Quinta 2 de Maio de 2024

Movimento Operário

A MÍDIA E A GREVE

Grande mídia e a luta de trabalhadores, estudantes e professores da USP: a que fim serve?

16 Jun 2009   |   comentários

Desde a criminosa repressão policial da reitora Suely Vilela e apoiada por Serra aos estudantes, professores e funcionários da USP, UNESP e Unicamp que as páginas dos principais jornais do país foram tomadas por artigos de jornalistas e acadêmicos horrorizados com a “violência” dos... reprimidos. A pretensa “imparcialidade” da grande mídia cedeu espaço na maioria esmagadora dos casos a uma defesa deslavada dos interesses que representam, mostrando que não há neutralidade na imprensa.

Tomemos como exemplo a revista Época, em sua edição de 15 de junho busca apresentar as posições de Claudionor Brandão do SINTUSP como “antidemocráticas” . Enquanto isso faz referências acríticas à posição de Suely Vilela de que tudo não passaria de ação de “minorias radicais que pretendem manter a universidade refém de suas idéias e métodos de ação política” , e a um professor não identificado que diz que “Brandão é um desses intolerantes que prosperam em ambientes tolerantes, onde há grandes liberdades” . Resta saber o que é “anti-democrático” para a Época: um trabalhador que junto à comunidade universitária luta contra a polícia no campus e sua demissão, fruto de perseguição política, ou os professores que saem a bradar “contra a grande liberalidade” após a batalha campal ocorrida na USP? Logicamente já sabemos a resposta desta mídia, marcada pelo alinhamento reacionário a serviço de Suely Vilela, e de Serra.

Isso sem falar da imprensa marrom - que tem como linha de frente a revista Veja, que não deu a cara a tapa por enquanto, deixando o serviço sujo para ser feito pelos seus ultra-direitistas blogs que transbordam reacionarismo do mais grosseiro, que só autênticas poeiras de humanidade poderiam produzir. A Folha de S Paulo em 11 de junho abriu espaço em “Tendências e Debates” à própria reitora da USP, Suely Vilela e ao filósofo tucano, José Arthur Giannotti. A seção que normalmente se dedica, como o próprio nome coloca, a apresentar um ponto de vista favorável e outro contrário aos temas propostos, desta vez unificou seu espaço para uma uníssona campanha para convencer a opinião pública que estudantes, professores e funcionários devem ser reprimidos. Coube à seção de cartas dos leitores o papel de ser a expressão dos estudantes e professores que se levantaram contra Suely Vilela e Serra, prova de que o movimento não se resume a “grupos minoritários” como se quer fazer crer. E essa discrepância do espaço dedicado aos que se colocam contra o movimento, transformados arbitrariamente em maioria, e os que expressam sua força viva e tem eco, ainda que passivo em setores amplos, não é privilégio da Folha de São Paulo. A exceção de algumas publicações os veículos de comunicação tem primado pela cobertura deturpada, alguns com mais sutileza e outros mais descaradamente.

Que os grandes monopólios da comunicação omitam, deturpem e mintam não constitui em si novidade. A campanha pela criminalização dos movimentos sociais, e agora do movimento operário, neste caso escondendo até que a greve é um direito básico dos trabalhadores, é uma tónica comum dos grandes meios. Como ressaltou reportagem publicada no site da Caros Amigos “Na USP, assim como nas greves do ABC dos anos 70, a polícia agrediu e prendeu manifestantes. A imprensa também aproveita para demonizar lideranças do movimento sindical uspiano, assim como fez há 30 anos com Lula. Claudionor Brandão, diretor do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), demitido pela reitora em função de sua atuação sindical, é a bola da vez. Foi transformado pela mídia em uma espécie de Nero da USP ” . Outro artigo mostra como a prática não é de hoje: “Um exemplo bem específico é o movimento desencadeado pelos metalúrgicos da Scania, em 1978, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, com desdobramentos nos anos seguintes e que rompeu o cerco da ditadura militar no sindicalismo(...)articulou a solidariedade das classes trabalhadoras, contribuiu para o fortalecimento das lutas pelos direitos e liberdades do povo, e que projetou inúmeras lideranças operárias, inclusive o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Durante o período das greves do ABC, a imprensa paulista e do Brasil fez o que póde para distorcer o movimento(...); as notícias dos jornais, diariamente, tratavam as lutas dos trabalhadores como lutas subversivas, comandadas por “perigosos comunistas” ou então como atitudes provocativas para estimular o endurecimento do regime ” . A semelhança com a cobertura dos fatos ocorridos na USP não é coincidência.

Mostrando como a democracia dos ricos só pode se sustentar na base da hipocrisia, os grandes meios publicam artigos em tom de choque quando se trata das posições políticas ou das ações de resistência dos setores explorados e oprimidos. Porém, quando se trata da repressão estatal não tem nenhum pudor em se perguntar se esta não deveria ser intensificada. Vê-se no que consiste o “estado de direito” , base da “democracia” burguesa defendida pelos grandes meios: repressão e criminalização dos trabalhadores e do povo. Entretanto, cabe perguntar: o que está por trás da ofensiva midiática contra o movimento gerado nas universidades estaduais paulistas?

A primeira questão evidentemente é a já tratada demonização do movimento operário e suas lutas num momento em que a crise económica lança incertezas sobre o futuro do capitalismo internacional, e em que apesar do triunfalismo do governo Lula, pode dependendo de como avança, lançar por terra todo o discurso dos “fundamentos sólidos” da economia brasileira. A segunda, mas não menos importante, refere-se a uma tentativa descarada da grande mídia de esconder que existe um movimento amplo e democrático, que envolve os três setores da universidade constituindo uma forte mobilização unificada pela derrubada da reitora, expulsão da polícia do campus e pela democratização real da universidade. Para obter esta finalidade, a grande imprensa concede o triplo do espaço para aqueles que em nome da “democracia” defendem as ações típicas da ditadura militar, como a repressão dos estudantes, professores e funcionários, como fez vergonhosamente a Profa Maria Hemínia. Isso sem contar aqueles que defendem a ocupação permanente da polícia no campus universitário. É preciso que forjemos nossos próprios meios de comunicação sem, no entanto, abdicar de utilizar todos os espaços para desmascarar a grande mídia, e que potencializemos os meios que vêem que a luta da USP é justa, contra o descalabro tucano de Suely, Serra e da imprensa reacionária.

Por fim, não poderíamos deixar passar a reivindicação de Theodor Adorno em nota de Fernando de Barros e Silva intitulada “USP, polícia e demagogia” na Folha de S Paulo de 15 de junho de 2009. Como se sabe, Adorno, um dos pilares da teoria crítica, parte da Escola de Frankfurt, chamou a polícia contra estudantes que em mobilização adentravam no prédio do Instituto de Pesquisa Social em 1969, o que lhe rendeu duras críticas de Herbert Marcuse, outro proeminente membro do Instituto. Fernando de Barros e Silva brada indignado: “Quando dirão que luta social e vandalização de património público não são nem devem ser sinónimos? Quando chamarão pelo nome o "fascismo de esquerda" de grupelhos pautados por estupidez teórica e desprezo sistemático pelos direitos dos outros?” Apesar do verniz “esclarecido” que busca apresentar ao se apoiar em Adorno, não escapa do senso comum pobre e muito útil aos interesses dos dominadores de colocar a resistência e a luta pelos direitos dos oprimidos como violência inadmissível, ao passo que as bombas de gás e violência policial do status quo seriam o ápice da defesa do “esclarecimento” .

Parafraseemos então Marcuse em sua resposta a Adorno: “Por outro lado, acredito e repito que, em determinadas situações, a ocupação de prédios e a interrupção de aulas são atos legítimos de protesto político. Exemplo: na Universidade da Califórnia, após a inimaginável e brutal repressão da manifestação de maio em Berkeley. Talvez o mais importante: não posso descobrir em mim a "frieza em cada um de nós" perante a terrível conjuntura; se for "auto-engano", já deve ter penetrado tanto na carne e no sangue que não é mais frieza. Da mesma forma, não é pelo menos possível que justamente a constatação da frieza seja auto-engano e mecanismo de defesa? (...). A esquerda (autêntica) não pode "em virtude de suas antinomias imanentes", transformar-se na direita, sem mudar essencialmente sua base social e seu objetivo. No movimento estudantil nada indica uma mudança desse tipo.(...) Na medida em que a democracia burguesa (em virtude de suas antinomias imanentes) se fecha à transformação qualitativa, e isso por meio do próprio processo democrático-parlamentar, a oposição extraparlamentar torna-se a única forma de contestação: a desobediência civil, a ação direta. E as formas dessa ação não seguem mais o esquema tradicional. (...) me conformo com elas e defendo-as contra seus adversários, porque precisamente a defesa e a manutenção do status quo e seu custo em vidas humanas são muito mais elevados. Aqui se encontra sem dúvida a mais profunda divergência entre nós .”

Aqui se encontra também sem dúvida a mais profunda divergência também entre os que em nome do “zelo ao património público” e à “democracia” defendem a polícia no campus, a legitimidade das ações de Suely Vilela e Serra, e sua mídia, e os que defendem a luta de professores, estudantes e funcionários.

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