e ameaçavam o domínio do capital. O PT foi uma demonstração deste protagonismo operário, surgindo como expressão das lutas dos metalúrgicos, transcendendo ao conjunto da classe trabalhadora, das classes médias e setores oprimidos, ganhando peso e hegemonia nacional.

Os acontecimentos de 1968 foram parte de um fenómeno internacional protagonizado pelo movimento estudantil em diversos países, especialmente na Francia, que detonou as greves operárias. No Brasil, o movimento estudantil assumiu como bandeira de luta a consigna Abaixo a Ditadura, apontando o eixo político e programático que se impunha para enfrentar os planos imperialistas e capitalistas. Depois das derrotas de 1968 ’ AI-5, prisões e repressão do movimento operário e estudantil ’ houve um refluxo das lutas operárias e estudantis, configurando um processo de militância clandestina nas fábricas que preparou o ressurgimento de comissões internas combativas que foram fundamentais ’ principalmente em São Paulo ’ para a retomada das lutas contra a carestia (1974) e a posterior ofensiva operária do final dos anos 70.

Conhecer o passado para compreender o presente e preparar o futuro

O processo dos anos 70, produto da magnitude do ascenso operário, deu origem a um partido de tipo trabalhista de massas, fato que nenhum outro país do continente alcançou em sua história. Na verdade, gerou um movimento trabalhista massivo que incluiu reformistas, populistas, intelectuais, todas correntes do centrismo trotskista, ao lado da burocracia sindical, ativistas e setores de vanguarda que depois construíram a CUT.

Para rompermos com este modelo hegemonizado pelo reformismo, que impós um “modo petista de militar” por dentro do regime burguês, é preciso conhecer e compreender seus origens para combater, pela raiz, sua ideologia pequeno-burguesa e sua estratégia de conciliação de classes que levou a classe trabalhadora a submeter seus interesses a um utópico e reacionário desenvolvimento capitalista com distribuição de renda, impedindo que cumprisse o papel de classe hegemónica, dirigente das demais classes exploradas e oprimidas na luta contra exploração capitalista.

Comecemos por escrever nossa própria história, já que a maioria dos livros e estudos dos intelectuais enfatizam o papel de Lula e dos operários do ABC no processo, e colocam que a luta de classes começo em 12 de maio de 1978 com a greve da Scania. Deixam de lado importantíssimos fenómenos operários que, em nossa opinião, indicavam perspectivas classistas radicais nos anos 70, o que exigia, a qualquer organização revolucionária, apoiar-se nesses fenómenos para, daí, responder teórica, programática e estrategicamente para uma derrubada insurrecional da ditadura militar. Era muito importante, na época, reconhecer quais eram os setores mais progressivos, os que mais tendiam a ações independentes das direções reformistas e pequeno-burguesas. Também no ABC se deu um fenómeno de surgimento espontâneo de comissões de fábricas, mas logo foi interrompido pois a direção do sindicato ’ Lula e Cia ’ não aparecia aos trabalhadores como os odiados pelegos e assim pode cooptá-las e controlá-las. Em São Paulo teve um caráter mais radical. Os pelegos que dirigiam os sindicatos e as Federações eram odiados pelos trabalhadores por colaborarem com a ditadura e a patronal e, apesar de contar com o apoio direto ou indireto dos PCs, eram rechaçados e até expulsos das fábricas. Por isso, a reorganização dos trabalhadores ocorreu por fora e contra as direções tradicionais, surgiu desde as bases, no chão das fábricas, com muito mais autonomia e combatividade. Como resultado, em maio de 1978 a Oposição Metalúrgica, que dirigia essas fábricas, convoca e dirige, contra os pelegos, uma greve que nasce das fábricas, inaugura os arrastões como forma de piquete que para fábrica após fábrica e vai se massificando e impondo a paralisação de dezenas e centenas de fábricas, enfrentando a patronal, os fura-greves, pelegos e a polícia.

Ligar-se a esse processo teria sido fundamental para estabelecer a relação entre as comissões de fábrica e os sindicatos, avançando para recuperar essas organizações das mãos dos pelegos e lutar para que se coordenassem na perspectiva de surgirem organismos de massas representativos para a luta sindical e política, unificando as diversas fábricas, categorias e movimentos combativos, como expressão da estratégia soviética. Ao contrário, organizações trotskistas, como a Convergência Socialista, centraram sua política em defender os sindicatos e a mudança das suas direções, via eleições, apoiando os sindicalistas autênticos encabeçados por Lula.

O imperialismo derrotado no Vietnã, buscava evitar processos revolucionários

A política imperialista, impulsionada por Jimmy Carter depois da derrota no Vietnã e da crise do petróleo e da economia mundial (1974-75), consistia em preparar transições negociadas com setores opositores, incluindo direções do proletariado, os PCs, Igreja Católica, transformando os odiados regimes totalitários em democracias burguesas, evitando processos revolucionários que pudessem sair do controle, como o ocorrido na Revolução dos Cravos em Portugal.
Diante desses planos do imperialismo e da burguesia, a consigna Abaixo a Ditadura se colocava como central e ordenadora de uma estratégia que preparasse a classe operária e as massas contra a transição negociada, que significava “mudar o regime para conservar o sistema” , constituindo uma ala esquerda, classista e revolucionária que apresentasse a estratégia de derrubada insurrecional da ditadura como única alternativa para conquistar liberdade, punição aos militares e torturadores, anistia aos lutadores, emprego, salário, terra, moradia, ruptura com o imperialismo, abrindo as portas para combater a raiz dos problemas: a propriedade privada e o domínio capitalista. É importante remarcar isso porque até o final dos anos 70, especialmente durante o confronto operário, as direções reformistas, e Lula e os sindicalistas “autênticos” em particular, se encarregaram de apagar esta bandeira de luta, conciliando com o programa de setores da burguesia e da pequena-burguesia e intelectualidade opositora ’ inclui-se o PCB, PCdoB, MR-8, Igreja Católica ’ que buscava negociar com setores militares uma transição negociada, sem ruptura com a ordem capitalista e o imperialismo.

Lamentavelmente, o trotskismo da época ainda que tenha levantado muitas e legítimas demandas democráticas não saiu dos limites da transição burguesa imperialista, não articulou seu programa e estratégia sob a bandeira central da derrubada da ditadura para que fosse uma tarefa consciente assumida pelas massas, preparando uma ala esquerda, classista e revolucionária que educasse a vanguarda que somente a queda insurrecional da ditadura abriria passo para conquistas e transformações profundas da vida das massas e do país.
Sem uma política independente a classe trabalhadora não pode avançar na conquista de hegemonia perante as demais camadas exploradas e oprimidas, limitando a ofensiva operária aos limites da luta salarial e da transição negociada.

Surge o PT

Como assinalamos, na época havia que aportar para generalizar as comisões de fábrica e lutar para que surgisse um organismo representativo que expressasse a estratégia soviética, mas com o surgimento do PT devia-se participar deste processo. Não somos abstencionistas, não nos negamos por princípio a fazer parte destes fenómenos operários, tal como ocorrem. Seguindo os conselhos de Trotsky, deve-se participar principalmente no seu início, quando seu programa e estratégia não estão definidos, e como tática para avançar na construção de um partido revolucionário. A diferença entre participar do PT das origens, junto com correntes reformistas como a que Lula encabeçava, e integrar-se hoje ao PSOL como defende a corrente mandelista que propõe construir partidos amplos, passa pelo caráter de classe desses partidos: o PT era um partido operário que expressava o ascenso dos anos 70, enquanto o PSOL expressa o descontentamento de militantes petistas, intelectuais, parlamentares, pequeno-burgueses e carreiristas com o giro à direita do PT. O PT era um partido de origem operária, surgiu de una junção do ascenso com direções reformistas e de esquerda, era amorfo e com programa ambíguo, e tinha a esquerda trotskista em seu interior. O PSOL adotou, desde suas origens, um programa desenvolvimentista burguês e completamente separado do movimento operário. Isto não significa que compartilhamos a posição oposta, que considera o PT como uma estratégia, como sustentaram quase todas as correntes trotskistas da época, que fizeram um entrismo sem fim.

O PT se transformou num partido de massas e o mais importante da América Latina e do mundo nos últimos tempos, ainda que tenha sido colocado como parte da transição. Por isso, temos a obrigação não apenas de conhecer e analisar suas origens mas de extrair as lições do papel e estratégia de suas direções. Por exemplo, para a direção do PSTU o “voltar ao PT das origens” foi durante anos uma bandeira estratégica.

Na realidade, nos anos 70 surgiu o grande movimento petista-lulista. Todas as correntes trotskistas, fora ou dentro do governo, foram moldadas por Lula durante mais de uma década no interior do PT. Mesmo tendo rompido com o PT e a CUT, os setores opositores ’ PSTU, PSOL ’ continuam girando em torno desse modo petista, adaptados ao mecanismo varguista que regulamenta a luta de classes impondo que os sindicatos só podem “lutar” nas datas-base, uma vez por ano, e por salários, por dentro do regime, obedecendo suas regras, enfim, rompendo com o elementar princípio marxista da luta de classes por fora das necessidades concretas dos trabalhadores e das massas.
Trata-se de criar uma nova tradição para se enraizar no movimento operário em defesa da unidade das fileiras operárias, de sindicatos e organizações de massas, o que exige a defesa dos interesses de toda a classe trabalhadora mas especialmente dos setores precarizados e mais explorados, mulheres e negros, que são a maioria dos explorados e oprimidos e a base de onde virão os mais abnegados combatentes da luta proletária contra a exploração capitalista e o Estado burguês.
Os elementos de recomposição da classe operária e dos setores precarizados, que começam a surgir embrionariamente, são um sinal ainda em pequena escala do que pode significar o proletariado liberando suas energias e extraindo, com a nossa ajuda, a conclusão de que no próximo ascenso deve construir uma direção revolucionária, ao contrário dos anos 70, apesar de toda a potência dessa classe operária. A LER-QI se prepara, desde já, para essa apaixonante tarefa.

*Este estudo sobre o ascenso proletário dos anos 70, que está sendo discutido em nossa organização, é um aporte de um estudo coletivo de duas companheiras do PTS da Argentina (Graciela López Eguía e Liliana Caló) em equipe com um dirigente de nossa organização (Val Lisboa), que estudou e foi protagonista da época.

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