Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

O poeta operário da Foxconn e a voz de uma geração

10 Dec 2014   |   comentários

Recentemente vieram à tona os poemas de Xu Lizhi, um jovem operário chinês que trabalhava na fábrica onde são montados produtos da Apple, tristemente famosa pelos suicídios de seus operários.

A onda de suicídios na cidade-fábrica Foxconn em 2010 desnudou as condições de trabalho da classe operária chinesa. Eram atos desesperados de denúncia da escravidão moderna nas fábricas da Apple, um símbolo de status econômico no mundo inteiro. Esse momento marcou um antes e um depois para a nova geração operária que inunda as fábricas chinesas.

Ainda que após esses acontecimentos trágicos a nova classe operária chinesa tenha conquistado novas leis trabalhistas como a Lei de Contratos de Trabalho (2008), melhoras de algumas condições e aumentos de salários, os ritmos de produção se aceleram no ritmo da ganância dos empresários. Xu Lizhi tinha 24 anos. Trabalhava na linha de montagem da Foxxcon, onde são montados o IPhone, o Playstation, o Blackberry e o Wii. Como seus companheiros e companheiras, não podia comprar nenhum dos produtos que montava com suas mãos. Vivia em um dormitório em Shenzhhen, muito próximo da fábrica e certamente dividia sua casa com várias pessoas para baratear o custo de vida. Se atirou pela janela no dia 30 de setembro. Os poemas de Xu, publicados na internet por seus amigos, contam a vida da juventude nascida depois de 1980, filha da primeira geração que se mudou do campo para a ciadade em busca de uma vida melhor.

“Oficina, máquina de montagem, cartão de ponto, horas extra, salário./ Me treinaram para ser dócil./ Não sei gritar ou me rebelar,/ Como me queixar ou denunciar,/ somente como sofrer silenciosamente o esgotamento.” Diferente de seus pais, que sofreram a dureza da vida no campo, a geração de Xu (hoje 60% da nova classe operária chinesa) é uma geração flexível que já não crê que deve aceitar as más condições de trabalho nem os abusos dos donos das fábricas. Por isso, junto à impotência e a raiva que explodiram com a onda de suicídios na Foxconn, cresceram as greves e os protestos. (Proletariado made in China)

Muitas vezes os números não conseguem explicar as marcas que deixa a precarização, o trabalho por peça nas fábricas e oficinas, onde a juventude é mão de obra descartável, e literalmente deixa a vida no trabalho. Na realidade, não é necessário mais que algumas palavras para expressá-lo: “A juventude se deteve nas máquinas, morreu antes do tempo.” As mortes decorrentes das más condições, os baixos salários e os ritmos de produção se tornam imperceptíveis em uma sociedade onde a vida está regulamentada pela busca de lucros de uma minoria que é dona de tudo e submete a maioria a trabalhar para “viver”. E nessa “agitação”, milhões de pessoas submergem na mais profunda solidão, essa que às vezes se torna imperceptível porque as encontra superlotadas, mas sozinhas; hiperconectadas, mas sem ninguém com quem falar; angustiadas e sobrecarregadas com as preocupações cotidianas.

Os suicídios na Foxconn não foram os primeiros. Quando se iniciava a última crise econômica internacional, na Telecom da França se suicidaram em dois anos 25 trabalhadores. No Estado Espanhol o peso das dívidas e dos despejos para executar as dívidas hipotecárias provocam vários suicídios diante dos olhos indiferentes do governo. Há mais de 150 anos, um jovem Marx se perguntava o que ocorria em uma sociedade moderna e industrial, cheia de seres anônimos, atirados à miséria e ao esquecimento. A sociedade atual segue marcada pelo “desprezo brutal” pela vida, impregnada de velhos e novos problemas. A decadência social se confirma todos os dias. Um dos últimos poemas de Xu dizia: “Quero tocar o céu, sentir esse azul tão ligeiro/ mas não posso fazê-lo, então deixarei esse mundo./ Todos os que tenham ouvido sobre mim/ não se surpreenderão com minha marcha”.

Poderíamos nos fazer a mesma pergunta que se fez Marx em 1846, parados no meio da Foxconn: “Que tipo de sociedade é esta, na qual se encontra no seio de milhões de almas a mais profunda solidão; na qual alguém pode ter o desejo inexorável de se matar sem que ninguém consiga pressentí-lo? Essa sociedade não é uma sociedade; como disse Rosseau, é um deserto, povoado por feras selvagens”. Os poemas de Xu colocam a sociedade diante do reflexo mais cru da decadência capitalista. Mas a geração de Xu já não aceita docilmente esse destino, está em movimento e é irrefreável.

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