Sexta 17 de Maio de 2024

Movimento Operário

PT 25 anos: entre o engano das massas e a educação política da classe operária

20 Mar 2005 | Em 2005 completam-se 25 anos de existência do PT. Como costuma acontecer, a ocasião serviu de ensejo para as mais variadas expressões da manipulação ideológica burguesa buscando fazer com que os trabalhadores tirem conclusões “pela direita” a partir da experiência com o PT no governo. Para isso, contam com a ajuda de grande parte da esquerda, que evita oferecer qualquer conclusão política mais profunda capaz de rivalizar com as “interpretações” burguesas. Do mesmo modo como certos mitos sobre a fundação do PT obscurecem a consciência dos trabalhadores, interessa sobremaneira à burguesia pintar o “PT das origens” como mais de esquerda do que de fato era. Assim ela tenta reforçar a idéia despolitizante de que todos os partidos são ou tendem a ser iguais, e de que mesmo quando um partido surge parecendo ser diferente, parecendo ser mais próximo dos trabalhadores e do povo, ele fatalmente terminará se burocratizando e guinando à direita. Queremos aqui contribuir para que se tirem conclusões diametralmente opostas dessa história recente.   |   comentários

O PT como expressão das grandezas e misérias do ascenso operário

O ascenso que se iniciou por volta de 1978 em torno das greves no ABC paulista era o primeiro grande processo de mobilização da nova geração operária que se desenvolveu a partir do último grande surto de crescimento industrial, durante a década de 60.

O PT reflete ao mesmo tempo a pujança e os limites desse ascenso que marcava o declínio da ditadura militar. Reflete as esperanças de uma nova geração de trabalhadores, as ilusões quanto às transformações a que se poderia chegar pela via da “redemocratização” pacífica e pactuada com a burguesia. Mas reflete também uma política de setores da intelectualidade e da Igreja para controlar a expressão política desse mesmo ascenso, e a impotência da esquerda frente a esses setores.

O surgimento do PT é portanto um fenómeno contraditório, impossível de ser entendido sem a referência a dois vetores distintos e mesmo opostos: por um lado, um grande processo de politização de massas, independente e completamente ameaçador para a burguesia, atingindo setores amplos da classe trabalhadora e, em particular, com grande presença de um setor de massa de operários metalúrgicos; por outro lado, uma saída arquitetada, com influência de setores da própria classe dominante, para evitar uma radicalização maior do proletariado e canalizar suas energias para o interior dos estreitos marcos da democracia dos ricos.

A composição inicial do PT

Pelo menos três setores sociais distintos se unem para encabeçar a fundação do PT: 1) o chamado “novo sindicalismo” , isto é, uma nova camada de burocratas sindicais (da qual Lula era o principal representante) que refletia por um lado o enorme desgaste dos sindicalistas pelegos (ligados diretamente à patronal) e por outro a impotência do PCB (nem falar do PCdoB) para responder a esse processo devido a sua adaptação ao peleguismo; 2) setores da Igreja Católica, especialmente da esquerda da Igreja, em geral ligados à Teologia da Libertação, à Pastoral Operária ou à Pastoral da Terra; 3) setores da intelectualidade de esquerda, influenciada pelo eurocomunismo. Bastante minoritárias então, somavam-se a esses três elementos as correntes de esquerda, notadamente as trotskistas, mas também outras pequeno-burguesas de tipo guerrilheiro como a de Zé Dirceu e José Genoíno.

Se a Igreja jogou pesado para influenciar o partido no sentido da conciliação de classes, mediante inclusive encontro do papa João Paulo 2º com Lula; à intelectualidade que aderiu ao partido coube, nesse marco, o papel de esboçar um perfil, difuso certamente, um perfil para o partido supostamente alternativo a todas as experiências anteriores de organização de esquerda de massas: expressamente, um partido socialista “de novo tipo” , nem stalinista, nem social-democrata e nem leninista ou revolucionário. Apoiada na crise do stalinismo, de um lado, e na impotência das correntes que se reivindicavam trotskistas, do outro, a direção majoritária do PT conseguiu vender essa imagem como algo sumamente “novo” e positivo.

Um amálgama entre esses setores originou o partido colaboracionista e “socialista”

Nas resoluções dos Encontros petistas, assim como em seu programa, manifesta-se precisamente o ecletismo oriundo desse “amálgama” político: uma fraseologia acerca de um socialismo de contornos indefinidos (“socialismo democrático” , “socialismo com democracia” etc) sem nenhum programa de transição claro nem uma estratégia clara de poder. Para todo um setor de intelectuais que orbitavam em torno do PC e para um setor que poderíamos chamar social-democrata “de esquerda” (então diluídos no MDB), o PT foi o refúgio perfeito, através do qual desfazer-se da camisa manchada do stalinismo e da social-democracia sem avançar para a continuidade do marxismo revolucionário, o trotskismo. Por sua vez, essa camada de intelectuais pequeno-burgueses adquiriu grande influência sobre o partido.

O presidente do PT, José Genoíno, mostra hoje a face mais aberta desse amálgama ao afirmar: “[existe] um traço permanente e contínuo dos 25 anos de história do partido (...) O PT soube combinar a melhor tradição do socialismo democrático com a melhor tradição do liberalismo democrático” .

As correntes trotskistas atuaram contra a teoria da revolução permanente de Trotsky

Porém para que o PT tenha chegado a ser o que foi, a participação dos trotskistas, mesmo em minoria, foi fundamental como cobertura de esquerda para o partido. Essa cobertura foi dada a partir de um misto de capitulação política aos burocratas sindicais e de adaptação ideológica a uma visão evolutiva acerca das formas como a luta contra a ditadura poderia encetar a luta pelo socialismo.

Abertamente ou de maneira dissimulada, a chave da intervenção das correntes que reivindicavam o trotskismo no PT foi a concepção de que “a democracia” era, naquele momento histórico, uma etapa independente na luta pelo socialismo; que ela (assim mesmo, abstrata, sem adjetivos nem caráter de classe definido) se transformava portanto num objetivo independente de luta. Atuavam assim diretamente contra a lógica da teoria da revolução permanente de Trotsky, que fornece um programa para que a classe operária, colocando-se à cabeça da luta pelas demandas democráticas, conquiste a hegemonia sobre os demais setores oprimidos e dê lugar assim à transformação da revolução em socialista. Atuando contra a teoria-programa de Trotsky, aqueles que se reivindicam então trotskistas só poderiam terminar favorecendo a hegemonia da ala contra-revolucionária do partido, como de fato terminou ocorrendo.

De seu lado, a direção contra-revolucionária de Lula e consortes afirmava que o “seu” socialismo poderia ser atingido no interior da democracia burguesa, e que portanto a democracia era um fim em si mesmo, como se depois a maioria numérica do proletariado fosse se expressar em votos ao PT que então governaria e iniciaria o caminho “rumo ao socialismo” . Porém cabia à esquerda trotskista desmascarar a falácia dessa concepção, coisa que não fez, assim como não utilizou o entrismo no PT, uma tática justa na sua fundação para aproximar os revolucionários das massas e logo destacar um amplo setor de vanguarda para a construção de um partido revolucionário, não utilizou esta tática neste sentido preciso, pelo contrário adaptando-se à direção reformista contra-revolucionária. Capitulando à burocracia lulista, essas correntes realizaram um entrismo “sui generis” , escandalosamente prolongado, por dez (!), doze (!), 23 (!!) ou até 25 anos (!!?), conforme o caso e segundo o grau do abandono da luta política independente dos trabalhadores.

Conclusão parcial: a transição negociada com os militares apresentada como “vitória democrática”

O grande problema que segue daí é que a democracia degradada e mesquinha em que vivemos hoje, fruto de uma transição em que se permitiu que a reacionária burguesia brasileira e mesmo setores dos militares tivessem a hegemonia do processo, foi tida, em decorrência de uma combinação dessas posições (sem descartar a diferença entre elas) por toda uma geração como uma grande conquista. Seria estúpido negar a influência da luta operária e popular no fim da ditadura, porém igualmente equivocado é imaginar que nesses processos é possível um triunfo parcial, uma vitória a meio caminho. Não, a verdade é que, por mais heróicas que tenham sido as ações da classe operária e do povo, o ascenso dos anos 80 foi derrotado através do desvio. A verdade é que o timão esteve sempre em mãos burguesas, e apenas isso pode explicar o atual estado de miséria das massas, vinte anos depois do primeiro governo civil ser empossado.

A grande luta operária deveria ser então contra a estabilização do domínio burguês, contra a perspectiva de que a mudança no regime pudesse ser utilizada pela burguesia para desviar o processo e derrotar através dos mecanismos da “reação democrática” o ascenso proletário daqueles anos. É evidente, nesse sentido, que não seria possível garantir de antemão a vitória, mas se as correntes revolucionárias tivessem atuado nessa direção, no mínimo uma vanguarda operária teria saído desses embates tirando lições da derrota, que por mais que não tenha sido uma derrota física, foi uma derrota política que marcou a correlação de forças desfavorável durante toda a década posterior.

Essa foi portanto a traição histórica do PT: ter contido o ascenso, ter encaminhado os setores mais combativos de toda uma geração de trabalhadores para o leito indigesto da conciliação de classes com a burguesia. Foi a “educação política” dos trabalhadores na submissão aos patrões e seu regime de escravidão capitalista. (Fica clara então a criminosa superficialidade e o ridículo dos que tentam situar essa traição entre meados de 2002 e janeiro de 2003).

Qual o papel do PT ao longo dos anos 90?

De acordo com os objetivos deste artigo, passaremos por alto a década de 90, bastando assinalar em que grande medida seus lances decisivos já estavam previamente definidos pelo desenlace das lutas de classes da década anterior. Não podemos aceitar as tentativas de deformar a história com discursos do tipo: “ao longo dos anos oitenta a esquerda se fortalecia cada vez mais, porém aí vieram os anos 90 e o neoliberalismo, e interromperam o rumo à esquerda bem quando ia chegar a hora de transformar o Brasil. Aí a correlação virou e a gente ficou na defensiva” . O que esse tipo de argumento desconhece é que já no fim dos anos 80 se definiu em grande medida a questão do poder, e a “correlação desfavorável” foi o fruto necessário dessa derrota anterior, dada pelo não aproveitamento revolucionário do ascenso dos 80.

Assim, ao longo dos 90 o PT foi a “ala esquerda” da implementação dos planos imperialistas neoliberais, base de sustentação pela esquerda da democracia degradada criada em 1988. Traiu no processo do Fora Collor, desviado para o impeachment no parlamento, e mesmo assim apenas a partir do momento em que a própria burguesia começou a defender essa posição (quem tiver dúvidas, confira o artigo de Zé Dirceu na revista Teoria e Debate nº 16, onde afirma com pesar que o impeachment poderia prejudicar a “estabilidade democrática” ). Através da burocracia sindical, o PT também foi responsável pela aprovação “no varejo” da reestruturação neoliberal das relações de produção (bancos de horas, precarização, terceirização, flexibilização etc).

Conclusão. Sobre a relação classe-partido-direção

O materialismo histórico não pode conceber a história como terreno da pura ação livre dos indivíduos, isolados das condições materiais em que se movem, isto é, das condições sociais historicamente determinadas, em última instância, pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas e pelas determinações fundamentais das classes em luta.

A transformação de uma figura como Lula em principal liderança política da classe operária brasileira reflete assim um determinado nível na experiência histórica e na consciência de classe dos trabalhadores e trabalhadoras do país.

É preciso reconhecer abertamente esta verdade. Que a autoridade política conquistada e mantida por Lula é, com efeito, uma mostra inegável da debilidade política da classe operária brasileira de então. Contudo esta tese ficaria muito ao sabor de certa corrente liberal burguesa se não a completássemos: a debilidade das correntes de esquerda, e em primeiro termo dos dirigentes de esquerda, deve ser incluída (e não como elemento de peso menor) nesta “debilidade da classe” , sem o que a tese seria errónea e daria origem a todo tipo de conclusões deformadas do ponto de vista marxista e traidoras do ponto de vista da política proletária.

O auxílio da dialética é imprescindível para compreender este ponto: debilidade política da classe e debilidade política dos dirigentes são duas coisas completamente ligadas. Pois não existiu no mundo e nem poderá existir uma classe realmente poderosa, realmente apta e disposta a realizar sua missão histórica que não tenha dado origem a verdadeiros dirigentes políticos capazes de expressar tal força frente aos políticos das demais classes. E reciprocamente se os dirigentes políticos que se dispõem a expressar a força política da classe não sabem se elevar à altura das tarefas colocadas para o conjunto da classe, toda a força política desta por mais heróicas que sejam suas lutas se vê reduzida enormemente, e nem sempre (na verdade, raramente e somente sob condições verdadeiramente excepcionais) há tempo para que do seio dela surjam dirigentes inteiramente novos, antes que as condições mudem e a classe dominante possa recompor seu domínio. Também esse é o drama da década de 80, o drama dos “anos vermelhos” do PT, drama que todo militante de esquerda deve compreender se deseja contribuir para escrever uma história diferente no futuro.

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