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Novo ENEM, nova Crise! O que está por trás dos erros da prova?

19 Nov 2010   |   comentários

“O ENEM foi um sucesso extraordinário”- Lula sobre a prova do ENEM nos últimos dias 06 e 07 de novembro.

Numa de suas obras, Marx recupera Hegel sobre os fatos da história repetidos geralmente por 2 vezes, e o complementa: “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. O novo ENEM criado em 2009 não se esquivou desse drama histórico, pelo já “velho” ENEM de 2010.

Ano passado foi o vazamento das provas demonstrando a incredibilidade do novo sistema de avaliação reformulado pelo ministro Fernando Haddad no Governo lula, esse ano se repetiu com a confusão dos cabeçalhos e milhares de reclamações de estudantes de todo o país que sofrem para entrar na universidade. Contudo, entre a tragédia e a farsa sempre existem os fundamentos, dentro os quais na perspectiva da burguesia brasileira é tentar solucionar uma crise que cada vez mais ruma para um beco sem saída. Afinal de contas, o problema do novo ENEM vai além de mera “falha humana” como tenta justificar Haddad apontando a responsabilidade da gráfica RR Donneley na impressão das provas. Se o problema fosse esse a solução seria fácil, muda-se de gráfica ou de impressora, no pior dos casos, de ministro[1].

O Vestibular como um dos pilares da crise da Universidade.

Historicamente a produção de conhecimento sempre esteve atrelada a cultura e ao desenvolvimento econômico e político das sociedades. E essas sendo marcadas pelo confronto inevitável entre as classes fazem com que o poder material se reproduza no poder das ideias, que na época moderna é traduzido pela hegemonia burguesa. Para manter a base dessa dominação se faz necessário a renovação de intelectuais capazes de tornar a exploração e a opressão dos trabalhadores e dos povos, em fórmulas teóricas universais. Nas palavras de Marx e Engels:

“As idéias da classe dominante são as idéias dominantes em cada época, isto é, a classe que é o poder material dominante na sociedade, simultaneamente é o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material, dispõe, com isso, dos meios de produção intelectual; assim, de um modo geral, as idéias daqueles que não dispõem dos meios de produção intelectual são subordinadas à classe dominante...”[2]

Todavia, essa manutenção de quadros para dar sustentabilidade ao regime abre uma contradição em tempos capitalistas , que simplesmente a elitização do meio acadêmico não responde aos interesses do mercado, pois esse ganancioso necessita de uma formação, pelo menos semi especializada, que lhe garanta uma maior fonte de lucro através da exploração da mão de obra assalariada. Isso combinado com o direito democrático, por vezes negado, da população cursar o Ensino Superior, faz com que atualmente no Brasil o vestibular seja um dos pilares da crise da universidade.

Para dar solução a essa crise, nos últimos 16 anos a burguesia, em síntese, apresentou 2 projetos: o privatista- legado da era FHC, com a criação da LDB (lei 9394/96) proliferando as universidades particulares, verdadeiras fábricas de diplomas para os setores da população que não conseguiam entrar nas universidades públicas; plasmado hoje pelo PSDB em SP na recém reforma universitária anunciada pelo REI-tor Rodas na USP visando fechar os cursos não rentáveis ao mercado- e o da expansão precária de Lula e do PT, que mantém o compromisso com os monopólios do ensino superior privado, ao mesmo tempo que aumentou relativamente as vagas nas federais aos custos da precarização da qualidade do ensino.

Esses dois projetos confluem para o mesmo princípio estratégico: manter elitizada uma excelência de ensino em poucas instituições , ao passo de tentar popularizar uma universidade precária para a maioria dos trabalhadores e do povo pobre. Somado a contradição não resolvida da existência do vestibular como um filtro social elitista, selecionando os que tiveram condições de arcar com um ensino médio particular em detrimento de quem cursou a abandonada rede pública, sendo um dos principais agentes de um ensino superior onde apenas 14% dos jovens têm acesso a universidade, com mais de 2/3 em particulares.

Da prova crítica a crítica das provas!

Ninguém melhor do que Lula para a burguesia tentar reverter essa contradição. Assim como fez com o ProUni e o Reuni, Lula demagogicamente vendeu a proposta do novo ENEM dizendo que seria o fim do Vestibular. Aproveitando-se eleitoralmente dessa retórica para se contrapor a direita tucana, Dilma em um dos debates na campanha disse: “Atacar o Enem é uma forma indireta de atacar o ProUni”.

O debate aqui não é fazer o jogo da direita como os petistas já eufóricos preparam sua resposta na ponta da língua. Não quer dizer ir contra os estudantes que prestaram o ENEM, muito menos os que entraram com Bolsa numa universidade particular (como fazem a direita Demo/tucana), significa acabarmos de fato com o vestibular e atacarmos os lucros dos capitalistas da educação que faturam em cima das mensalidades pagas e da isenção de impostos promovida pelo Governo, governo esse que deixa de investir em mais verbas a educação pública, gratuita e de qualidade.

Outro argumento colocado na defesa do Novo ENEM está no fato de ser uma prova “crítica” em contraposição a prova “decoreba”. Reformulando assim o caráter do Ensino Médio, pautando-o pedagogicamente na solução de problemas e não no vestibular. Uma abstração completa! Lembremos que o ENEM foi criado pelo ex ministro da educação na era FHC, o tucano Paulo Renato, e formulado dentro da lógica de sucateamento do Ensino Médio público, promovendo a política de privatização resultante nos baixos salários pago aos professores da rede pública e nas péssimas condições de ensino, cenário ao qual não mudou com a reformulação de Haddad no novo ENEM.

Há os que defendam também que o novo ENEM possibilita a mobilidade do estudante em escolher qualquer universidade dentro do território brasileiro por conta do padrão da prova ser unificado. Ainda que, comparado com a arcaica estrutura do vestibular tradicional isso apareça como uma vantagem, ao se deparar com a política de permanência do governo, o estudante que passou numa universidade fora de sua região dificilmente conseguirá arcar com a moradia, os custos da vida acadêmica, alimentação, transporte e em muitas vezes acaba abandonando a faculdade. O crescimento das vagas ociosas nas universidades federais chegou a 117% ano passado.

A democratização do acesso a universidade passa por rejeitarmos a prova crítica e fazermos a crítica da prova, acabando com o vestibular e com qualquer sistema de avaliação meritocrático que atenta contra a presença dos trabalhadores e o conjunto da população pobre no Ensino Superior.

Avançar nas mobilizações e fazer uma grande campanha pelo fim do vestibular e do ensino pago! Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade para toda a população!

Frente a crise aberta do novo ENEM os estudantes do Brasil inteiro não ficaram calados. Nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Curitiba e Recife, centenas de estudantes saíram às ruas para mostrar que as falhas expressam um problema mais profundo de acesso e democratização da universidade. Numa dessas manifestações, em Ribeirão Preto , os mais de 150 estudantes que faziam o protesto foram reprimidos pela PM mostrando qual é a verdadeira resposta do governo para as reivindicações estudantis.

Paralelamente a isso, o Governo federal conseguiu a liminar na justiça que garante a não suspensão da prova, tentando fechar o processo por cima, enquanto a UNE apoia essa decisão e defende apenas que os estudantes que se sentiram prejudicados realizem a nova prova (como a justiça agora também concedeu). Promovem essa política com a demagogia de que o novo ENEM estaria num curso gradual para o fim do vestibular. Como o atual presidente da entidade, Augusto Chagas, defendeu no último debate da MTV: “O Novo ENEM é o caminho para o fim do vestibular.” Uma mentira, já que a política educacional do governo Lula, que a UNE respalda, se mantém pelos acordos com os donos das particulares, pela regularização do ensino privado e ainda mantém intocável a arcaica estrutura do vestibular de Universidades como a USP, Unicamp e outras consideradas de excelência.

Por isso, a UNE é incapaz de fazer qualquer tipo de política para fazer avanças as mobilizações no rumo de questionar a atual condição de acesso a juventude na universidade. E por conta da oposição de esquerda da UNE, dirigida pelo PSOL, ser incapaz de fazer essa disputa pela política de legitimação dos seus fóruns. A ANEL que está a frente das principais mobilizações deve levantar uma ampla campanha pela democratização ao acesso a universidade, colocando como eixos centrais o fim do vestibular, a estatização das universidades particulares e a ampliação de vagas na universidade pública. Essa defesa não pode constar apenas nos artigos escritos, mas sim como real alternativa para os trabalhadores e a juventude pobre.

Mais uma vez o setor majoritário da ANEL (PSTU) foi para o debate da MTV, e apesar de fazer uma crítica a estrutura atual da Universidade, fraquejou novamente na hora de colocar um programa que acabe com a demagogia da UNE, deixa os governistas falarem em fim do vestibular , e apenas respondem contra o Novo ENEM com uma política abstrata de mais verbas a educação, sem entrar de fato no debate. Assim como saiu na declaração da ANEL, a defesa do fim do vestibular deve ser colocado como elemento central de uma grande campanha nas ruas, sendo uma das principais tarefas da jornada da unidade impulsionada pela ANEL e a OE da UNE e expressando no programa das chapas da ANEL para as eleições estudantis nacionalmente (também as unificadas com a OE da UNE).

Só avanço nas mobilizações nacionalmente, levantando uma campanha com esses eixos e estabelecendo um canal direto com os trabalhadores e o povo pobre é que conseguiremos dar uma resposta ao caráter elitista da universidade no Brasil.

[1] Sobre a especulação de Gabriel Chalita estar cotado para assumir a vaga de Haddad no governo Dilma, apesar do último ser o preferido de Lula.

[2] MARX, Karl e ENGLES, Friedrich. A Ideologia Alemã I. Trad. Conceição Jardim e Eduardo Lúcio Nogueira. Lisboa, Presença; Brasil, Martins Fontes, 1974. (Coleção Síntase).

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