Sexta 26 de Abril de 2024

Nacional

OS INTERESSES POR TRÁS DA POLÍTICA EXTERNA DE LULA

Os interesses brasileiros e acordos com os EUA na maior inserção em Honduras e na América Latina e Caribe

23 Dec 2009   |   comentários

As recentes eleições em Honduras que legitimaram o golpe orquestrado pela burguesia nativa, seu exército, a igreja e no mínimo o tácito apoio ianque, colocaram novamente Obama e Lula em pólos opostos das declarações. Enquanto Obama saudou a eleição como o caminho para a “pacificação democrática” do país, Lula e o Itamaraty marcaram como ilegítimo o processo uma vez que não houve a recondução de Zelaya. A reunião da OEA sobre o tema polarizou-se entre os países que se alinharam com a posição de Obama e os do Mercosul que não reconheceram o resultado da eleição. Esta situação cria toda a aparência de uma polarização e cristalização de “blocos regionais”. Reforça esta aparência as constantes declarações e editoriais dos maiores meios de comunicação brasileiros, de que a política externa brasileira haveria se “bolivarianizado”.
Há evidentes disputas e discordâncias entre as posições assumidas por Lula e por Obama no conflito, no entanto, a política de fundo adotada tendeu ao mesmo resultado: reconhecer os golpistas como ator nas negociações, não chamar as massas à mobilização, ceder paulatinamente às posições dos golpistas, fosse nas condições de retorno de Zelaya à presidência, fosse em como reconhecer ou se opor ao processo eleitoral ou agora nas condições para sua saída do país.
A divergência tática e o acordo estratégico são as marcas fundamentais da relação Brasil-Estados Unidos neste conflito e exemplificam o papel assumido por Lula no continente. Esta situação tem como motor invisível as relações econômicas das grandes empresas brasileiras e multinacionais instaladas no Brasil com a América Central e o Caribe e com o próprio Estados Unidos. Isto no marco da decadência da hegemonia norte-americana e de crescentes movimentações desta burguesia para se relocalizar em seu histórico pátio traseiro, a América Central e o Caribe, tendo como marcas desta política não só a política frente ao golpe em Honduras como a implementação das 7 bases militares na Colômbia.
A compreensão de alguns aspectos desta base material por sobre a qual a diplomacia atua e garante os interesses permite compreender melhor quais interesses Lula está defendendo em Honduras e em quais marcos ocorre o emergir do Brasil como importante ator político fora da América do Sul.

Cuba e a continuidade do corpo e estratégia diplomática tucana e imperialista

A diplomacia brasileira atua já há longo período a favor da restauração capitalista em Cuba. A proximidade da cúpula petista com membros iminentes da burocracia castrista exige periódicas declarações em defesa de Cuba contra os EUA, mas de fundo os interesses defendidos não são os da defesa da revolução que serviu e serve de exemplo a toda América Latina em como lutar contra o imperialismo. Cuba mostra como mesmo sob uma férrea ditadura de uma burocracia restauracionista e nenhuma democracia operária, sem nenhum órgão do tipo dos soviets russo antes da burocratização promovida pelo stalinismo, foram e permanecem importantes conquistas das massas a partir da expropriação da burguesia e monopólio do comércio exterior. O Itamaraty sob Lula não alterou nem o corpo formulador da estratégia para Cuba nem a própria estratégia: ser sócia da burocracia restauracionista e se tornar o maior parceiro comercial de Cuba. Se este plano oferece alguma diferenciação com parte do establishment americano, que quer fazer de Cuba uma colônia ou praticamente isto, não diverge do plano estratégico: restaurar o capitalismo.
A base material para tal interesse é a rica possibilidade de comércio com a ilha, que repete todo o padrão caribenho de comércio com o Brasil. De 2000 a 2008 as exportações brasileiras à ilha aumentaram 455% e o saldo comercial com este país aumentou em 551%, alcançando quase 2% de todo o saldo brasileiro com o mundo! Em 2008 o BNDES e outros órgãos brasileiros emprestaram US$ 350 milhões àquela ilha e a política para a mesma é definida pelo secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, como o Brasil querendo "ser o parceiro número um de Cuba em seu processo de desenvolvimento econômico e social, e nas relações políticas também”, e o mesmo conclama os empresários brasileiros (e instalados no Brasil) a proveitar "as oportunidades que aparecem e existem para participar deste momento tão importante (na ilha)" [1]. Qual momento? A guinada em acelerar a restauração capitalista.
Esta continuidade com uma política que no objetivo estratégico coincide com o imperialismo ianque é garantida por um corpo diplomático e de formulação estratégica herdado e imbricado com os tucanos e grandes empresários que lucram com esta específica relação com o Caribe e os EUA. O atual embaixador brasileiro em Havana, Luciano Martins da Almeida, foi indicado por FHC e faz parte do influente CEBRI – Centro Brasileiros de Relações Internacionais – que é presidido por FHC e tem como conselheiro o responsável pela hipotética política externa “de esquerda” de Lula, Marco Aurélio Garcia. Este órgão é financiado pelas seguintes empresas, entre outras, Vale, Embraer, Aracruz, HSBC, Unibanco, Klabin, Gerdau, Mannesman, Petrobras, Odebrecht e BNDES. Este plano, seus executores para Cuba são os mesmos que formulam a estratégia para a América Central e estão por trás deste emergir do Brasil para fora da América do Sul, buscando seus lucros e maior e mais intensa relação com os EUA.

A crescente importância do “Grão-Caribe” para o Brasil

É no Haiti que o Brasil sob Lula inaugura uma presença mais intensa e ostensiva no Caribe e América Latina. Lula lidera a ocupação militar pelas forças da ONU há mais de cinco anos. Esta presença e “liderança” brasileira a serviço dos interesses dos Estados Unidos e França que promoveram o golpe no Haiti é utilizada pelo Itamaraty como marco da “responsabilidade” do Brasil e como este poderia ser promovido a ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. A assassina e repressora presença no país dos “jacobinos negros” que protagonizou a única revolução negra triunfante do continente em meio ao grande período revolucionário da burguesia, marcado pela revolução americana e francesa. A ocupação militar do Haiti garante a super-exploração dos trabalhadores em maquiladoras para os Estados Unidos, treina técnicas de ocupação de morros e favelas em Cité Soleil e reprime violentamente manifestações operárias, populares e estudantis. Este país é o principal marco desta maior inserção brasileira na região conhecida pelos especialistas em relações internacionais como “Grão-Caribe”, que compreende Colômbia, Venezuela, as Guianas, Cuba, América Central, México e o conjunto dos países e territórios imperialistas insulares.
A maior inserção não se dá somente pela via das forças militares e o aval da ONU para a mesma, mas também tem ocorrido uma crescente presença diplomática brasileira na região. De 2003 a 2009 o Itamaraty criou 35 embaixadas em todo o mundo, sendo 7 delas em ilhas do Caribe, lugares tão desconhecidos aos brasileiros comuns como São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, Antigua e Barbuda, entre outras, que formaram-se como novo foco de atenção.
Não é para menos, boa parte do saldo comercial brasileiro é feito às custas destes países. Se o comércio com estes países ainda é pequeno, o saldo é imenso[2]. O Grão-Caribe era responsável por 6,40 % do comércio exterior brasileiro em 2000 e gerava um superávit de 1,46 bilhões de dólares, em 2008 representava 7,13% mas gerava um superávit de 14,8 bilhões (ou 60% do superávit brasileiro de 24,7 bi com o mundo). Neste período as exportações brasileiras à região cresceram de US$ 4,3 bi a US$ 20,6 bilhões (uma média de 21,75% ao ano), já as importações cresceram US$ 2,8 bi para US$ 5,8 bi (ou somente 9,5% ao ano). Um país desconhecido como Santa Lúcia aparece como sétimo maior parceiro comercial do Brasil no continente e com o qual teve um superávit de US$ 3,6 bilhões em 2008, superado unicamente pelos superávits com a Venezuela e Argentina de 4,6 e 4,3 bilhões respectivamente.
Fora se configurarem como financiadores de uma relação deficitária com a China, Japão, Taiwan, Alemanha e França (os maiores déficits brasileiros) a relação com o Grão Caribe e a América Latina como um todo é pautada não na exportação de commodities mas na exportação de produtos manufaturados, como automóveis, eletroeletrônicos, entre outros. A América Central, incluída Honduras, configuram-se dentro deste padrão geral [3]. As maiores exportadoras “brasileiras” para Honduras foram nos últimos anos Petrobrás, Volkswagen, Daimler (Mercedez-Benz), Toyota, Volvo, Cargill (máquinas agrícolas), Companhia Brasileira de Alumínio, Souza Cruz e Suzano Celulose.

Honduras, a América Central e o Caribe como plataforma para os Estados Unidos

A América Central após a assinatura de tratados de livre comércio com os Estados Unidos, conhecidos como CAFTA-DR (Central American Free-Trade Agreement e DR, para República Dominicana, em inglês), se constitui como importante base para instalação de maquiladoras e exportação de produtos aos Estados Unidos após super-exploração dos trabalhadores dessa região. Honduras já se constitui como terceiro maior exportador de têxteis aos EUA, atrás somente da China e México[4]. A exploração do proletariado hondurenho e o livre-comércio com os EUA atraem não somente as multinacionais ianques, mas inclusive as tupiniquins e forma parte fundamental da política externa brasileira para a região.
Ainda no governo Bush, um dos principais acordos firmados em sua visita ao Brasil foi a parceria Estados Unidos-Brasil para produzir etanol e bio-combustíveis no Haiti, Jamaica, Guatemala e outros países. A espanhola-brasileira Tavex (ex-Santista Têxtil) planeja construir uma imensa maquiladora em Honduras e as gigantes brasileiras da construção Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão procuram estabelecer relações para disputar os investimentos de US$ 1,5 bilhões que ocorreram nos países centro-americanos nos próximos anos em construções de hidrelétricas e termelétricas, e ainda para se cacifar a participar na obra de construção de um novo canal marítimo ligando o Atlântico ao Pacífico atravessando provavelmente Honduras[5] A FGV cita que nos próximos dois anos empresários brasileiros deverão “instalar destilarias e usinas no Haiti, Guatemala, Honduras, República Dominicana, Jamaica, Nicarágua, El Salvador e São Cristóvão e Névis. Assim, o combustível produzido no Brasil poderia entrar com taxa zero nos EUA, desde que fosse mesclado em até 50% com o produzido no Caribe.” (Estadão, 15/11/09)
O acesso brasileiro a este cobiçado mercado de força de trabalho super-explorada e de livre comércio com os EUA é autorizado pela potência imperialista do norte e se materializou com a entrada do Brasil como país-observador no SICA (Sistema de Integração Centro-Americano) do qual fazem parte Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá, e a República Dominicana, e como membros observadores tal como o Brasil, o México, Taiwan e Espanha[6] Pouco antes do golpe em Honduras Lula tinha visita agendada na Costa Rica para sob a presidência deste país na SICA assinar acordos comerciais e investimentos na região, esta situação foi aparentemente paralisada (ao menos nas declarações oficiais) desde o golpe.
É possível que no mundo dos acordos secretos firmados escondido dos povos tenha havido alguma movimentação não acordada com os EUA fazendo as firmemente subservientes burguesias centro-americanas mudarem de postura frente ao Brasil, a ponta de lança do acordo que seria a Costa Rica, foi das primeiras nações a se colocar alinhada detrás de uma posição que favorecia mais direta e rapidamente os golpistas. Esta diferenciação tática não elimina o pano de fundo e interesse fundamental do Brasil na região –ganhar maiores parcelas do mercado norte-americano. Sendo assim, toda a “tática” brasileira esteve e está submetida a esta “estratégia”, o acordo com o imperialismo norte-americano para participar de forma subordinada na exploração da força de trabalho no continente em determinados nichos como as commodities agrícolas (bio-combustíveis no caso) e manufaturados de baixo valor agregado como os têxteis.
A novidade diplomática brasileira de se contrapor publicamente às posições norte-americanas, abrigar Zelaya, não constituem um emergir de uma política externa “sul-sul” que promoveria a integração dos povos, mas sim táticas da burguesia semi-colonial brasileira para encontrar maiores espaços dentro dos nichos pré-acordados com os EUA para valorização de seus capitais e consumo de certas mercadorias produzidas no Brasil não só em empresas brasileiras mas nas grandes multinacionais como a Daimler, Toyota e Cargill que se constituem nos últimos anos como as maiores exportadores “brasileiras” a Honduras. Esta relação explicita mais uma vez como a integração dos povos latino-americanos não poderá se dar pelas mãos da burguesa nativa e seus governos que buscam de distintos modos garantir a exploração dos trabalhadores e os lucros dos burgueses nacionais e imperialistas. A integração dos povos latino-americanos será obra da classe operária do continente ou não será, esta imensa classe junto aos camponeses pobres e pobres urbanos se enfrentando com o imperialismo e as burguesias nativas poderá garantir a unidade dos povos sob a bandeira dos Estados Unidos Socialistas da América Latina e Caribe.

[1] Jornal do Brasil 17/10/2009
[2] Esta tendência no Grão Caribe é semelhante mas mais acentuada que com o restante dos países latino-americanos, a América do Sul excluindo os países desta região conformam outros 14,49% do comércio brasileiro e outros 31,88% do superávit. Considerando-se toda a América Latina e Caribe a região corresponde 21,62% do comércio brasileiro e 91,72% de seu superávit. Todas informações relativas ao comércio exterior retirados do site do ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior.
[3] Os únicos países do continente com o qual o Brasil tem déficit são Canadá, Bolívia (relacionado ao gás), e os paraísos fiscais Aruba e Barbados.
[4] Informação da câmara de comércio Eua-Honduras. Ver: www.amchamhonduras.org
[5] Carlos Dominguez Ávila “Brasil e Grão Caribe” em Contexto Internacional, n.30. Rio de Janeiro, PUC-RJ, 2008.
[6] A América Central como pátio traseiro do imperialismo estadunidense expressa no campo diplomático as tendências mais “falcões” deste imperialismo. Israel foi o primeiro país a reconhecer o governo Micheletti, e a Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá são dos únicos países no mundo que reconhecem Taiwan como sendo “a China” e não a China continental, fato que era comum a maioria dos países do mundo até a mudança de política dos EUA para a China em meados dos anos 70.

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