Sexta 26 de Abril de 2024

Nacional

O governo Lula

05 Mar 2003 | Há dois meses e meio de governo Lula, as aspirações que os trabalhadores nele depositaram começam a ser frustradas, pois ao invés de atender às demandas de emprego, saúde, educação e moradia, o governo tem feito tudo ao contrário. Foram tomadas medidas que têm um forte impacto em toda a população, e que se já não estamos sentindo, sentiremos na pele mais cedo ou mais tarde. Mas os efeitos dessas medidas vão na contramão das expectativas dos milhões de trabalhadores que votaram em Lula. Nessa matéria pretendemos discutir as primeiras ações do governo e a relação que essas têm com nossa vida, e também o que devemos fazer diante disso.   |   comentários

Um brutal corte no orçamento

O orçamento é uma previsão de todas as despesas e investimentos que o governo vai fazer neste ano que entra. O dinheiro para essas despesas vêm dos impostos que são descontados diretamente em nossas folhas de pagamento, nos impostos que pagamos indiretamente em todos os produtos que consumimos, e no imposto sobre a renda que é pago uma vez por ano. É com esse dinheiro que o governo tem que investir em educação, em saúde, em moradia, no transporte público, na alimentação etc. Mas o governo, ao invés de ser direcionado a atender as necessidades da população, usa esse dinheiro para pagar a maldita dívida externa, que é a dívida com os capitalistas dos países imperialistas como EUA, Europa e Japão e com as instituições que representam esses capitalistas como o FMI e o Banco Mundial. A orientação que vem sendo implementada pelos governos anteriores como o de FHC e que agora é implementada por Lula é a de cortar o máximo possível nas áreas sociais e todo outro tipo de investimentos feitos no país para pagar a dívida externa. Os governantes sempre dizem que não há dinheiro para aumentar o salário mínimo e para atender todas as necessidades básicas do povo pobre. O novo governo cortou R$ 14 bilhões do orçamento de 2003 para dar aos capitalistas internacionais! E desses R$ 14 bilhões, R$ 5 bilhões foram cortados dos ministérios responsáveis pelos investimentos sociais!

Esse corte no orçamento, além de reduzir as verbas para os programas sociais do governo, reduz as verbas para as despesas básicas do governo com educação, saúde, transporte e moradia. Mais do que isso: demonstra que o governo não quer gastar dinheiro para gerar empregos. Muito pelo contrário, essa política terá como conseqüência certa a demissão de servidores públicos e o aumento da exploração dos que continuarem trabalhado, pois terão que passar a fazer o trabalho dos que foram demitidos. Tudo isso é retirado dos trabalhadores e transferido para os bolsos dos capitalistas mais ricos do planeta. E o pior é que os trabalhadores e o povo pobre não temos nada haver com essa dívida gigantesca. A verdade é que nunca vimos a cor desse dinheiro. Todos esses empréstimos foram diretamente ou indiretamente para o bolso dos patrões que exploram os trabalhadores aqui no Brasil. Foram empréstimos para que eles pudessem investir em suas empresas e aumentar seus lucros enquanto os salários continuam a miséria de sempre.

O corte das conquistas históricas dos trabalhadores

Ao longo de sua história, o movimento operário, nas diversas lutas que travou para melhorar suas condições de vida, obteve diversas conquistas. Essas conquistas estão expressas nos direitos que hoje possuímos, como décimo terceiro, férias, fundo de garantia, seguro desemprego, licença maternidade, jornada fixa de trabalho etc. A reforma nas leis trabalhistas que o governo insiste em implementar o quanto antes tem como objetivo retroceder nessas conquistas retirando parte delas e flexibilizando outras.

Se os servidores públicos hoje ganham de aposentadoria o mesmo salário que recebiam enquanto ainda trabalhavam, é fruto de uma conquista que esses tiveram em suas lutas.

A reforma da previdência que o governo quer implementar tem como objetivo retirar essa conquista dos servidores públicos e fazer com que eles passem a receber de aposentadoria a mesma miséria que os trabalhadores que trabalham em empresas privadas recebem quando se aposentam. Ao invés de fazer com que o conjunto dos trabalhadores passe a se aposentar como os servidores públicos, melhorando as condições da velhice de todos, o que o governo pretende é fazer com que os servidores diminuam suas aposentadorias. Quando o governo diz que seu objetivo é retirar os “privilégios” dos servidores, é pura falsidade, pois a minoria que compõe o alto escalão do governo continuará formando suas fortunas com seus salários milionários e com a corrução do dinheiro público. Os prejudicados serão a maioria dos servidores que são superexplorados e não ganham um salário que possa cobrir suas despesas mínimas.

Os trabalhadores e o povo pobre somos quem pagamos a enorme maioria dos impostos. Não só diretamente na folha de pagamento, mas também indiretamente em tudo o que compramos, desde os gastos com alimentação, passando pelos gastos com moradia até os gastos com saúde. Sobre o preço de custo desses produtos é acrescido um percentual que fica com o governo. Como se não bastasse o enorme aumento da carestia de vida, subproduto da inflação, o governo quer aumentar os impostos que a população paga sobre o consumo para poder diminuir os impostos que os patrões pagam sobre a produção. Isso é um dos significados da reforma tributária que o governo batalha para implementar o mais rápido possível. De novo prejudicar mais a população para favorecer mais os patrões!

Por quê o governo Lula toma essas medidas?

É impossível que o governo Lula atenda ao mesmo temos aos interesses dos trabalhadores e aos interesses dos capitalistas. Quanto mais o trabalhador produz com o menor salário possível, maior é o lucro dos patrões. Quanto maior o salário dos trabalhadores e quanto mais amplos são seus direitos, menores são os ganho dos patrões. Quanto mais se corta os gastos do governo com necessidades da população, mais dinheiro sobra para repassar aos capitalistas estrangeiros. Essa é a realidade da sociedade em que vivemos. Uma sociedade que vive em crise constante, e que acaba sempre pagando a crise são os trabalhadores.

O governo Lula fez uma opção política. Sua opção foi se aliar com o vice-presidente José Alencar, com presidente do Banco Central Henrique Meirelles, com o ministros Furlan, com o ministro Amorim e com muitos outros. No amplo leque de alianças do governo, parte dos capitalistas mais poderosos do país estão diretamente presentes ou indiretamente representados.

As empresas instaladas no Brasil e o governo vivem uma situação em que os investimentos estrangeiros vêm diminuindo cada vez mais no decorrer dos últimos dois anos, não só pela crise económica internacional e pelo perigo de guerra, mas também pela resistência que os trabalhadores estão impondo no conjunto da América Latina, onde as lutas em países como Argentina, Venezuela e Bolívia ameaçam diretamente os investimentos estrangeiros que foram feitos na região nos últimos anos. Se essa tendência se acentua, as empresas aqui instaladas e o governo podem se ver impossibilitados de pagar suas dívidas. Por isso o governo corta o orçamento. Ou seja, para incentivar a entrada de dinheiro estrangeiro no país e beneficiar os capitalistas que são seus aliados. É também por esse motivo que o governo quer diminuir a aposentadoria dos servidores públicos. Como o dinheiro para pagar as aposentadorias sai dos cofres públicos, passa a ser necessário tirar dos servidores para pagar a dívida externa.

Para que os capitalistas brasileiros e estrangeiros que possuem suas empresas instaladas aqui no país consigam exportar produtos que possam competir com as empresas dos outros países no mercado mundial, eles precisam reduzir seu custo de produção. A reforma trabalhista que o governo quer implementar tem esse objetivo. Cada direto retirado ou flexibilizado do trabalhador significa uma diminuição no custo que o capitalista tem para tornar os produtos mais baratos. Enquanto os ganhos dos capitalistas aumentam, os dos trabalhadores diminuem.

O governo diz que é necessário que os trabalhadores se sacrifiquem para que o país possa “crescer” . Mas esse “crescimento” não pode se dar às custas de uma maior exploração dos trabalhadores! Além disso, frente à crise económica internacional e o perigo eminente de guerra, se o Brasil aprofunda sua crise económica, os capitalistas que estão aliados com o governo não irão querer perder seus ganhos. Pelo contrário, irão querer ataques ainda maiores aos trabalhadores. Eles tentarão impor maior diminuição do salário, mais demissões, mais cortes orçamentários etc.

O que devemos fazer frente a essa situação?

Milhões de trabalhadores, camponeses sem-terras, amplos setores da juventude e do povo pobre votaram em Lula na esperança de que ele pudesse satisfazer suas justas aspirações de melhoria das condições de vida. Mas os explorados e oprimidos da sociedade não podemos esperar nada da burguesia e nem do governo Lula na medida em que este está a serviço dos burgueses. Isso pelo simples motivo de que temos interesses opostos, inconciliáveis. E também não podemos esperar nada da burocracia sindical e dos partidos que decidem se aliar com a burguesia porque isso significa abandonar os interesses dos de baixo e passar e defender os interesses dos capitalistas. O PT é a maior prova disso. É um partido que surgiu de dentro das grandes lutas que os trabalhadores travaram no final da década de 70 e início dos anos 80, mas que optou por se aliar com a burguesia e que passou a defender seus interesses. E isso não acontece só agora que o PT está no governo. Durante o período FHC, frente a todas as crises políticas do governo, o PT foi o grande defensor dessa falsa democracia em que vivemos, contendo as tendências dos trabalhadores a ganharem a luta direta nas ruas e canalizando suas insatisfações para o processo eleitoral. Nos sindicatos, negociou milhões de demissões e flexibilizações trabalhistas, como nos metalúrgicos do ABC. Nos estados onde governa, como o Rio Grande do Sul, já vinha há alguns anos mostrando seu verdadeiro objetivo quando derrotava a greve dos professores estaduais (punindo-os com o corte de ponto) e taxava os aposentados enquanto dava milhões para que as multinacionais lá se instalassem. Isso sem falar na Marta, pois sentimos na pele o aumento do IPTU, o aumento do transporte público, o corte no orçamento para a educação e a criação de novas tarifas como a do lixo, enquanto nada muda no desemprego e nos baixos salários.
Nós devemos tirar uma grande lição dessa experiência de adaptação do PT às classes dominantes. Isso tem que servir para compreendermos a necessidade de agirmos e de nos organizarmos de forma independente da burguesia, de forma independente de qualquer governo de plantão a serviço dos patrões, como é o caso de Lula, e de forma independente dos burocratas sindicais que traem os interesses da classe trabalhadora como é o caso do PT. É necessário lutarmos por organismos em que os próprios trabalhadores decidem e onde os próprios trabalhadores implementam suas decisões. Ou seja, organismos em que os trabalhadores e o povo pobre determinem sua própria vida. Temos que criar organismos deste tipo nos locais de trabalho, de estudo, nos bairros, nas favelas, no campo. Só através desses organismos é que podemos lutar conseqüentemente por nossos interesses.
Devemos nos mirar nos exemplos mais avançados de luta que existem no mundo para nos orientar. Na vizinha Argentina os operários da fábrica de cerâmicas chamada Zanon e as operárias da fábrica têxtil chamada Brukman ocuparam as fábricas e passaram a produzir por conta própria. Eles criaram comissões internas de controle da produção, das questões financeiras e administrativas, das questões políticas etc. As decisões são tomadas coletivamente nas comissões e nas assembléias diretamente pelos trabalhadores. Essas fábricas estão sob controle operário funcionando sem os patrões há mais de um ano, garantindo a subsistência de seus trabalhadores de forma muito mais digna do que era antes e ainda por cima gerando empregos. Mas essa enorme vitória para o movimento operário de todo o mundo não foi conseguida sem muita luta, e eles ainda não pararam de sofrer constantes repressões por parte da polícia e da burguesia. Os trabalhadores e trabalhadoras de Zanon e Brukman estão conscientes de que sua vitória ainda depende dos demais trabalhadores do país seguirem o seu exemplo. É por isso que eles impulsionaram uma coordenadora que procura reunir os sindicatos, comissões de fábrica, movimentos de desempregados e outras entidades que queiram impulsionar essa luta em defesa dos interesses da classe operária.

É a unificação dos organismos de auto-organização dos explorados e oprimidos nos bairros, nas cidades, nos estados e no país que pode nos dar força suficiente para que os trabalhadores, aliados com os camponeses e com o povo pobre, possamos construir uma sociedade sem exploração. Uma unificação nacional dos organismos em que os trabalhadores se auto-determinam faz com que a burguesia se torne desnecessária. Célia, uma operária de Bukman, em uma entrevista dada recentemente, lançou a seguinte pergunta: “Se podemos governar uma fábrica dessa forma, por que não podemos fazer o mesmo com o país?” .

Artigos relacionados: Nacional









  • Não há comentários para este artigo