Sábado 4 de Maio de 2024

Nacional

COTAS RACIAIS

O povo negro deve se organizar de forma independente e em base aos métodos da luta de classes

08 May 2012   |   comentários

No dia 26 de Abril o Supremo Tribunal Federal aprovou a legalidade do sistema de cotas no Brasil, como resposta a setores que alegaram a inconstitucionalidade desse sistema com o argumento de sua contradição em relação com o princípio de igualdade entre os cidadãos existente na Constituição. A seguir entrevistamos Thiagão e Letícia Oliveira, militantes da Liga Estratégia Revolucionária, sobre o (...)

No dia 26 de Abril o Supremo Tribunal Federal aprovou a legalidade do sistema de cotas no Brasil, como resposta a setores que alegaram a inconstitucionalidade desse sistema com o argumento de sua contradição em relação com o princípio de igualdade entre os cidadãos existente na Constituição. A seguir entrevistamos Thiagão e Letícia Oliveira, militantes da Liga Estratégia Revolucionária, sobre o tema.

JPO: O que você opina sobre os argumentos daqueles que questionaram a legalidade do sistema de cotas?

Tiagão: Isso expressa uma posição de classe, de defesa do status quo dominante, tanto quando valorizam a letra do que está escrito na Constituição por fora do que é a realidade do povo negro no país quanto no medo que expressam em relação à luta de classes. O questionamento desses setores baseia-se no mito da democracia racial, quando afirmam que a legalidade das cotas raciais cria uma segregação racial onde não existe, já que a constituição garante que todos somos iguais e temos os mesmos direitos. O que esses setores de forma consciente não dizem é que a constituição também garante salário, educação e moradia digna para todos, o que é bem distinto da realidade das favelas e da maioria que trabalha sob condições precárias e dos que recebem salário mínimo, dentre os quais a esmagadora maioria são negros. A história e a dura realidade atestam o papel da opressão ao povo negro na formação do Estado em que vivemos: os negros escravizados e que após a abolição foram relegados à condição de pária social, vagando como sem-terras ou desempregados, aglomerando-se nas favelas sendo obrigados a submeterem-se aos piores trabalhos, mais pesados e de piores salários e direitos, o que se reproduz até hoje, quando os negros ainda são a parcela mais explorada e oprimida da sociedade. Não são necessários dados estatísticos para demonstrar a reprodução histórica de um monstruoso racismo no Brasil. Basta olhar a cor da esmagadora maioria dos políticos no Palácio do Planalto, no Congresso, no Poder Judiciário, nos altos escalões das Forças Armadas das grandes empresas e nas melhores universidades do país; e depois comparar com a cor da maioria esmagadora dos que moram nas favelas, que trabalham na limpeza, que sofrem todos os anos com as enchentes e cotidianamente com a violência policial. Os agentes da burguesia que se colocam contra as cotas têm a coragem de dizer que a igualdade de direitos independente da cor da pele está prevista na Constituição desde 1824, em meio à escravidão. Incrível como a hipocrisia pode ser tanta que ataca até mesmo qualquer bom senso ou sentido de inteligência. Todo argumento que se baseia na igualdade prevista na Constituição brasileira para se colocar contra as cotas raciais trata-se de falácia, falácia essa consciente, de quem se coloca ao lado do racismo da elite branca com medo da organização independente do povo negro, ou seja, da luta de classes.

JPO: A politica de cotas pode ajudar a organização independente do povo negro com métodos da luta de classes?

Letícia: As cotas raciais e a política de ações afirmativas em seu conjunto são uma resposta à luta do movimento negro que surgiu de forma explosiva no final dos anos 70, inspirada pela luta da libertação das colônias africanas e pelo movimento pelos direitos civis que marcaram esse período nos EUA. Esse movimento negro que surgiu na década de 70 no Brasil e deu origem ao MNU se ligava com as lutas operárias contra a ditadura e pela primeira vez questionava o mito da democracia racial.

Nesse cenário, o Estado e a elite branca que o domina percebem o perigo da organização independente do povo negro em aliança com a classe operária. Desta forma, nas décadas de 80 e 90, a burguesia passa a implementar diversas politicas para cooptar setores do movimento negro, criando secretarias do negro e a politica das ações afirmativas, desviando com isso a possibilidade de uma afirmação do povo negro com uma estratégia baseada na luta de classes.

As cotas raciais são demandas mínimas do povo negro, que tal como foram formuladas até hoje pelo Estado não respondem às necessidades da maioria esmagadora dos negros que seguem vivendo em condições de miséria. Ainda assim, apesar de ser uma demanda mínima que beneficia apenas uma pequena parcela dos negros, o racismo da elite branca brasileira e seu medo da maioria negra querer se afirmar com os métodos da luta de classe é tão grande que mesmo a mais mínima concessão tem o potencial de gerar crises importantes, colocando o problema da opressão histórica ao povo negro em pauta, questionando a naturalização do racismo proporcionada pela ideologia da “democracia racial”. É o que vimos acontecer quando as cotas começaram a ser implementadas em algumas universidades e fomentaram a ação de grupos racistas de cunho fascista.

JPO: O que você opina sobre os setores do movimento negro e da esquerda que defendem as cotas raciais de maneira acrítica?

Tiagão: Defender as cotas de maneira acrítica é negar a realidade da esmagadora maioria dos jovens negros que se deparam com a dura realidade de ter que parar de estudar para trabalhar. Eu mesmo vivenciei na pele a realidade de ser um bolsista cotista: viajar ida e volta 4hrs diárias para chegar na universidade já fatigado pelo trabalho; ter que andar 1h à pé por falta de dinheiro para a passagem, dormindo cerca de 5h diárias para não chegar atrasado no trabalho; e ainda ver que todos os amigos com quem cresceu no bairro não fizeram curso superior e que outros nem mesmo terminaram o ensino fundamental e são hoje trabalhadores precarizados uns, desempregados outros, além dos que tombaram assassinados pela policia, pelo tráfico ou pelo sistema de saúde pública. A politica de cotas raciais não resolve o problema do acesso à universidade para a maioria esmagadora dos negros. Uma política de cotas minimamente justa deveria partir de ser proporcional à quantidade de negros de cada estado, e não percentuais aleatórios de acordo com o que for possível conciliar com as elites mais ou menos racistas de cada região. Além disso, deve estar ligada à luta pelo fim do vestibular, por mais verbas para o ensino público, pela melhoria das escolas públicas e pela estatização das universidades privadas, que ganham rios de dinheiro com o subsídio estatal. Para que as ações afirmativas se constituam como demandas mínimas que ajudem os negros a avançarem em sua organização independente em aliança com a classe trabalhadora, devem estar ligadas à luta por emprego, moradia, saúde, cultura e lazer dignos para a maioria esmagadora da população, que é explorada e oprimida, e que sabemos ser na sua maior parte negra.

Em ultima instancia, ser acrítico na questão das cotas raciais é assumir uma posição que reproduz a opressão racial e a miséria do povo negro com algumas migalhas a mais. É necessário termos uma estratégia que de fato leve à emancipação do povo negro, subordinando as lutas parciais pelas reivindicações mínimas a essa estratégia. Os negros não podem confiar em um Estado que garante a reprodução da pobreza e da violência contra os negros para garantir a dominação da elite branca.

As cotas, além de um desvio, são a única resposta parcial e degradada que o capitalismo brasileiro pode conceder, posto que é um sistema de superexploração que para garantir os lucros patronais e o saque imperialista não pode sequer desenvolver o país, massificar e universalizar a educação pública e gratuita tanto no nível básico, médio e superior e garantir um nível de desenvolvimento social capaz de integrar o povo negro como “cidadão” digno. Enquanto houver capitalismo haverá racismo, mas o movimento sindical, a esquerda e os revolucionários devem se colocar na linha de frente da luta pelas demandas do povo negro, ainda que sejam parciais como as cotas, buscando constituir uma verdadeira aliança classista e revolucionária entre operários brancos e negros para encarar a superexploração dos negros e a violência racista e policial como parte da estratégia de combate ao conjunto do Estado capitalista e seu sistema econômico de exploração da maioria da população para satisfazer os interesses voluptuosos de uma minoria de parasitas burgueses.

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