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O governo Lula, o agronegócio e a questão agrária

01 Jul 2008   |   comentários

O Brasil tem sido apreciado nos noticiários internacionais pelos
analistas das grandes agências imperialistas como um “modelo” dentre os chamados “BRICs” (sigla utilizada para denominar os quatro principais países considerados “emergentes” , formada pela primeira letra de cada um deles: Brasil, Rússia, Ã ndia e China). Uma das principais bases em que se apóiam é na projeção internacional
do agronegócio brasileiro, desde onde destacam-se alguns dos principais “players” mundiais, nome dado às principais multinacionais de determinados ramos da economia. Vejamos a seguir as bases em que se assentam essa que é uma das importantes fontes de auto-propaganda do governo Lula.

Os próprios intelectuais que historicamente se constituíram como ideólogos do PT e hoje apóiam o governo são obrigados a criticar a política de Lula para o campo. Segundo Ariovaldo Umbelino, considerado um dos principais especialistas em questão agrária por toda a esquerda: “O PT sempre defendeu em seus programas a reforma agrária, mas agora que está no governo não a faz. Isso é um paradoxo, que se explica pelo fato de que a estratégia do governo durante o primeiro (...) trazia uma concepção sobre o campo e sobre a reforma agrária de José Graziano da Silva, assessor especial de Lula” [1].

Bernardo Mançano, pesquisador e ideólogo do MST, considerado outro dos principais especialistas no tema, assim define a “concepção sobre o campo” à que Ariovaldo se refere: “Na década de 1990 surgiu uma nova corrente teórica a respeito do problema agrário. Essa corrente, denominada de ”˜paradigma do capitalismo agrário”™ (ABRAMOVAY, 1992), procura desconsiderar a existência da questão agrária (...) A partir desse ponto de vista, a compra de terras por meio de políticas do tipo ”˜Banco da Terra”™, com apoio do Banco Mundial, pode ser uma saída para o problema agrário. Outras políticas agrícolas determinadas pelo mercado e integração ao capital, por meio do agronegócio, incorporando a ”˜agricultura familiar”™, passaram a ser bem vistas por diversos setores da esquerda e da direita, fazendo parte também dos discursos de parlamentares do PT” [2].

Naturalmente que Lula e o PT, para manterem sua capacidade de conter e desviar a enorme disposição de combate dos camponeses pobres, além de contar com o apoio da direção do MST, fazem enorme propaganda de uma farsesca “reforma agrária” . Mas esta, nos quatro primeiros anos de governo assentou pouco mais de 100 mil famílias, quando o Plano Nacional de Reforma Agrária mandava assentar 400 mil. O governo diz que assentou 381 mil famílias. Mas olhando os dados de perto, vemos que estranhamente estão contabilizadas famílias assentadas na época de Getúlio Vargas (!), em 1942. Lula engana transformando simples regularizações de assentamentos em períodos anteriores em assentamentos do seu governo.

Parte do conjunto da estratégia do governo para lidar com o problema agrário reside nos planos assistenciais destinados a atenuar as condições de miséria dos setores mais pobres da população, que recebem salários de fome ou diretamente não conseguem ser incorporados à produção. Basta comparar os gastos assistencialistas do governo com seus subsídios ao agronegócio para desmascarar a falácia da propaganda oficial. Ao programa Bolsa-família, serão destinados em 2008 um total de R$ 11,9 milhões. Ao recém lançado programa “Territórios da Cidadania” , o qual Lula fez questão de reivindicar como “a política mais perfeita que já foi elaborada no plano social” , serão destinados também em 2008 R$ 11,3 milhões. Enquanto isso, apenas em maio deste ano, Lula destinou R$ 75 bilhões das verbas públicas para “perdoar” as dívidas do agronegócio. Ou seja, as duas “meninas dos olhos” de Lula, seus “programas sociais” prediletos, somadas são equivalentes a não mais que 0,03% de seu “perdão” às dívidas do agronegócio.

Para tentar “lavar a cara” frente aos dados inquestionáveis que mostram o caráter de classe de sua política agrária, Lula também brada como “grande aporte” de seu governo o chamado Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), como se este estivesse a serviço de melhorar as condições de vida dos camponeses pobres. Entretanto, “Se olharmos, ademais, o Pronaf do ano passado, vemos que só as faixas mais altas tomaram dinheiro; caiu brutalmente a tomada de dinheiro pelas faixas mais baixas ’ ou seja, os agricultores mais pobres” [3].

A outra “face vil e cruel” ’ ou de classe ’ da política agrária de Lula, que pouco se conhece em função das direções pelegas dos sindicatos rurais e da CUT que são completamente vendidas à patronal e ao governo; mas que também pouco ou nada é mencionada pelos intelectuais que, mesmo críticos à reforma agrária de Lula, são defensores de uma reforma agrária nos marcos do capitalismo, diz respeito às condições de trabalho no campo. De acordo o IBGE, em 2005 o salário médio de um trabalhador rural permanente era R$ 472,37; e o salário médio de um operário rural com regime de trabalho temporário era R$ 296,55; sendo que apenas 32,1% dos trabalhadores rurais tinham carteira assinada.

Essas são as bases fundamentais dos R$ 9 bilhões de lucros registrados apenas pelas 50 empresas mais lucrativas do agronegócio em 2007; e são ao mesmo tempo parte importante das bases em que se assenta toda a verborragia do governo de que o Brasil é agora “um grande competidor” no agronegócio internacional. Não por acaso, das 100 maiores empresas de agronegócio que atuam no país, 38 são de capital majoritariamente estrangeiro, sem contar as participações minoritárias [4]. É o capital imperialista se instalando nas terras brasileiras para usufruir todas as benesses e privilégios proporcionados pelos governos entreguistas e pela superexploração no campo.

Em síntese, a política agrária do governo Lula pode ser explicada como: tudo para o agronegócio, superexploração do trabalho rural, anexação dos setores mais altos da “agricultura familiar” ao sistema produtivo do agronegócio, migalhas de assistência social e farsesca “reforma agrária” para os camponeses pobres que ficam de fora desse “esquema” , entrega das riquezas agrárias do país ao capital imperialista e destruição das reservas naturais do país através do desmatamento.

Uma polêmica necessária com o MST

Não é à toa que os intelectuais do MST pouco ou nada elaboram sobre a superexploração dos trabalhadores no campo. Esse “esquecimento” na verdade esconde que dentro da chamada “agricultura familiar” , que responde por 60% da força de trabalho empregada na agricultura ’ ou seja, cerca de 14 milhões de trabalhadores ’, se encontra boa parte deste trabalho superexplorado, pois os pequenos e médios empresários do campo que aí se inserem, por estarem submetidos à competição no mercado capitalista, não vão explorar menos que o agronegócio.

Calar-se diante da exploração a que estão submetidos os 60% de trabalhadores empregados na “agricultura familiar” é uma conseqüência da estratégia do MST de buscar aliados entre setores capitalistas descontentes com o neoliberalismo. É por isso que conselheiros do MST como Ariovaldo Umbelino, apesar de todas as críticas que faz ao governo Lula, quando questionado sobre a necessidade do MST romper com Lula, expressa a real estratégia do movimento: “Não se trata de romper com o governo, mas sim de continuar com o processo de luta que os movimentos sociais sempre utilizaram, e que se define na célebre frase ”˜bate e assopra”™” [5]. O que mostra que a propaganda da revolução que fazem setores do MST como Gilmar Mauro, na prática concreta do movimento e em sua estratégia mostra-se mero discurso para cobrir pela esquerda uma prática política que vergonhosamente se matem a reboque do governo Lula, buscando os setores “progressistas” da burguesia que o stalinismo e o PT nunca conseguiram encontrar.

É necessário distinguir dentre os camponeses os setores que exploram o trabalho assalariado e os setores que não exploram. Os aliados dos camponeses pobres devem ser os 23 milhões de assalariados rurais e os mais de 50 milhões de assalariados urbanos, em luta contra todos os setores capitalistas.

A base dessa aliança não pode ser meramente a luta pela desapropriação de terras devolutas do estado e terras improdutivas do capital privado, como coloca o MST. Esse era o programa que já nas décadas de 50/60 Jango e o PCB defendiam como uma “reforma agrária” a ser conciliada com o grande latifúndio e que com o golpe de 64 se mostrou como uma falácia histórica. É necessário lutar pela expropriação do agronegócio sob controle dos trabalhadores, que ao mesmo tempo proporcione milhões de empregos no campo, garanta alimentos baratos para a cidade e terras produtivas para os camponeses pobres que nelas queiram plantar ou morar. Este é um programa inseparável da estratégia de destruição do Estado burguês. As Ligas Camponesas nas décadas de 50/60, com seus métodos de guerra civil, deram um importante ’ ainda que insuficiente ’ passo nesse sentido, que lamentavelmente o MST não busca resgatar.

A Conlutas, em seu I Congresso, não pode se restringir a exigir que o MST rompa com o governo Lula. Deve fazer um chamado a que o MST reveja sua estratégia, propondo um programa e uma estratégia de independência de classe que unifique trabalhadores e camponeses pobres contra a burguesia.

No “Esboço das teses sobre o problema agrário para o II Congresso da Internacional Comunista” , Lênin diz claramente que são “as massas camponesas trabalhadoras que o proletariado das cidades deve conduzir ao combate” . Ou seja, “o proletariado agrícola” , “os semi-proletários e camponeses que trabalham na qualidade de operários contratados em diversas empresas (...) ou cultivando um pequeno pedaço de terra próprio ou arrendado e que não lhes produz mais que o mínimo necessário para sobreviver com suas famílias” ; “Os pequenos proprietários, (...) que possuem ou arrendam pequenos lotes de terras e que podem trabalhá-los e satisfazer a suas próprias necessidades e as de sua família, sem necessidade de contratar trabalhadores assalariados” .

[1Entrevista de Ariovaldo Umbelino para o Correio da Cidadania em 02/05/07; “Ariovaldo Umbelino: sem enfrentamento, não haverá reforma agrária” .

[2“Vinte anos do MST e a perspectiva da reforma agrária no governo Lula” ; Bernardo Mançano Fernandes. Texto apresentado na mesa redonda “Reforma agrária e movimentos sociais no campo” , do II Simpósio Nacional de Geografia Agrária / I Simpósio Internacional de Geografia Agrária, realizada no dia 7 de novembro de 2003.

[3Entrevista de Ariovaldo Umbelino para o Correio da Cidadania em 21/05/07; “Ariovaldo Umbelino: soberania alimentar requer rompimento com o agronegócio” .

[4Dados extraídos do Anuário do agronegócio publicado pela Editora Abril na revista Exame em junho de 2008.

[5Entrevista para o Correio da Cidadania em 02/05/07 citada acima.

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