Segunda 29 de Abril de 2024

Internacional

PRIMEIRA VITÓRIA DE SARKOZY GRAÇAS À TRAIÇÃO DA BUROCRACIA

França: A "brasa social" segue ardendo

30 Nov 2007   |   comentários

A abertura de negociações por empresa em 21/11 foi a desculpa usada pela burocracia sindical de todos os sindicatos do transporte para acabar com a greve. Uma verdadeira traição. A tenacidade da base manteve paralisado o sistema ferroviário nacional, o metró e o transporte coletivo da região parisiense por nove dias. Mas a ausência de uma perspectiva alternativa à colaboração das direções sindicais com a contra-reforma capitalista impediu que a luta seguisse, e as assembléias votaram a favor da volta ao trabalho. O salto colaboracionista da CGT de Thiabult foi essencial. “Devemos salvar o soldado Thibault” , resumia Sarkozy dando tempo àquele para que convencesse sua base da futilidade de uma luta longa. Dessa maneira o governo da “direita dura” obteve uma vitória no primeiro teste de força com o movimento de massas. É fundamental que os trabalhadores tirem as lições deste combate e se preparem para superar a burocracia sindical, primeiro passo para se colocar a possibilidade de derrotar Sarkozy e seu plano nos próximos enfrentamentos que inevitavelmente virão.

Entretanto, apesar deste avanço importante do governo, o panorama social na França é muito distante da calma. A continuidade da luta estudantil e o estalar de um motim dos jovens em alguns locais das periferias (“banlieues” ) de Paris são as atuais frentes de batalha.

Jovens das banlieues se levantam contra a polícia

Grupos de jovens protagonizaram durante duas noites uma revolta localizada contra as forças de repressão em Villiers-Le- Bel e outras localidades vizinhas após a morte de dois adolescentes de 15 e 16 anos, Larami e Mouhsin, que viajavam numa moto e se chocaram a um carro de polícia. A expressão de raiva foi tal que uma delegacia foi queimada e outra saqueada, além de terem sido feridos mais de 82 policiais e da destruição de vários pontos comerciais.

Estes enfrentamentos lembram o levante das banlieues de 2005 que durou dias na periferia de Paris e outras cidades da França. Hoje o levante não se estendeu como naquela ocasião, ainda que as condições estejam latentes. É que nada mudou, a não ser para pior, nestes dois anos. Todos os indicadores de precariedade, desemprego, miséria e violência subiram. O racismo e a marginalização destes jovens franceses de pais de origem árabe-muçulmana em sua maioria, que se expressa cotidianamente partindo da escola aos trens para ir trabalhar, ou nos seus locais de trabalho (quando conseguem um) têm se aprofundado, e ninguém espera a mais mínima solução do presidente Sarkozy, que chamou estes jovens de “escória” (“racaille” ) quando era ministro do interior do governo anterior.

Também se endureceram as medidas de repressão, bem como a determinação e a preparação dos jovens em seus enfrentamentos com as forças da ordem, sendo os enfrentamentos destes dias, ainda que reduzidos, muito mais violentos que os das três semanas há dois anos. Le Monde de 28/11 em uma nota intitulada “Banlieues: cenas de guerrilha urbana em Villiers-Le- Bel” a descreve assim: “Nem bem acenderam as luzes, os jovens os atacaram com pedras, fogos de artifício, entre outros. Cada vez que um policial é alcançado, os jovens festejam, com os braços levantados. O mesmo grito de vitória se escuta quando retrocedem. Sobre os tetos dos automóveis tiram fotos com os celulares. ”˜Agarrar um policial”™, um ”˜rato”™, um ”˜porco”™, durante três horas um punhado de menores repetiam as consignas: ”˜Fiquemos juntos!”™, ”˜Solidários, os pivetes!”™. E os amotinados, disciplinados, seguem as consignas. Os ”˜pequenos”™ ’ alguns com mais de dez anos ’ ficam de espiões. Correm em direção aos policiais e atiram coquetéis molotovs; os maiores esperam que o caminho esteja livre para incendiar carros e tendas, se munem de gasolina dos tanques de três carros ”˜do bairro”™ onde se enchem garrafas de vidro. Um jovem vigoroso vestido de negro, com um walkie-talkie conectado a uma freqüência de onda da polícia guia a equipe” .

Os jovens não estão sós nos bairros: “Algumas mulheres levam água para aliviar os olhos vermelhos de seus ”˜filhos”™. Quando a polícia ataca, alguns do andar de cima das casas não hesitam em atirar pedras. No chão, todas as armas são boas: uma espada, um fuzil... Mas a maioria luta com bastões de madeira ou barras de ferro, que agarram nos canteiros da obra. Pegam também as garrafas de vidro nos depósitos de reciclagem” .

Quem de fato os têm abandonado são as organizações oficiais da esquerda, o PS e o PC, além da cúpula dos sindicatos. Tanto como em 2005, a direção das organizações sindicais e políticas de centro-esquerda estão do lado da polícia, ou no melhor dos casos pede que a tropa reprima de forma “republicana” . Tanto como em 2005 quando se decretou o estado de emergência, a repressão dirigida contra os jovens de Villiers-le- Bel que enfrentaram durante duas noites mil efetivos de polícia respaldados por helicópteros é um golpe dirigido ao conjunto de nossa classe e de toda a juventude. Por isso é fundamental que os trabalhadores e os estudantes tomem as reivindicações dos jovens das banlieues como próprias. A extrema esquerda teria que estar na linha de frente para levar adiante esta batalha. A única forma para que a raiva dos jovens se traduza através de canais classistas, e não em ações isoladas cujo alvo não seja somente a polícia, é que ao menos uma fração da vanguarda operária que lutou nas últimas semanas e que esteja cotidianamente em contato com eles, nas escolas, trens, e demonstre a estes jovens marginalizados pelo Estado, seus tribunais, sua polícia, suas instituições que sua luta é a mesma, que o alvo do ódio de classe não pode ser queimar uma biblioteca comunitária, ou saquear a estação de trem, senão que esta raiva deve se dirigir contra a burguesia, ser Estado e seu braço armado. É necessário que agora mesmo as assembléias estudantis e as novas marchas previstas tenham como consigna: “Basta de repressão a nossos irmãos de classe, os jovens das banlieues! Por uma comissão investigadora independente, das organizações operárias e estudantis, para indagar sobre a morte de Larami e Mouhsin” .

Continua a luta dos estudantes

Com o fim da greve dos trabalhadores dos transportes a pergunta que fica entre os estudantes mobilizados era “poderão os estudantes seguir em luta, e quiçá obter uma vitória?” A primeira parte da pergunta começaria a ser respondida nas assembléias do início da semana pelo fato de que votaria ou não a manutenção dos piquetes de greve. Estas assembléias demonstraram que o movimento estudantil segue em pé, e quer seguir: a continuidade dos piquetes e da greve foram votadas na ampla maioria das assembléias das que tivemos notícia no fechamento desta nota.

As marchas da jornada de terça-feira chamadas pela Coordenação e sem a presença da UNEF foram sensivelmente maiores que as anteriores marchas estudantis (ainda que não sejam massivas como durante a luta contra o CPE em 2006), reunindo dezenas de milhares de estudantes em toda França.

Mas a grande novidade que veio a alentar a luta contra a lei de autonomia das universidades foi a entrada dos secundaristas, com uma rapidez impressionante. Nesta terça-feira já eram mais de 150 colégios bloqueados em todo o país, e os secundaristas foram parte importante nas mobilizações. Isso, somado às mais de quarenta universidades bloqueadas, e de outras vinte com níveis variados de mobilização e com início de mobilização entre os docentes e empregados da educação, compõem um quadro bastante convulsivo no sistema educacional francês.

Enfrentamento físico na Tolbiac

Mas também a polarização que já havia se mostrado nas semanas anteriores entre estudantes grevistas e fura-greve voltou a aparecer, alentada pela direção da universidade, em um incidente da Faculdade de Tolbiac, uma das mais mobilizadas da região parisiense. A direção da universidade enviou e-mails aos estudantes anunciando que se não se retomavam as aulas nesta segunda-feira, 26/11, o quadrimestre não poderia ser avaliado na data prevista, e os estudantes teriam que passar os exames (para os que não foram aprovados no primeiro) que se faz normalmente nesta época. Era um claro convite para que os fura-greve viessem tentar romper os piquetes. Para completar, as portas nas que sempre há um controle na entrada para permitir que entrem apenas os estudantes da Tolbiac, nesta segunda-feira estava abertas aos frua-greve de outros locais. Resultado: enfrentamento físico entre várias centenas de estudantes, com ao menos uma dezena de feridos. Mas apesar disso o piquete se manteve.

UNEF: preparando sua pasagem definitiva "ao outro lado"?

Enquanto isso a UNEF ’ que no fim de semana se retirou da Coordenação Nacional após uma boa parcela de seus delegados, eleitos através de fraudes, não terem sido reconhecidos pela coordenação ’ se sentou para negociar com a ministra Pecresse, não sobre a lei, já que afirma que a “lei é um fato” , mas sobre os milhões de euros anuais que a ministra anuncia que o Estado vá investir nos próximos cinco anos na Universidade, como concessão para parar o movimento. A direção da UNEF, após esta negociação com o governo, rechaçada pelo movimento estudantil em luta cuja consigna é “Não à negociação sem abolição” da lei de autonomia universitária, afirmou que há “avanços importantes que devem ser tomados em conta nas assembléias” , e que ela mesma está estudando que posição terá em relação à mobilização.

"Universidade à venda"

O comitê de mobilização da Universidade de Evry pós um anúncio na página de internet de leilão eBay que diz “Se vende, bom estado, modelo recente (20 anos) (...) cerca de 10.300 estudantes precarizados, e à serviço de vossas empresas (...) 377 trabalhadores das universidades, a maioria com contratos de remuneração light (com grande facilidades para serem demitidos), mais de 1600 docentes, a maioria em contrato temporário, a um preço promocional para veicular vossa cultura empresarial” . O anúncio recomenda a instalação de um “filtro de inscrição” e aclara que não há possibilidades de entrega, que “o comprador venha buscar o produto” . As ofertas já passaram de 37 euros a dez milhões de euros em seu dia de lançamento!!!

Traduzido por Marina Ramos

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