Quarta 8 de Maio de 2024

Teoria

SINTUSP

O Manifesto Comunista - Homenagem aos 160 anos de sua publicação

15 Nov 2008   |   comentários

Consideramos da maior importância os debates que foram propostos neste ano pela Secretaria de formação política do Sintusp, que como sabemos já realizou atividades sobre o legado de Trotsky após 68 anos de sua morte no mês de agosto e também sobre a fundação da IV Internacional (setembro). Isso coincide em grande parte com alguns dos objetivos também propostos por nossa organização, ou seja, introduzir novamente o debate marxista na classe trabalhadora e, em particular, o debate de estratégias da revolução.

Hoje a nossa contribuição para discutir os 160 anos do Manifesto Comunista de Marx e Engels, - e nem seria preciso dizer isso - uma das mais geniais obras escritas, é resgatar o seu legado a partir da tradição do marxismo revolucionário, que para nós parte da revolução russa de 1917 e tem continuidade na IV Internacional, ou pelo menos em seu período de formação.

Acreditamos que bastam, para verificar a vigência do pensamento de Marx e Engels e da nossa luta por reconstruí-lo para a atualidade, estas palavras de Lênin (que, não parece, mas foram escritas há exatos 100 anos em um texto chamado Marxismo e revisionismo):

Não há nada de estranho, pois, a doutrina de Marx que serve de forma direta à educação e organização da classe de vanguarda da sociedade moderna, que demonstra as tarefas desta classe e a substituição inevitável ’ em virtude do desenvolvimento económico ’ do regime atual por uma nova ordem, tenha tido que lutar para conquistar cada um de seus passos” .

Continua colocando que

a ciência e a filosofia burguesas ensinada pelos professores oficiais para ”˜adestra-la”™ contra os inimigos interiores e exteriores, nem quer ouvir falar do marxismo e o proclama refutado e aniquilado (...) que também é atacado pelos jovens estudantes que fazem carreira refutando o socialismo, como pelos decrépitos anciãos que conservam a tradição de todo tipo de ”˜sistemas”™ antiquados” . Conclui ele que “o marxismo sai mais forte, mais temperado e vivo de cada um de seus ”˜aniquilamentos”™ pela ciência oficial” .

Temos que ver que essa última afirmação, quando vemos a realidade do marxismo hoje, é ainda uma perspectiva a ser alcançada, pois apesar de muitos combates que travaram os trabalhadores no século XX, vivemos uma época que é fruto do intenso processo de derrotas do proletariado desde os anos 1980 e com o retrocesso subjetivo que se deu em nossas fileiras; ou seja, para que possamos pensar uma alternativa, é necessário ligar solidamente o marxismo e a classe operária.

Para isso, pensamos que a tarefa de recuperar o marxismo revolucionário ao apenas começar, já tem que se deparar com uma monstruosa crise mundial que certamente dará os contornos de um longo período da nossa história e que nos coloca numa posição de urgência, tal como os autores do Manifesto enfrentaram, criando uma estratégia da classe operária, em primeiro lugar nos processos de revoluções burguesas (1848, época do manifesto) ou melhor, no “já não mais” das revoluções burguesas e no “ainda não” das revoluções proletárias (termo de A Brossat).

Pois as nossas alternativas, nós marxistas as entendemos como estratégia. Para o pensamento militar, que o marxismo “roubou” termos desse tipo, a estratégia é a arte de combinar todos os elementos para vencer. Ou seja, nós revolucionários não participamos dos sindicatos, das eleições, das processos de luta como os que ocorreram na América Latina etc, só por participar, nem para criar alas de esquerda nos parlamentos, nem para criar novas direções nos sindicatos, nem somente para lutar nas lutas económicas, etc, mas sim para unir todos os meios no momento preciso para voltá-los contra a burguesia e impor a vontade dos explorados. Isso é estratégia para os marxistas.

Muito se fala e também quase todos sabem que o Manifesto é a expressão e a síntese teórica/política do pensamento de Marx e Engels. Pois, seguindo a minha reflexão, uso uma citação muito conhecida de Fernando Claudín, um estudioso destacado desse período e da obra de Marx e Engels, que sintetiza o sentido do Manifesto como: “os principais resultados a que tinham chegado Marx e Engels em sua reflexão teórica sobre a revolução social. [1]

Os dois ainda dirão no prefácio à edição alemã (1872) que o Manifesto nascia poucas semanas antes da revolução de fevereiro de 1848 na França, a qual Engels definiu como o primeiro embate claro da luta de classes entre a burguesia e o proletariado, ocorrido nas barricadas de Paris (prefácio ao Manifesto de 1888).

Nesse momento crucial da Europa, afirmavam quase sozinhos, que não somente “um espectro rondava a Europa” (o comunismo), mas que era necessário que uma pequena organização de vanguarda do proletariado preparasse uma perspectiva revolucionária para superar o capitalismo.

Nesse mesmo prefácio, escrito após a Comuna de Paris de 1871, afirmarão eles que

“Tendo em vista o imenso desenvolvimento da grande indústria nesses últimos vinte e cinco anos e, com ele, o progressivo desenvolvimento da organização da classe operária em partido; tendo em vista as experiências práticas, primeiro da revolução de fevereiro e depois, sobretudo, da Comuna de Paris, que pela primeira vez permitiu ao proletariado, durante dois meses, a posse do poder político, esse programa está agora envelhecido em alguns pontos. A Comuna, especialmente, demonstrou que ’a classe operária não pode simplesmente se apoderar da máquina estatal já pronta e colocá-la em movimento para os seus próprios fins’” .

Ou seja, se nas revoluções de 1848 que o Manifesto anunciava a perspectiva da revolução proletária, que era uma premissa, na Comuna de Paris os operários e operárias deram um passo ainda maior .Dez anos depois M/E anunciavam como hipótese os possíveis desenvolvimentos de uma revolução na Rússia (prefácio à edição russa de 1882).

Seguindo ainda Engels, “a história do Manifesto reflete em grande medida a história do movimento operário moderno; no presente é, sem dúvida, a obra mais difundida e mais internacional de toda a literatura socialista, o programa comum reconhecido por milhões de trabalhadores, da Sibéria à Califórnia” .

O que Marx e Engels viam como um prognóstico (em 1882) se transformou ’ ganhando um novo conteúdo ’ em história viva do proletariado mundial. A Rússia revolucionária de 1917 se colocou como o primeiro passo da revolução mundial. Os soviets de 1905, criados nos principais centros industriais do país não eram mais do que um desenvolvimento do que o proletariado francês havia organizado na Comuna de 1871.

A revolução russa de 1917 foi um desenvolvimento ainda mais profundo do que os marxistas russos chamaram de ensaio geral revolucionário de 1905. A unidade poderosa que se manifestava entre o pensamento dos fundadores do socialismo científico (termo de Marx e Engels) e os bolcheviques russos era enorme. Não a toa se conta de vez em quando o conhecido caso de Lênin, após a revolução de 1917, que dançava em praça pública após a revolução viver um dia a mais do que a Comuna de Paris.

A Revolução Russa e a história do Partido Bolchevique nos ensinou que a chave da discussão de um marxista revolucionário é aprender a arte de vencer. Não é possível mais hoje voltar ao Manifesto sem se referir ao processo que se deu na revolução russa, às decisões de seus congressos (Internacional Comunista) em seus primeiros anos.

Também não é possível entender o legado da revolução russa sem compreender que em seu seio poderosas divisões ocorreram entre uma ala que continuava o legado de Marx, Engels e Lênin e outra que era expressão do processo de burocratização e refluxo da revolução mundial, o stalinismo. Nesse sentido, a nossa perspectiva é que há que buscar essa poderosa unidade do marxismo também no legado teórico, político e estratégico de Trotsky e da IV Internacional.

Nesse sentido, a nossa homenagem aos 160 anos do Manifesto também se refere à revolução russa e ao seu legado. Somos obrigados a sempre discutir contra um senso comum, que é que a estratégia surgida dessa revolução seria uma estratégia anacrónica, fora de moda. Ora, agora há pouco eu afirmava que a revolução russa era expressão da poderosa unidade do marxismo até quase meados do século.... o que aconteceu?

Podemos dizer que a Revolução Russa deu lugar a uma estratégia, que é a estratégia da tomada do poder pela classe operária e da ditadura do proletariado. Mas, não podemos nos esquecer das grandes revoluções do século XX. Quero dizer que as estratégias e as táticas surgiram dos momentos de revolução dos séculos XIX e XX. Revoluções, como a Chinesa ou a Vietnamita, deram lugar a outras estratégias, a estratégia da guerra popular prolongada; e a análise da experiência da Revolução Cubana por Ernesto Guevara originou a estratégia do foquismo. Não podemos, pelo tempo restrito nos referir a cada uma delas, mas são bem ilustrativas na nossa visão. Posso me referir a uma tática transformada em estratégia que é participar nas lutas sindicais e nas eleições e defender como um horizonte um socialismo que não se luta para alcançar (muito praticada no Brasil); discutindo com Rosa Luxemburgo, Karl Kautsky denominou esta soma de táticas de "estratégia de desgaste".

Resumindo, há várias estratégias dos oprimidos e explorados. Homenagear a Revolução Russa significa ver se tem vigência ou não a estratégia que levantaram os bolcheviques , então desse ponto de vista quais são as condições para que uma revolução como a russa possa se dar. Ora, para os marxistas, a época de crises, guerras e revoluções, tal como definiu Lênin, ainda continua vigente. Para aqueles que não se convenceram disso após o século XX, basta esperar um pouco sentados confortavelmente e ver o desenvolvimento da atual crise capitalista mundial.

Alguns (ou talvez muitos), nos chamarão de dogmáticos por ler a história a partir de uma revolução ocorrida há 90 anos. Nós repetimos, estamos em uma época de crises guerras e revoluções... aconteceu na China, na Grécia, na França e na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, na Guerra Civil espanhola, na revolução portuguesa de 1974, nos países do Leste Europeu como revoluções políticas do proletariado. Ou seja, repetiu-se muitas vezes ao longo do século: "crises, guerras e revoluções", ou "crises e guerras", ou "crises e revoluções", em distintas combinações.

Para nós, a perspectiva do Manifesto, e do seu legado na história, pode vencer. Mas para isso, é necessário que todos os nossos esforços, e certamente os esforços de nossa organização se realizam nesse sentido, estejam vinculados a construção de um partido revolucionário, ou para utilizar um velho termo do Manifesto, a constituição do proletariado em partido que coloque a perspectiva comunista da nossa luta novamente no centro da história.

Obrigado.

[1Marx, Engels y la Revolución de 1848.

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