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Lula, o agronegócio e a luta pela reforma agrária no Brasil

07 Nov 2009   |   comentários

Na sua cruzada contra a reforma agrária, parte dos representantes do agronegócio acusam o governo Lula de incentivar as ocupações de terra. Nada mais injusto: as concessões de Lula aos camponeses pobres e trabalhadores rurais são mínimas ou inexistentes, enquanto apóia abertamente o agronegócio. Logo depois da ocupação das terras da Cutrale (griladas do estado, diga-se de passagem), Lula saiu em defesa dos seus aliados do agronegócio acusando o MST de “vandalismo” . Não poderia ser diferente, já que a Cutrale foi a segunda maior financiadora da campanha de Lula em 2006, com R$ 4 milhões. A Coopersucar, maior cooperativa que congrega usineiros de açúcar e álcool, declarados tempos atrás como “heróis nacionais” por Lula, doou R$ 1,28 milhões .

O apoio de Lula ao agronegócio, tão bem remunerado, não se resume a palavras. A política de reforma agrária está paralisada faz anos, o que torna a concessão dos índices de produtividade mera demagogia. O II PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária) acabou em 2007 e assentou de fato apenas 163 mil famílias, num universo de 5 milhões que demandam terra e sequer deu inicio ao III PNRA, paralisando até mesmo os assentamentos que vinha fazendo. A verdadeira face da sua política agrária se vê na aprovação da Lei nº. 11.763 de 1º de agosto de 2008, através da MP 422, que regulamenta a regularização de terras griladas (posse ilegal, como o caso da Cutrale) chamada por estudiosos do tema de “contra reforma agrária de Lula” , pois “o governo de Luis Inácio da Silva passou a transformar os grileiros de terras públicas até 1.500 hectares em ”˜falsos posseiros”™” .

O desenvolvimento desigual e combinado no campo brasileiro

A modernização capitalista do campo brasileiro em curso nas últimas décadas, que teve um vigoroso impulso sob os governos de FHC e de Lula, não foi capaz de acabar com a herança do passado colonial e escravista. Nada mudou na enorme concentração de terras ’ 1% dos proprietários rurais detêm a posse de 46% das terras ’, isto é, 18 mil fazendeiros são donos de 98 milhões de hectares. Na outra ponta, 5 milhões de famílias que vivem no campo não possuem terra alguma.

A modernização do campo, que tornou o Brasil o segundo maior produtor de soja , se deu sobre a base da velha estrutura fundiária colonial, da monocultura para exportação. Agora, no entanto, os velhos coronéis da cana e os barões do café foram substituídos pelos empresários, multinacionais e bancos, que se apropriam da renda extraordinária da terra. Os donos da terra e os métodos de cultivo se modernizaram, mas a forma de dominação continua basicamente a mesma, centrada na propriedade privada de grandes extensões e das melhores áreas cultiváveis. Até junho de 2009, somente no Nordeste mais de 2 mil famílias foram atingidas por ações de pistoleiros contratados pelos modernos latifundiários, enquanto houve no país, pelo menos, 12 assassinatos, 44 tentativas de assassinatos, 22 ameaças de morte, 6 casos confirmados de tortura e 90 pessoas presas.

A manutenção de grandes proporções de terra improdutivas e de uma grande massa de camponeses pobres sem terra, ou que possuem um lote tão pequeno que não podem produzir mais do que para a sua própria alimentação, subsistindo num atraso semicolonial, são fundamentais para a acumulação capitalista no Brasil. Possuindo uma das maiores fronteiras agrícolas ainda não cultivadas do mundo, os proprietários de terras no Brasil se apropriam de uma renda extraordinária. Junto com isso, os camponeses transformados em semiproletários rurais, que produzem, quando muito, apenas para a subsistência de sua família, são obrigados a vender sua força de trabalho por um preço vil, mantendo extremamente baixos os salários pagos no campo. Segundo estudos do Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2006 26% dos trabalhadores rurais homens declararam ter renda de até 0,5 salário mínimo, enquanto 80% das mulheres declararam não ter renda nenhuma .

Se até agora o Bolsa Família de Lula tem sido responsável por conter a dinâmica conflituosa do campo brasileiro, a tendência histórica aponta no sentido de grandes convulsões sociais, na medida em que o agronegócio avance ainda mais contra as condições de vida dos camponeses pobres, semiproletários e proletários rurais. Os conflitos gerados por essa situação tendem a ser explosivos, e vão se agravar com a crise económica que reduziu o patamar da exportação de produtos agrícolas do Brasil.

O papel da agricultura familiar: uma discussão com o MST

A estratégia da direção nacional do MST se centra numa disputa de modelos entre o agronegócio e a agricultura familiar . “Um novo modelo agrícola, baseado na pequena agricultura e na Reforma Agrária, depende de um novo modelo económico de desenvolvimento, voltado para o atendimento das necessidades do povo brasileiro.” Os dados recentemente divulgados pelo censo do IBGE parecem confirmar essa estratégia: a agricultura familiar é responsável por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21% do trigo. A cultura com menor participação da agricultura familiar foi a soja (16%). A agricultura familiar representa 40% do valor bruto da produção agropecuária e o valor bruto por área (índice indicativo de produtividade) é em média 89% maior do que na agricultura “comercial” .

Mas temos que ler corretamente esses números e relacioná-los com outros. Assim, veremos que a agricultura familiar é extremamente heterogênea, que apresenta um retrato da desigualdade social e regional do Brasil. Na sua ponta mais pobre, concentra um contingente massivo de semiproletários rurais, que mantêm uma roça de subsistência e vende sua força de trabalho nas grandes plantações. Na outra ponta, estão camponeses ricos ou médios, que produzem para o grande agronegócio, com uma alta produtividade e investimentos. Segundo um estudo sobre o censo rural de 95/96, 5,9% dos estabelecimentos da agricultura familiar com área superior a 100 hectares concentravam 44,7% da área total da agricultura familiar, enquanto os com área de até 5 hectares, que eram 37% dos estabelecimentos, tinham apenas 3% do total. A grande maioria, 66,5%, tinha renda total anual de R$ 0 até R$ 3 mil, enquanto apenas 0,6% do total tinha renda superior a R$ 27,5 mil. A diferença regional é gritante: enquanto no Sul a média de renda por estabelecimento era de mais de R$ 5 mil, no Nordeste era de mais de R$ 1 mil. No país, cerca de um quinto, ou 20% dos estabelecimentos, tinham renda monetária negativa, o que indica produção para subsistência .

Assim, podemos ver que o modelo de “agricultura familiar” que prima no Nordeste é a de subsistência, submetido ao atraso secular do campo brasileiro, enquanto que no Sul é um modelo moderno e relativamente mecanizado de produção capitalista, onde tem um peso maior a camada de camponeses médios, integrados à produção para o agronegócio exportador. Claro que é esse último que consegue a maior parte dos créditos concedidos pelo Pronaf e por outras vias. Ambos os setores são funcionais ao agronegócio. Uns produzindo com grande produtividade e a baixo custo para alimentar a exportação e o mercado interno de alimentos, colaborando para manter baixo o custo da mão-de-obra. Outros, formando um enorme contingente de pobres rurais que vão ser explorados a baixíssimo custo (pois produzem sua própria alimentação ou a de sua família) na medida da necessidade dos grandes latifundiários.

A luta pela terra é uma luta pela soberania nacional e contra o capitalismo

Esse quadro geral mostra claramente como a estratégia levada a cabo pela direção do MST conduz a luta pela reforma agrária a um beco sem saída. Seu apoio ao camponês, ou ao “pequeno agricultor” , esconde que uma parte destes (os camponeses médios) é aliada ao agronegócio, enquanto a maioria combina o cultivo da sua própria terra com o trabalho em grandes (ou pequenas) plantações. Os camponeses ricos e médios que produzem para o agronegócio nunca serão um ponto de apoio seguro para a luta contra o latifúndio, pois já têm seus interesses entrelaçados com o dos monopólios. É no enorme contingente de trabalhadores rurais e camponeses pobres que deve se apoiar a luta por uma reforma agrária radical que enfrente o poder dos latifundiários e dos monopólios imperialistas.

Como aponta o próprio João Pedro Stedile, sem tirar as conclusões necessárias, “20 empresas, hoje, controlam todo o comércio agrícola brasileiro, tanto o de insumos (para financiar a produção), quanto o de commodities. Dessas 20 empresas, 70% são transnacionais e o PIB delas ’ segundo dados do Valor Económico - atinge R$ 112 bi a R$ 115 bi.” São essas empresas do latifúndio e do agronegócio as que estão por trás dos setores mais dinâmicos da agricultura familiar e que estão interessadas em manter um enorme contingente de trabalhadores sem nenhum acesso a terra. A manutenção da enorme concentração de terras nas mãos de uns poucos monopólios não é do interesse somente dos latifundiários e do agronegócio, mas de toda a burguesia brasileira e do imperialismo, já que extrae, como classe exploradora, uma mais valia superior, compartilhando a renda extraordinária da terra, além de servir como base da superexploração do conjunto dos trabalhadores.

Como dissemos em outra ocasião, “a luta pela reforma agrária, uma demanda que se remete à época das revoluções burguesas do século XVIII e XIX, só poderá ser levada a cabo através da aliança entre os camponeses pobres e os trabalhadores da cidade e do campo, numa luta que questione os pilares do sistema capitalista. O avanço do agronegócio e da mecanização no campo, ao aumentar a proporção de trabalhadores assalariados facilita a unidade entre estes e os setores de camponeses pobres e entre os explorados e oprimidos do campo e da cidade. Ao mesmo tempo permite combinar o programa democrático radical de repartição das terras com um programa operário e socialista, de coletivização das grandes plantações e de nacionalização da terra e estatização e controle operário da agroindústria.”

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