Sábado 4 de Maio de 2024

Nacional

BRASIL

O combate ao discurso dominante e ao papel do PT em sua legitimação

12 Aug 2010   |   comentários

Lula transmite a idéia de que o Brasil hoje é um país economicamente mais independente, baseado em um mercado interno com forças próprias, e politicamente mais soberano, com um desenvolvimento nacional sustentado, com distribuição de renda e inclusão social. A campanha de Dilma exalta esse discurso e promete “seguir avançando no mesmo sentido”. Serra, com seu slogan “o Brasil pode mais”, parte de reconhecer ditos “avanços” e vender a idéia de que é o candidato mais capacitado para melhorá-los. Marina, com seu projeto de “unir o melhor do PSDB e do PT”, também parte de reivindicar o que seriam os “avanços” de FHC e Lula.

Se o desenvolvimento do mercado interno significa de fato maior independência, por que o governo eleva as taxas de juros alegando a necessidade de “conter o excesso de demanda interna”? Um “projeto nacional e popular de desenvolvimento” que coexiste com a presença cada vez maior do capital estrangeiro no país e uma crescente concentração da economia nas mãos dos grandes monopólios? Que mecanismo é esse que considera como “grandes avanços sociais” as melhorias de vida dentro de uma estrutura econômico-social baseada na generalização e na naturalização do trabalho precário (informalidade, terceirização, rotatividade) e no desemprego em massa, inseparáveis da pobreza estrutural, das favelas, das enchentes etc.?

Uma economia mais independente ou mais subordinada?

Os principais argumentos difundidos pelo governo para sustentar a tese de que o Brasil estaria economicamente “mais independente” na sua relação com o capital imperialista são: a) o desenvolvimento do mercado interno, que teria adquirido motores próprios; b) a diminuição do vínculo da dívida pública em relação ao dólar ao ponto de que hoje o Brasil tem mais créditos a receber do que dívidas a pagar em moeda estrangeira; e c) o acúmulo de reservas de dólares nas mãos do Banco Central, que hoje totalizam 253 bilhões nessa moeda, dando certa margem de manobra para o governo lidar com eventuais crises que provoquem uma rápida saída de capitais estrangeiros do país.

Todos esses fundamentos são, de fato, verdadeiros. Entretanto, só uma visão completamente unilateral e superficial da realidade pode apoiar-se neles para acreditar que o vigor do mercado interno brasileiro poderia servir como um “contra-peso” ou um mecanismo de compensação sustentável frente a uma queda na demanda de commodities por parte de China, o que implicaria em uma queda do preço e do volume das exportações de produtos primários em que o Brasil vem se especializando. O mesmo podemos dizer em relação à existência de maior ou menor capacidade das finanças do Estado de administrar de forma sustentada uma fuga de capitais do país.

O falso otimismo dos petistas e economistas burgueses é alimentado pela forma como o Brasil saiu rapidamente da crise que se abriu após a quebra do Lehman Brothers em outubro de 2008, assumindo um papel de destaque entre os países que retomaram uma dinâmica de crescimento. De fato, vários indicadores mostram como a intervenção do Estado na economia, através da facilitação do crédito e dos subsídios ficais (redução do IPI) para a produção de carros e eletrodomésticos, cumpriu um papel importante na recuperação da economia. Outros indicadores mostram como o aumento do salário mínimo e os programas assistenciais do governo cumpriram o mesmo papel em relação à manutenção do consumo dos setores mais pobres da população. Entretanto, esse falso otimismo subvaloriza ou diretamente não leva em consideração o papel cumprido pelos “fatores externos” para que realmente funcionassem esses “fatores internos”. Os pacotes de trilhões de dólares injetados pelos países imperialista para salvar as grandes instituições financeiras internacionais permitiram um rápido restabelecimento do fluxo de capitais estrangeiros para o Brasil. O pacote bilionário implementado pelo governo chinês para alavancar seus investimentos internos garantiu uma rápida retomada do preço e do volume dos produtos primários (commodities) exportados pelo Brasil. Sem esses “fatores externos” as medidas adotadas pelo governo não teriam o mesmo resultado, e algumas delas nem mesmo poderiam ter sido implementadas, pois o crédito interno não se restabeleceria, o saldo negativo no fluxo de capitais estrangeiros para o país seria muito maior, a recessão seria mais profunda e mais longa, as finanças do Estado estariam muito mais debilitadas para estimular a economia, a falta de dólares no país pressionaria a elevação do preço dessa moeda, as compra de produtos estrangeiros ficaria mais caras e pressionaria a elevação da inflação etc.

Por outro lado, esse falso otimismo só é possível na medida em que se fecham os olhos para as contradições estruturais geradas pela subordinação da economia nacional ao capital imperialista e ao crescimento chinês. O mercado interno que se desenvolve a partir desse impulso trás consigo características que agravam a relação de dependência:

1) Os capitais estrangeiros que entram geram um crescente aumento das rendas deles provenientes, que são devolvidas para suas matrizes no exterior através das remessas de lucros, juros e dividendos; que crescem em ritmo acelerado quando há crise em suas matrizes como em 2008 e agora em 2010 para a Europa.

2) A abundância de capital externo no país (alimentada também pelas exportações, que são pagas em moeda estrangeira) reduz o preço do dólar em relação ao real. Isso faz com que fique mais barato trazer determinadas mercadorias de fora que produzi-las internamente. O mesmo ocorre em relação a determinados serviços.

Essas características fazem com que o crescimento do mercado interno brasileiro venha acompanhado de uma crescente necessidade de capital estrangeiro para compensar as remessas de rendas para o exterior e para financiar o aumento da importação de produtos ou a compra de serviços lá fora, reproduzindo as relações de dependência.

DIAGRAMA 1(VEJA AO LADO)

GRÁFICO 1 (VEJA AO LADO)

Como se pode verificar no gráfico acima, a penetração do capital imperialista desde a implementação do Plano Real esteve acompanhada por um saldo cada vez mais negativo nas transações de rendas com o exterior. Após 2006/2007, o crescimento das importações mais acelerado que o das exportações faz o saldo positivo da balança comercial ser cada vez menor. E já a partir de 2004 observamos uma queda no saldo das transações de serviços. A combinação desses fatores dá lugar, a partir de 2006, a uma tendência de queda no saldo das chamadas “transações correntes”, que integram todos eles. Essa tendência vem se aprofundando ao longo de 2010, centralmente por causa dos recursos (lucros, dividendos, rendas, empréstimos) remetidos para a Europa em função da crise nesse continente. O Banco Central estima que até o final do ano o saldo negativo será o dobro de 2009.

GRÁFICO 2 (VEJA AO LADO)

Como se pode verificar no gráfico acima, o saldo negativo nas transações correntes precisa ser compensado por um saldo positivo superior na entrada de capitais estrangeiros através dos investimentos diretos e da especulação financeira para evitar um saldo negativo no resultado global de entrada e saída de dólares.

Após a quebra do Lehman Brothers, o fluxo de capitais estrangeiros para o país mudou de qualidade. Na nova fase de recuperação, a especulação vem cumprindo um papel cada vez mais importante que o investimento direto. A conseqüência disso é uma maior fragilidade, expondo o país mais rapidamente a crises externas. As reservas do Banco Central são incapazes de sustentar de forma prolongada essa contradição frente a uma saída de capitais.

Apesar da dívida pública ter sido desvinculada do dólar e vinculada ao Real, e apesar do crescimento econômico permitir ao governo apresentar a queda da proporção da dívida em relação ao PIB como uma “conquista”, o crescimento contínuo e vigoroso da dívida cobrará seu preço frente a novas recessões.

Ao contrário da tese do “descolamento” da economia brasileira em relação à economia internacional, o mesmo motivo que fez com que os impactos da crise da crise no Brasil se dessem de forma abrupta foram os que permitiram uma rápida recuperação: a orgânica relação do país com o capital financeiro internacional e as exportações de commodities. A visão falsamente otimista só é possível na medida em que se esconde essa relação de subordinação e as contradições estruturais que dela decorrem. Portanto, ela é inseparável da ilusão de que o pior da crise econômica mundial em curso já passou; e a desaceleração da economia chinesa ou um salto na crise européia tratará de demonstrá-lo.

Projeto “nacional-desenvolvimentista e soberano” ou monopólico e dependente?

Os principais argumentos que os petistas e setores da elite dominante utilizam para fundamentar o discurso de que o Brasil estaria retomando uma perspectiva de desenvolvimento nacional são: a) o maior peso de setores não-financeiros (indústria, agropecuária e serviços não-financeiros) na economia em relação à década de 90, com destaque para empresas controladas por capital nacional; e b) maior intervenção do Estado na economia através do BNDES e de grandes empresas estatais como a Petrobrás. E os argumentos em favor de uma maior soberania são: a) o aprofundamento de relações econômicas e políticas com países semi-coloniais e dependentes (as chamadas relações “sul-sul”); e b) as rusgas com os EUA em temas importantes da geopolítica mundial.

A sustentação desse discurso só é possível impondo artificialmente – pois deturpa o que de fato ocorre na realidade – uma separação entre o capital bancário, o industrial, do agronegócio e de outros serviços. Ao contrário, o Brasil é um país que, desde o ponto de vista da relação entre esses distintos tipos de capital, apresenta um significativo grau de fusão entre eles, conformando o capital financeiro no Brasil, que interliga o capital nativo, estrangeiro e estatal. Esta formação do capital financeiro também leva a uma elevada concentração de capital no país.

DADOS 1 (VER FIGURA AO LADO)

Apesar do esforço que fazem os intelectuais petistas para encontrar uma “burguesia produtiva e nacional”, supostamente contraposta a uma outra burguesia “financeiro e entreguista”, a demonstração mais evidente da inexistência dessa polarização reside na subordinação dos mais amplos setores dominantes à atual política econômica, salvo tímidos protestos que não chegam a transformar-se em luta política aberta. “(...) há indícios de que mesmo os industriais que perderam com a política econômica inaugurada no período Fernando Henrique – com poucas alterações no governo Luis Inácio Lula da Silva – não apresentaram nenhuma pressão significativa por mudanças no cenário descrito. Seus protestos parecem acontecer mais por “obrigação” do que realmente para reivindicar novos rumos para a economia. E o motivo para isso parece assentar-se no fato de que, mais do que nunca, a riqueza não vem mais quase que exclusivamente da produção e da geração de valor adicionado a cada etapa das cadeias produtivas, mas sim da circulação estéril de dinheiro no mundo financeiro. E tal movimento está disponível a qualquer capital líquido, mesmo que este tenha que ser subtraído à esfera industrial. (...) Dessa maneira, mesmo as elites proprietárias ligadas à produção de bens e serviços não-financeiros usufruem da enorme transferência de renda proporcionada pelo Estado endividado que paga, anualmente, volumes escandalosos de juros extraídos de recursos captados por uma carga tributária elevada. É sobre esse ponto que parece constituir-se um novo pacto de poder n Brasil: na divisão, entre as elites proprietárias, dos recursos que o Estado disponibiliza na forma de pagamento da dívida pública interna”. [1] Uma demonstração cabal dessa realidade se mostrou logo após a quebra do Lehman Brothers, quando a Sadia e a Aracruz, dois grandes monopólios brasileiros, quase foram à falência em função dos enormes prejuízos que tiveram com especulação financeira.

Em relação ao BNDES, dos R$ 168 bilhões destinados a transações contratadas de 2008 até junho de 2010, 57% foram destinadas a 12 grandes monopólios capitalistas. Dentre eles, dois são empresas estatais (Petrobras e a Eletrobrás) e dez são privados [2]. Juntamente com os repasses que recebem diretamente do BNDES, os monopólios são beneficiados com a participação do banco de fomento como sócio na composição de consórcios e fundos de investimento em empreendimentos na área de infra-estrutura, telecomunicações, energia. Além disso, benefícios indiretos são viabilizados também através dos milionários contratos de prestação de serviços com empresas privadas realizadas por parte de grandes empresas estatais como a Petrobrás, e ainda por sua elevada terceirização, que conta com cerca de 280 mil terceirizados frente a 70 mil funcionários efetivos da empresa. Sendo que a diferença entre os juros mais altos pagos pelo governo e os juros mais baixos do crédito repassado pelo BNDES é financiada com os impostos pagos pela população.

DADOS 2(VER FIGURA AO LADO)

Diferente de expressar maior “soberania” política do país, o avanço das relações com países não imperialistas e os maiores conflitos com os EUA estão a serviço dos interesses dos grandes monopólios que utilizam o Brasil como alavanca para se projetarem mundialmente ou na América Latina, reproduzindo as relações de dependência, sendo que em sua maior parte constituem empresas controladas por capital estrangeiro ou que têm este como sócio minoritário.

Nesse projeto de desenvolvimento associado à projeção internacional de monopólios que se alçam a partir do Brasil como um dos principais competidores mundiais em determinados ramos específicos da produção, cumpre um papel chave a especialização da economia nacional na produção de produtos primários (commodities), em relação aos quais as características naturais do país proporcionam vantagens especiais no mercado internacional. Entretanto, contraditoriamente, essa especialização tem contribuído para uma exacerbação do caráter desigual e dependente do parque produtivo nacional, pois na medida em que a vantagem comparativa desses produtos primários permite com que sejam vendidas no exterior com altos lucros mesmo estando o real mais valorizado em relação ao dólar, o mesmo não acontece com a maior parte dos produtos manufaturados, que precisam de um real mais desvalorizado para competirem com a tecnologia dos países imperialistas ou da China. Desta forma, salvo o caso da Embraer, que se beneficiou do investimento estatal em tecnologia militar, e as indústrias automotoras, subsidiárias de multinacionais imperialistas, o desenvolvimento da tecnologia de ponta no Brasil está essencialmente associada à cadeia produtiva dos produtos primários exportados (commodities), reproduzindo ou até mesmo agravando condições de dependência tecnológica em relação ao capital imperialista.

CARACTERÍSTICAS EXPORTAÇÕES (VER FIGURA AO LADO)

“Grandes avanços sociais” ou naturalização do trabalho precário e do desemprego em massa?

Os principais argumentos utilizados para fundamentar supostos “grandes avanços sociais” são: a) os 14 milhões de postos de trabalho criados segundo o governo; b) os programas assistenciais como o Bolsa Família; c) o aumento do salário mínimo; e d) ligado a todos esses e à abundância de crédito, o crescimento do consumo de baixa renda (que os intelectuais burgueses passaram a chamar “nova classe média).

Todos esses argumentos são de fato verdadeiros e implicaram em mudanças nas condições de vida de amplos setores da população. Entretanto, só uma visão completamente parcial, superficial e discriminatória pode considerá-las como “grandes avanços sociais”. E só com o objetivo claro de enganar o povo pode-se dizer que são mudanças estruturais, que vieram para ficar, e que vão seguir melhorando as condições de vida da população de forma lenta e gradual.

Mesmo com todo o crescimento econômico acumulado nos últimos 5 anos, mais de 6 milhões de pessoas ainda estão desempregadas, metade da população economicamente ativa ainda trabalha diretamente na informalidade e 68,8% dos assalariados recebem até dois salários mínimos, ou seja, a metade do mínimo necessário estipulado pelo Dieese conforme o previsto na Constituição. Com o crescimento do PIB de mais de 7% para este ano, o próprio governo prevê que serão demitidos e recontratados mais de 16 milhões de pessoas, como parte da rotatividade estrutural que caracteriza o funcionamento da economia brasileira. Essa é a realidade que está por trás dos “grandes avanços sociais” comemorados pelos petistas! Dados do próprio governo mostram que a maioria esmagadora dos postos de trabalho criados nos últimos anos são precários, submetidos às regras mais cruéis da terceirização, de alta rotatividade, baixos salários, retirada de direitos e super-exploração. São milhões de trabalhadores que se endividaram pela facilidade e que, frente aos novos impactos da crise econômica mundial que mais cedo ou mais tarde chegarão, serão as primeiras a perderem seus empregos, sofrerem com dívidas impagáveis e voltarem às condições em que viviam antes.

Essa perspectiva já se mostra a partir dos primeiros impactos da crise econômica que sofremos após a quebra do Lehman Brothers. Contra toda a propaganda governista que argumenta em favor de um processo estrutural e sustentado de distribuição de renda, o IPEA, órgão do próprio governo, demonstra que “(...) o movimento de recuperação da economia brasileira após a contaminação pela crise internacional transcorre fundado na forte elevação da produtividade do trabalho, sem acompanhamento, no mesmo ritmo, do aumento real do rendimento do trabalho e do nível de ocupação. Nesse contexto, a saída pós-crise internacional no Brasil tem favorecido mais os rendimentos dos detentores de propriedade (lucro, juros, renda da terra e alugueis). A conseqüência direta tem sido a redução relativa da participação do rendimento do trabalho na renda nacional”. [3]

A redução do desemprego, o aumento do salário mínimo e os programas assistências são inseparáveis do papel estrutural cumprido pelo trabalho precário no esquema de acumulação capitalista que vigora no Brasil desde a ofensiva neoliberal. Esse esquema, para se reproduzir, necessita da naturalização do desemprego em massa, da pobreza estrutural e do trabalho precário como características normais da sociedade, sujeita a melhoras e pioras conjunturais de acordo com os ciclos de crescimento ou declínio da economia.

GRÁFICO 3(VER FIGURA AO LADO)

O papel de Lula e do petismo na reprodução da ideologia dominante

Todos os fundamentos da ideologia dominante discutidos até aqui não cumpririam o mesmo papel sem Lula e do PT. O fato de ser um ex-operário de origem miserável quem vende a idéia de que as melhorias nas condições de vida que houveram nos últimos anos são o máximo que se pode conquistar é diferente de ser um membro tradicional da elite brasileira a realizar tal defesa. Na medida em que os intelectuais, jornalistas, dirigentes sindicais e populares que historicamente estiveram ligados à classe trabalhadora e aos movimentos sociais reproduzem o discurso dominante, este ganha uma legitimidade que não teria se o mesmo fosse feito apenas pela mídia e pelos partidos políticos tradicionalmente da burguesia.

Desta forma, coisas que deveriam ser tratadas como verdadeiros absurdos por qualquer individuo minimamente de esquerda são tratadas como naturais, como se fossem parte normal da realidade, como se não pudessem ser diferentes, como se não existissem, e até mesmo em alguns casos se transformam em algo maravilhoso e digno de ser exaltado. Assim, a reserva de dólares do Banco Central, que são uma poupança financiada com os impostos da população para salvar o capital imperialista em tempos de crise, é considerada uma “grande conquista” do país. Os pagamentos de juros e amortizações da dívida pública, que todo ano destinam mais de 30% do orçamento público para o capital financeiro, pelo simples fato de que não estão mais vinculados ao dólar e sim ao real, transformam-se num símbolo da “independência nacional”. A política do BNDES de favorecer os monopólios “amigos” do governo às custas do dinheiro público transforma-se numa grande política nacional-desenvolvimentista. A diplomacia a serviço dos interesses desses monopólios se transforma em grandes gestos de soberania. E, como o mais grave, as milhões de pessoas que saíram da miséria ou da pobreza absoluta por terem um trabalho precário ou receberem o Bolsa Família, ao mesmo tempo em que continuam habitando algumas das maiores e mais degradadas favelas do mundo, sofrem com as enchentes todos os anos e as filas de hospitais, são exemplos de “grandes avanços sociais” e são o símbolo de uma “nova classe média”.

Essas são demonstrações de como o PT assimila preceitos neoliberais dentro de sua própria ideologia, localizando-se ao lado do pacto elitista dos setores de classe média que foram beneficiados pelo acesso ao crédito e ao consumo de luxo, e que tratam o trabalho precário, o desemprego em massa e a pobreza estrutural como um “mal necessário”, que no máximo se pode “melhorar”. Esse é o pano de fundo que se encontra por trás da propaganda de que, elegendo a Dilma, seguirá uma melhoria lenta e gradual das condições de vida e do país. Mas também é o discurso que Serra e Marina tentam se apropriar, apesar de que sem Lula estão em pores condições para fazê-lo.

Um debate com a esquerda

As organizações que se dizem de esquerda, em distintos níveis e por distintos mecanismos, se adaptam ao discurso dominante.
O PSOL, por exemplo, se nega a lutar pelo não pagamento da dívida externa, substituindo esse programa pelo de auditoria da dívida. Este partido alimenta a ilusão de que uma “mudança na política econômica” nos marcos do capitalismo poderá responder às necessidades do povo. Assim, abandona a luta pelo salário mínimo do Dieese e não tem qualquer programa para responder às demandas dos setores mais precários da classe trabalhadora. Esse programa, que busca alianças entre setores burgueses descontentes com a situação atual, não só é incapaz de responder às necessidades dos setores explorados e oprimidos da população e aos problemas estruturais do país, como termina se adaptando à condições de subordinação do imperialismo e de naturalização do trabalho precário.

O PSTU, por sua vez, em alguns momentos defende bandeiras corretas como o não pagamento da dívida pública, a expropriação dos grandes monopólios capitalistas sob controle dos trabalhadores ou o salário mínimo do Dieese e por emprego para todos. No entanto, mistura estas consignas transacionais com a defesa de alguns elementos do programa burguês levantado pela FIESP e pelo PSOL como a redução dos juros. Esta situação é mais grave em sua atuação concreta nos sindicatos, onde se adapta ao regime sindical brasileiro limitando-se às rotineiras campanhas salariais.

Para forjar uma nova subjetividade, devemos lutar para que setores de vanguarda da classe trabalhadora levem à frente um programa capaz de responder às demandas mais sentidas da população explorada e oprimida e aos problemas estruturais do país numa perspectiva independente da burguesia. Para combater o trabalho precário, é necessário lutar pela incorporação dos terceirizados à empresas em que trabalham com direitos e salários iguais aos efetivos. Para acabar com o desemprego, devemos lutar pela redução da jornada de trabalho até que todos sejam incorporados à produção sem redução dos salários. O fim do trabalho precário e do desemprego deve assumir o sentido estratégico de unificar as fileiras da classe operária que foram divididas pelo neoliberalismo a partir da criação de trabalhadores de 1ª e 2ª classe. Da mesma forma, a luta pelo não pagamento da dívida pública, a expropriação dos monopólios capitalistas sob controle dos trabalhadores ou a reestatização das empresas privatizadas não pode ser apenas uma bandeira para a propaganda eventual. Esse programa só tem sentido se for agitado nos sindicatos e na luta de classes, de modo a cumprir um papel preparatório para os embates da luta de classes que estão por vir.

[1Atlas da nova estratificação social no Brasil – volume 3. Proprietários – concentração e continuidade. Cortez Editora, 2009.

[2Folha de São Paulo, 08/08/2010.

[3Comunicado IPEA Nº 47, “Distribuição funcional da renda pré e pós crise internacional no Brasil”, 5 de maio de 2010.

Artigos relacionados: Nacional









  • Não há comentários para este artigo