Segunda 29 de Abril de 2024

Debates

UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIO COM O PSTU

Mais uma vez sobre o caráter de classe da polícia

10 Aug 2008   |   comentários

Desde o Encontro de Mulheres da Conlutas, ocorrido em março deste ano, que nós da Liga Estratégia Revolucionária ’ QI abrimos uma discussão com os companheiros do PSTU que é da maior importância para os revolucionários. Trata-se do debate sobre o caráter da polícia, de suas greves, e qual política os revolucionários devem ter frente a esta instituição repressiva do estado burguês. Sabemos que se trata de uma discussão polêmica, que a tradição petista reinante na década anterior impediu que fosse feita junto à classe trabalhadora, que foi educada no pacifismo por conta da política de suas direções. Entretanto, não podemos deixar de aprofundar o debate em torno desta questão.

O I Congresso da Conlutas poderia ter servido para discutir com os setores de vanguarda dos trabalhadores que aí estavam a necessidade de forjar uma nova tradição, que pudesse de fato preparar os trabalhadores para os novos embates da luta de classes que estão por vir. Mas ao contrário disso terminou, por conta da política da direção majoritária composta pelo PSTU, referendando o apoio à polícia, suas greves e a participação dos sindicatos de policiais na Conlutas. Num momento em que os operários precarizados da Revap acabam de ser duramente reprimidos pela PM, e que esta segue assassinando trabalhadores, negros, o povo pobre e até crianças, como recentemente aconteceu no Rio de Janeiro, o PSTU insiste em sua nefasta política de seguir dizendo aos trabalhadores que a polícia é parte da classe trabalhadora.

Infelizmente, no I Congresso da Conlutas uma das votações que a direção majoritária mais comemorou foi justamente a defesa da polícia. Felizmente, tivemos a oportunidade de discutir com setores minoritários, mas extremamente valorosos, que a despeito de não se reivindicarem trotskistas ’ como a direção do PSTU ’ tiveram uma posição mais principista em relação à polícia, negando-se a brindar-lhe o seu apoio. Seus fundamentos eram simples: sua própria experiência de lutas, que mostrou claramente o papel da polícia como mantenedor da ordem burguesa e repressor dos trabalhadores na luta de classes.
É para seguir este debate com todos os que integram a Conlutas, e todos os que aspiram à emancipação da classe trabalhadora e dos oprimidos deste sistema de miséria, que em nosso país assume um caráter terrivelmente assassino e racista garantido pela polícia, que apresentamos este artigo, no qual buscamos responder aos argumentos apresentados pela direção majoritária da Conlutas para defender a polícia.

Primeira inverdade: “Os policiais são trabalhadores”

Esta afirmação contém uma confusão que leva a posições equivocadas. A primeira delas é tratar os policiais como parte da classe trabalhadora devido ao fato de que teriam origem proletária. Aqui há que ressaltar que os policiais podem ter uma origem social proletária, o que entretanto de nenhuma maneira faz com que sigam parte da classe trabalhadora ao se tornarem policiais. Da mesma maneira que Lula tem origem social proletária, mas por sua política governa para a burguesia, o que o exclui como parte da classe trabalhadora. Em outras palavras, o caráter de classe dos policiais não se determina por sua origem social, mas antes pela função social que cumprem.

O trabalho do policial não é um trabalho como outro qualquer, já que sua atividade consiste em salvaguardar a propriedade privada e reprimir os trabalhadores e o povo pobre. Não se pode confundir o fato de serem assalariados com serem parte da classe trabalhadora, já que seu “trabalho” consiste em assassinar e reprimir os setores explorados e oprimidos da população. Quando se diz que a polícia existe para garantir a segurança, justificativa da burguesia para a existência deste aparato repressivo sem o qual seu domínio sobre os trabalhadores seria impossível, temos que entender que esta pretensa “segurança” é a dos detentores da propriedade privada sobre os que pouco ou nada têm. A “ordem” que a polícia garante é a “ordem” burguesa.

Trotsky, o grande revolucionário russo que comandou o exército vermelho na Revolução de 1917, escreveu em sua obra Revolução e Contra-revolução na Alemanha: “O fato de que os agentes da polícia tenham sido recrutados em grande parte entre os operários social-democratas não quer dizer absolutamente nada. Aqui também a existência determina a consciência. O operário que se torna policial á serviço do Estado capitalista é um policial burguês, e não um operário” [1].

Com esta discussão, Trotsky buscava combater a política da social-democracia alemã de negar-se a preparar a classe operária e sua autodefesa frente à polícia e aos nazistas, porque muitos policiais eram parte da socialdemocracia. Trotsky, antecipando as conseqüências desastrosas que esta política teria para a classe operária ao deixá-la desarmada e semear a confiança na polícia, retoma uma questão básica mas muitas vezes esquecidas até pelos que se reivindicam revolucionários: que a existência determina a consciência. Assim, ressalta que os policiais ao reprimirem os trabalhadores e a juventude assumem uma consciência burguesa, de repressores a serviço da burguesia.

Portanto, educar a classe trabalhadora de que os policiais seriam “inconscientes” do seu papel repressor, ou que também seriam “explorados” como “trabalhadores da segurança pública” é recair na prática nos mesmos erros contra os quais Trotsky advertia à socialdemocracia alemã na década de 30, e se deixar levar por uma concepção profundamente idealista, ignorando as determinações concretas que definem o caráter de classe da polícia. Se a consciência do policial socialdemocrata se caracteriza pela predominância do caráter “policial” sobre o “socialdemocrata” que dirá da consciência dos efetivos da PM, Bope, Polícia Civil e tantas outras hoje em que a violência policial bate índices históricos. De acordo com suas posições defendidas no Congresso da Conlutas, se existissem naquele momento é muito provável que a direção do PSTU teria tido acordo com a socialdemocracia alemã, e não com Trotsky.

Segunda inverdade: “As greves policiais desestabilizam o regime, portanto haveria que apoiá-las”

Este argumento, freqüentemente usados pela direção do PSTU para apoiar as greves policiais carece totalmente de uma perspectiva de independência de classe. Não negamos que as greves e paralisações policiais podem desestabilizar o regime. O problema é que esta desestabilização se dá pela direita, na medida em que os policiais ao fazer greve e reivindicarem aumentos salariais, ou ainda “melhores condições de trabalho” , em verdade estão reivindicando melhores condições para reprimir os trabalhadores e o povo pobre. Assim, por mais que as greves de policiais desestabilizem momentaneamente o regime, seu resultado é concretamente um fortalecimento do próprio regime na medida em que se aprimoram as condições sob as quais os policiais exercem seu ofício, isto é, a repressão e a defesa da propriedade privada.

Mas a questão mais de fundo reside num problema que já vimos discutindo em outras ocasiões com a direção do PSTU. Trata-se da ausência de um posicionamento ancorado nos princípios de classe frente a conflitos em que nenhum dos lados enfrentados corresponde aos interesses da classe trabalhadora. Numa greve policial em que este setor se enfrenta com o regime, os trabalhadores não devem tomar parte de nenhum lado, já que nenhum deles representa ou pode favorecer seus interesses de classe. Ou seja, não são todas as greves que devem ser apoiadas pelos trabalhadores. Por exemplo, a patronal faz greve, também conhecida como lock-out freqüentemente. Os lock-outs também desestabilizam os regimes, mas os revolucionários não os apoiamos, pois se tratam de mobilizações reacionárias, tais como as da polícia.

Assim, apoiar uma “luta” ignorando o caráter de classe de seus protagonistas é um erro que só pode levar a classe trabalhadora ao engano. Apoiar cegamente uma luta salarial da polícia sem ter em conta quais setores estão em sua linha de frente e com quais fins, nada tem a ver com a prática revolucionária delineada por Lênin e Trotsky, mas sim com uma concepção no melhor dos casos meramente sindicalista, incapaz de levar a classe trabalhadora e as massas a se preparar para os embates revolucionários que terão de travar para se emancipar do julgo da burguesia e de seus agentes.

Não se pode alimentar junto aos trabalhadores ilusões de que sua solidariedade para com as greves da polícia será posteriormente retribuída quando estes se mobilizarem contra a patronal e os governos. A brutal repressão aos operários da Revap mostra que os policiais não hesitam em cumprir suas funções nem por um segundo. De forma embrionária o enfrentamento entre os operários da Revap e a polícia mostra como a luta de classes engendra duas barricadas irreconciliáveis: a da burguesia, representada pela polícia, e a da classe operária. Cabe perguntar em qual delas se localizaria o PSTU. Neste sentido, o discurso de que “ambos os lados (polícia e operários) sofreram riscos” no enfrentamento da Revap [2], igualando a luta legítima dos operários à ação dos seus repressores é inadmissível.

Terceira: “Apoiar as greves policiais é uma tática para rachar as Forças Armadas”

Esta discussão colocada pela direção do PSTU apresenta dois problemas fundamentais que estão profundamente ligados. O primeiro é educar a classe trabalhadora e as massas no pacifismo de que apoiar as greves e tratar os policiais como “companheiros” seria uma política para rachar as forças armadas de modo a fazê-las passá-las para nosso lado. O segundo é que para justificar esta política distorcem completamente a atuação do partido bolchevique em relação aos soldados do exército ’ e nunca da polícia - na Revolução Russa de 1917. Difundem uma confusão, baseada numa inverdade histórica como se Trotsky defendesse ’ tal como faz com o exército ’ uma política para “rachar” a polícia. Para isso apresentam seu apoio à polícia como uma política para disputar as bases das “Forças Armadas” em geral, sem distinção de polícia e exército.

Frente a isso achamos necessário resgatar alguns aspectos desta que foi a maior obra revolucionária da classe operária em toda a sua história, de modo a desfazer a confusão semeada pela direção do PSTU e lançar luz sobre a importante questão da passagem da base do exército russo para o lado da revolução, elemento crucial para a vitória dos operários sobre a burguesia e o czar, e a conseqüente instauração do primeiro estado operário. Como afirma Trotsky em sua grande obra A História da Revolução Russa: “Indubitavelmente, o destino de toda revolução, em determinada fase decide-se por uma reviravolta brusca na opinião do Exército” .

Primeiramente há que resgatar em que condição histórica se deu a revolução russa. Sabe-se que naquele momento as tropas do exército russo vinham sendo massacradas na I Guerra Mundial, em nome de interesses imperialistas alheios aos dos trabalhadores e povo russo que avançava em compreender que aquela guerra a nada lhe favorecia. Isso se expressava na base do exército russo, sobretudo entre os soldados de mais baixa patente, que sofriam com a fome, o descaso de seus comandantes e de toda espécie de privações nos fronts de batalha de maneira inaudita. “Esses homens” dizia Trotsky, “(...) deviam prever que seriam enviados para as trincheiras quando no front a guerra já estava perdida, e o país arruinado. Esses homens não queriam a guerra, queriam retornar à vida familiar. Sabiam suficientemente o que se tramava na Corte e não estavam de forma alguma presos à monarquia. Não queriam combater contra os alemães e menos ainda contra os operários e Petersburgo. Odiavam a classe dirigente da capital que se divertia em tempo de guerra.(..)” [3]. Os soldados do exército, haviam feito uma dura experiência com a sua classe dominante e começavam a tirar a conclusão de que para aquela suas vidas de nada valiam, a não ser para serem utilizadas como bucha de canhão em suas guerras. Daí sua posterior radicalização.

Isso é o que está na base da análise de Trotsky de que as guerras, como continuação da política por outros meios (violência), exigem uma atuação revolucionária resoluta calcada na perspectiva de transformá-la em luta de classes, o que no caso da Rússia durante a I Guerra Mundial significava ter uma política que transformasse o descontentamento dos soldados em motor para a sua adesão à revolução e ao fim de sua obediência aos generais da burguesia em prol dos destacamentos de operários revolucionários. Em outras palavras, tratava-se de fazer com que os soldados virassem suas baionetas, outrora apontados aos soldados alemães, em direção à burguesia russa.

Mas para isso foi preciso que os soldados vençam a força do costume de uma “disciplina rígida cujas rédeas ficam, até o último momento, nas mãos da oficialidade” . Para isso, Trotsky ressalta que “os soldados são tanto mais capazes de desviar as baionetas ou de passar para o lado do povo quanto mais seguros estiverem de que os sublevados fazem verdadeiramente uma insurreição; de que não se trata de uma simples manifestação (...) Em outras palavras, os revolucionários só podem provocar a mudança no estado de espírito do soldado no caso de estarem eles mesmos resolvidos a arrancar a vitória a qualquer preço, portanto, mesmo ao preço do sangue” [4].

Feito este primeiro resgate de algumas das mais vivas passagens que mostram que moral permitiu a vitória dos trabalhadores na Revolução Russa, e a adesão dos soldados (novamente, do exército, e não da polícia) retomamos nossa discussão com a direção do PSTU para indagar o que tem a ver esta política, que busca armar a classe operária de que para conquistar os soldados do exército teria ela mesma que estar profundamente convencida de sua ação revolucionária, inclusive violenta, com a política pacifista do PSTU de chamar os trabalhadores a se solidarizarem com as greves salariais de policiais enquanto estes seguem reprimindo os trabalhadores? Uma, a de Trotsky, claramente se baseia no aprofundamento da luta de classes, enquanto a do PSTU nada mais é que uma adaptação às instituições do regime, inclusive repressivas, democrático burguês. Isso porque o processo em que a classe trabalhadora atue de maneira a “arrancar a vitória a qualquer preço” , podendo ganhar um setor dos soldados para sua luta revolucionária, será o resultado de sua intensa radicalização, impossível de se obter se segue perpetuando-se agora na voz dos que se reivindicam revolucionários e trotskistas o legado pacifista típico do petismo de agitar a possibilidade da unidade de lutas com a polícia, ao invés de preparar a classe para os combates que certamente ocorrerão ’ e como a Revap mostra inicialmente já começaram a se dar ’ com a polícia.

E porquê estes enfrentamentos com a polícia seguramente se darão? Porque a função social da polícia, como já dissemos acima, é a salvaguarda da propriedade privada. Assim, quando a classe trabalhadora atentar contra a inviolabilidade burguesa da propriedade privada, pilar do estado burguês, terá que se enfrentar com os cães de guarda da burguesia, a polícia. Já a função do exército é a proteção das fronteiras nacionais. Isso foi o que determinou a diferença da reação dos soldados de baixa patente e da polícia frente à Revolução Russa. A cada uma destas funções corresponde uma determinada consciência, que deriva da existência distinta dos que atuam nestas instituições.
Por isso justamente Trotsky nunca levantou a política de solidariedade com a polícia. Pelo contrário ao longo do capítulo da História da Revolução Russa dedicado à revolução de fevereiro, há diversas passagens que retratam a hostilidade das massas revolucionárias para com a polícia, e a devoção e fidelidade desta para com a carcomida dominação do czar prestes a ruir. Assim, relata-se vivamente o apelo dos coronéis fiéis ao czar “”˜dai-nos um regimento sólido, e varreremos num fechar de olhos toda esta imundice”™ (diziam os coronéis frente à revolução)” ao que Trotsky observava “muitos destes oficiais tentaram a aventura.(...) De onde poderiam eles (os destacamentos contra-revolucionários) provir? O contingente mais firme compunha-se de agentes da polícia, de oficiais da polícia militar (...) que entretanto se mostraram insignificantes frente a magnitude das massas” .

Em outra passagem “A polícia é o inimigo cruel, inexorável, odiante e odiado. Não se pode mais pensar em conciliação” [5]. Ou ainda:“A batalha nas ruas começara pelo desarmamento dos faraós odiados (nome dos agentes da polícia, grifo nosso), cujos revólveres passaram às mãos dos revolucionários.(...) Para conseguir o fuzil do soldado é necessário, primeiramente, tomar os revólveres dos faraós” [6]. E isso se dará pela força da ação independente, e mesmo violenta, das massas, que será o resultado da mais profunda superação de quaisquer traços de confiança por parte destas às instituições burguesas, sobretudo a polícia. E não pelo apoio às greves da polícia por salários como pretende o PSTU. E isso bem o sabiam os operários russos de 1917 que “armavam as massas, incutiam-lhe as idéias indispensáveis não só contra a polícia do czar como também contra os juristas liberais” [7](grifos nossos). São estes ensinamentos fundamentais que a direção do PSTU distorce as lições do maior feito da classe operária. Não queremos com isso ser dogmáticos. Mas é impossível deixar de dizer que se muitas coisas mudaram desde a Revolução Russa de 1917, o papel da polícia como inimigo de classe dos trabalhadores, não figura entre elas. Sobretudo, num momento em que o predominante não é a ofensiva da classe trabalhadora, mas o recrudescimento da violência e repressão policial contra os trabalhadores, e o povo pobre e negro.

Por outro lado, como revolucionários marxistas tampouco caímos num fetiche em relação ao exército. Recentemente a burguesia e o governo Lula enviaram o exército para os morros cariocas para cumprir funções policiais. O resultado é o que tomou as manchetes dos jornais com o escândalo da covarde morte de 3 jovens entregues por oficiais do exército a traficantes no Morro da Providência. Novamente existência determinando consciência. Apesar de serem do exército, os soldados ao cumprirem funções policiais mostraram a mesma covardia e brutalidade assassinas tão comuns à polícia.

Com esta discussão esperamos contribuir, com todas as nossas forças, para que surja uma nova tradição superadora de todas as ilusões e vícios pacifistas, tão disseminados pela tradição petista em nosso país.

[1Alemania, La Revolucion y el Fascismo, México DF, pág.15.

[2Nota da Conlutas de São José dos Campos de 11/07/2008.

[3A História da Revolução Russa, Leon Trotsky, pág.119. Ed. Paz e Terra

[4Idem, pág.118

[5Idem, pág.108

[6Idem, pág.119

[7Idem, pág.141

Artigos relacionados: Debates









  • Não há comentários para este artigo