Sábado 27 de Abril de 2024

Internacional

Se estende a Primavera Árabe

Líbia: entre a rebelião e a decomposição do regime

01 Jan 2011   |   comentários

Após as mobilizações na Tunísia e no Egito que acabaram com os
governos de Ben Ali e Mubarak, os protestos se estenderam a outros
países do norte da África e do Oriente Médio. O caso mais
significativo é sem dúvida o da Líbia, por dois motivos fundamentais.
Em primeiro lugar, por seu papel como produtor de petróleo (é o quarto
produtor da África e o que tem as maiores reservas do continente) que
colocou em alerta as burguesias de todo o mundo pelas conseqüências
que o aumento dos preços do petróleo pode ter na crise econômica. Em
segundo lugar, porque à diferença de Tunísia e Egito, onde o Exército
permaneceu como garantidor da estabilidade, preservando-se e cumprindo papel na transição, na Líbia as Forças Armadas aparecem divididas, posto que setores inteiros desertassem para unir-se à rebelião ou se negaram a reprimir os protestos.

A fagulha que incendiou os protestos se estendeu
rapidamente. Em 16/2, milhares de pessoas se reuniram para exigir a
liberdade do advogado defensor de presos políticos Fethi Tarbel, fato
que culminou em enfrentamentos com as forças de segurança. Em 17/2,
inspirando-se no Egito se convocou o “Dia da Ira” contra o opressivo
regime do ditador Muammar Kadafi, no poder desde 1969. A partir desse
momento o governo reprimiu duramente os protestos, provocando centenas de mortos na parte leste do país, onde se concentraram os protestos.

Benghasi e Al Bayda, a segunda e terceira cidades em
importância depois da capital, Trípoli, estão situadas na empobrecida
região oriental, de longa tradição opositora ao regime de Kadafi. Em
Benghasi, a princípios do ano, haviam ocorrido revoltas espontâneas
por demandas de habitação social.

A 18/2, nesta cidade, onde vive um sexto da população
líbia (nação habitada por 6 milhões de pessoas), os manifestantes
ocuparam a rádio estatal, desde onde começaram a transmitir para
contrapor o silêncio da mídia oficial, e rapidamente tomaram o
controle da cidade com a ajuda da polícia local, que se uniu
rapidamente aos protestos.

A 19/2, o hospital de Benghasi já informava 200 mortes e
quase 1000 feridos, e se denunciava a presença de mercenários que
atacavam os manifestantes desde veículos sem patente. A população
começou a armar-se como pôde para se defender dos ataques do governo e dos mercenários. No mesmo dia 19/2 marcharam em Trípoli pela primeira vez os opositores de Kadafi, cidade onde até esse momento só se haviam mobilizado os seus seguidores.

O processo insurrecional no leste e a divisão nas Forças Armadas

No domingo, 20/2, um dos filhos de Kadafi, Seif-al-Islam,
anunciou que a resposta do regime seria esmagar os protestos “a sangue e fogo”, tratou os opositores de “terroristas”, e em uma mensagem que parecia bem mais destinada aos países imperialistas, disse que o petróleo “ficaria nas mãos de criminosos”. A brutalidade da repressão dos últimos dias, que duplicou a quantidade de manifestantes
assassinados levando o número a 600 (a informação varia segundo a
fonte), não fez mais que mostrar a decadência e o desmembramento do
governo de Kadafi, que prometeu deixar a terra arrasada antes de
ir-se. Esta resposta brutal tentou, infrutiferamente, frear a dinâmica
do processo revolucionário aberto na Líbia a partir de que um processo
insurrecional nas duas principais cidades do leste do país conseguiu
dividir o Exército, que por sua vez passou à oposição, deixando
Benghasi e Al Bayda fora do controle do governo de Trípoli. Nestas
cidades o trânsito é dirigido por voluntários, em sua maioria jovens,
a população se cuida e se defende por conta própria e organiza a
alimentação coletiva. Situações similares se viveram em outras cidades
do oriente como Tobruk que, segundo a agência Reuters, “celebrava sua
liberação com tiros de metralhadora e manifestações em júbilo nas
ruas, enquanto um grupo de manifestantes derrubava o monumento do
ditador, e outros rasgavam seus retratos”. (El Pais, 23/2).

Às deserções militares se seguiram a renúncia de diversos
embaixadores (dos EUA, Índia, China, Grã-Bretanha, Indonésia e da Liga
Árabe) ademais de altos funcionários como os ministros da Justiça e do
Interior, que pediram o fim da brutal repressão.

O Exército, que se encontra historicamente cruzado por
divisões tribais, reagiu frente ao levante popular e à ordem de Kadafi
de bombardear os opositores cedendo às mobilizações (como em Benghasi) ou negando-se a reprimir (como os pilotos da Força Aérea que desviaram seus aviões para o aeroporto de Malta, onde se encontram refugiados), enquanto que outro setor, leal a Kadafi, está levando a cabo um verdadeiro massacre (alguns meios já falam de milhares de mortos).

Estas divisões se somam às que vinham desenvolvendo-se no
interior do regime de Kadafi ao redor de uma sucessão “dinástica”,
atravessada pela luta dos dois filhos de Kadafi, Seif al-Islam e
Motassem: o primeiro, aliado de Shokri Ghanem (presidente da
Corporação Nacional de Petróleo), e impulsionador de reformas de
abertura tanto econômicas quanto políticas (ainda que limitadas); o
segundo, aliado à velha guarda do Exército e à frente do Conselho
Supremo de Assuntos Energéticos, é partidário de manter a política de
linha dura do regime.

Perspectivas da crise do regime

O rápido desenvolvimento dos acontecimentos parece ter
deixado esta luta pela “sucessão” em segundo plano, em meio à
acelerada decomposição do regime. Com este derrubando-se, as crises e divisões se potencializaram, abrindo um cenário onde parece mais
improvável qualquer saída “institucional”. Inclusive não se pode
descartar que, pela importante produção petroleira e por temor à
radicalização e expansão do processo, os funcionários que saem comecem a pedir (e alguns já pedem) sanções diplomáticas e a intervenção da ONU e outros organismos internacionais. Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, disseram que é necessário “parar o banho de sangue” e que a “paz” deve voltar à Líbia. Na boca dos imperialistas isso não é mais que uma justificação preventiva para uma possível intervenção, que não representará nenhuma saída para as trabalhadoras e trabalhadores e para o povo líbio, senão que aprofundará a submissão e a opressão no país. Nada progressivo virá de uma intervenção do imperialismo.

Ante tal cenário, começam a ouvir-se rumores de golpe de
setores do Exército que buscariam derrocar Kadafi e formar um Conselho
com figuras públicas e militares para dirigir o país. Não obstante, o
Exército da Líbia, à diferença do egípcio, não conta com tanto
prestígio e simpatia entre a população e mostra divisões e
enfrentamentos internos sobre bases tribais. Isto incidirá nas
possibilidades de jogar um papel estabilizador e torna mais complicada
a busca de uma saída política.

Neste marco, a possibilidade de que, ante a intenção de
Kadafi de resistir a sangue e fogo, os acontecimentos desemboquem numa insurreição operária e popular, está presente. Ainda se Kadafi
finalmente cai, um novo governo poderia ser débil e sem autoridade,
com o que se prolongaria uma situação muito instável, e não seria de
descartar uma “balcanização” das três zonas tribais que deram
sustentação a um estado unificado, e inclusive, não seria o caso de
descartar uma guerra civil.

Entretanto, e enquanto os acontecimentos na Líbia
continuam desenvolvendo-se, parecem mostrar que a crise econômica
internacional, com suas sequelas para as massas operárias e populares,
começou a encontrar uma resposta virulenta na “Primavera Árabe”, que
já contou com a queda de dois governos, e cuja extensão parece estar
radicalizando-se e tornando-se mais poderosa.

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