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Juventude

GREVE NA USP

Opinião: Algumas linhas sobre a USP, a mídia e as socialites

17 Nov 2011   |   comentários

Muitos malabarismos, argumentações indefensáveis e cenas dantescas vieram a público desde que começou a mobilização dos estudantes da USP contra a polícia. Muitos buscavam utilizar uma carapuça democrática na tentativa de mascarar o reacionarismo, que invariavelmente acaba escorrendo dos cantos da bocas de “jornalistas” e “intelectuais” defensores da PM na universidade, e da punição dos 73 presos políticos de Rodas e Alckmin. O baixo nível do senso comum e dos preconceitos destilados pela grande mídia contra o movimento estudantil se transformou numa espécie de debate paralelo.

Dentre as máximas que encontraram lugar garantido nas páginas de jornal e noticiários dos últimos tempos como parte da campanha de desqualificar o novo movimento estudantil, temos as afirmações de que “ninguém está acima da lei” para justificar a ação da PM, que os estudantes “estão promovendo o caos, para garantir que possam fumar seu baseado”, que estes seriam uma “minoria desrespeitadora da maioria” que, portanto deveria ser esmagada, que ao “contrário dos que lutavam contra a ditadura, os estudantes de hoje escondem o rosto” o que seria um sinal de que não impulsionam um movimento político, mas “de inspiração criminosa” e um longo etc.

Todas elas foram desmentidas pelo decurso da própria luta dos estudantes. Logo no começo da ocupação do prédio da FFLCH, os estudantes responderam: “ninguém está acima da lei, só os políticos corruptos do Brasil”. É possível discordar?

Por sua vez, os estudantes são obrigados a colocar avisos nas redes sociais, nos quais se lê em letras garrafais: “Atenção obtusos, a discussão da USP não é sobre a maconha”. Sim, é muito estúpido pretender que tudo se resume a um baseado, quando se torna claro a cada dia que passa, que a raiz da questão reside em dois projetos absolutamente opostos de universidade. De um lado, o de Alckmin e Rodas: uma universidade elitista, privatista, e racista, em que reinaria a “calma” imposta pela PM, a domesticação do individualismo exacerbado, e claro, a delação voluntária contra todos os que ousarem questionar a ordem. Uma universidade morta. Rodas tenta vender este projeto “modernizador” e diz que a USP deve se espelhar em Harvard. Mas pelo jeito isso está se transformando numa utopia reacionária. Harvard, até Harvard, está ocupada pelos estudantes!

De outro temos os estudantes, se mobilizando contra a PM, e que estão sendo alvo da ameaça de punições após as 73 prisões políticas ocorridas por ocasião da reintegração de posse. Dentre estes estudantes e trabalhadores, que estão sendo alvo de uma resoluta criminalização, estão aqueles que não só querem expulsar a PM do campus, como dos bairros, morros e favelas. Querem ainda acabar com o vestibular, abrir as portas da universidade para a juventude trabalhadora e negra, acabar com a terceirização, e estatizar as universidades particulares. Parece ser bem o contrário de um bando de alienados, que só querem garantir os seus “privilégios”, não?

Por fim, o último dos argumentos usados até gastar, de que se trataria de uma “minoria” completamente insignificante, a própria pesquisa veiculada pela Folha de S Paulo atestou ser mentira. De acordo com a pesquisa a amplíssima maioria (70%) da FFLCH é contrária a presença da polícia. O dado não é claro, mas subentende-se que 42% dos estudantes de todos os cursos seriam contrários. E 46% reprovaram a desocupação da reitoria. E ainda se fosse uma minoria, assim tão ínfima, ainda assim, valeria parafrasear Marcelo Rubens Paiva quando diz: “Nem na época da DITADURA as ações dos estudantes eram unanimes. Havia uma maioria silenciosa não engajada que não participava. Isto não quer dizer que ela estava correta. Muitos diziam que estudantes estavam lá para apenas estudar. A História prova que dos estudantes vêem as ideias de transformação. É mais vantajoso escutá-los do que trancá-los ou reprimir com “borrachadas”. No meio estudantil, longe das forças do mercado, nascem as grandes ideias. Nasce o futuro”. Faria apenas uma observação nesta excelente sentença. Não só longe das forças do mercado, mas contra as forças do mercado é que nascem as grandes idéias. E isso também se explicita num momento em que internacionalmente, o “mercado” mostra toda a sua decadência com a crise capitalista que assola o mundo. E em que em Harvard, até em Harvard, universidade modelo em que se inspira João Grandino Rodas, está ocupada pelos estudantes!

“Podia ter jogado mais daquele... como é que chama mesmo aquele gás?”

Mas o ponto alto da campanha contra os estudantes ainda estava por vir. Em um vídeo que circulou na internet dias atrás, intitulado Conflito da USP vira pauta de reunião de socialites de SP temos um dos exemplos mais lapidares do que realmente pensa a burguesia brasileira. Numa sucessão de cenas que fariam Fellini morrer de inveja, temos as auto-proclamadas “mulheres liderança”, “mulheres batalhadoras” da “grande” burguesia paulista. Com um sorriso preenchido por auto-admiração e quilos de botox, as quatrocentonas paulistas reúnem-se para discutir o que fazer com este “país injusto”, em que elas próprias acumulam uma renda 40 vezes superior aos mais pobres.

Depois de muita saliva gasta sobre “justiça social” se vai às vias de fato. Uma sucessão de “pensamentos elevados” toma a tela. “Ai eu acho que a polícia foi muito suave com estes estudantes. Poderia ter usado aquele gás, como chama? Aquele gás de efeito moral? Ou pelo menos um jato d’água”. Outra figurona revela um profundo conhecimento sobre as origens dos estudantes mobilizados: “Eles estão todos ligados com a máfia, com a máfia chinesa, com a máfia japonesa”. Escutamos em off a voz do repórter incrédulo “mas... você acha mesmo que a máfia está por trás disso?”. “Claro!” Uma terceira sem se dar conta de que se estivesse lá provavelmente seria o alvo das mobilizações, dizia com ar de consciente: “O brasileiro é muito pacífico, o que precisamos que aconteça aqui é algo parecido com a primavera árabe”. Como explicar tão boas intenções e tanta sabedoria?

Luciano Gruppi, estudioso italiano de Gramsci, merece uma reivindicação por ter sintetizado numa frase a resposta a uma das questões mais importantes do marxismo: o papel da burguesia em nossos tempos (ainda que o fundamento tenha sido retirado da vasta obra de Lênin, Trotsky e Rosa Luxemburgo). Segundo o autor, a burguesia não pode mais explicar a sua existência como classe, mas apenas justificá-la. Refere-se à diferença existente entre a forma e aparência da dominação burguesa, anteriormente dissecada por Marx em inúmeros escritos e pelos continuadores do marxismo revolucionário desde então. Isso por que a época que vivemos está marcada desde seu início pela constituição da burguesia como classe reacionária, que mergulha a imensa maioria da humanidade em sangue, fogo e miséria – vide a situação da Grécia, EUA, e demais países afogados na crise capitalista – para manter seus privilégios. Para justificar sua existência, a burguesia se assenta em máximas que assumem o conteúdo de imperativos categóricos e, portanto, um caráter pretensamente eterno, como os de que “o povo precisa de uma elite, que esteja acima dele”, ou de que “os ricos, o são porque trabalharam mais”, de que “o ser humano é egoísta por natureza”, e que, portanto o “Estado burguês sempre existirá, por que as classes sempre existirão”. Assim, a burguesia ao contrário de usurpadora assume o papel de defensora. Defensora da família, da propriedade privada, dos valores, etc.

No caso das socialites em questão, estas se sentem tão seguras, tão amparadas pelo exercício da sua dominação, baseada nas parcelas da opinião pública que advogam em defesa de seus valores, seguras de que o “pacifismo do povo brasileiro” não terá fim, que nem se dão ao trabalho de esconder que se deleitariam em ver a polícia descendo o porrete nos estudantes, tal como se faz todos os dias contra a juventude pobre, negra da periferia, ou os trabalhadores. Evidentemente, sua prepotência impede que percebam sobre do que realmente se trata a primavera árabe. Os argumentos, a postura, o ar de certeza, tudo das socialites paulistas é tão caricato, decadente e estúpido, que seria apenas alvo de riso, caso estas não representassem apenas a forma mais aberrante de todo um setor que está atuando para criminalizar o movimento estudantil, como já se faz com o movimento dos trabalhadores e sociais. Existe uma unidade de objetivos entre as “damas” da alta sociedade paulista, Rodas, e os analistas doutos de muitos jornais. Estes assumem um ar sóbrio, intelectual e ponderado, para de conteúdo defender a mesma coisa: perseguição aos que lutam. Uns se apóiam em Hobbes e Niestzche, ou em “aulas de democracia” (leia-se, porrada no movimento), outras na máfia chinesa. Mas o objetivo que almejam é o mesmo. Para impedir que triunfem é preciso que nenhum dos 73 presos políticos seja punido. Lutemos contra este deleite de Rodas, Alckmin e das socialites!

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