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"Fique frio" com Lula?

17 Oct 2008 | Lula não se cansa de desdenhar a crise capitalista, numa cantiga que poderia ter o título de “Fique frio com Lula”. Em analogia à grande crise capitalista de 1929, notamos uma semelhança interessantíssima com o discurso lulista. O presidente dos EUA da época, John Calvin Coolidge, Jr., havia sido eleito nas eleições presidenciais norte-americanas de 1924 sob o slogan "Fique frio com Coolidge" (Keep Cool With Coolidge). O resultado do seu mandato foi a Grande Depressão, produto de um governo marcado pelo liberalismo econômico e o estímulo à especulação financeira.   |   comentários

A grandeza das abruptas mudanças que vêm se operando no âmbito da economia choca-se com os enormes índices de popularidade de Lula, a importante vitória obtida pelos partidos da coalizão do governo nas eleições municipais e a predominante passividade da luta de classes no país.

No próximo período, devemos esperar que a unidade burguesa em torno do bloco hegemónico, que vimos nos últimos anos, tenda a se deteriorar em crescentes disputas para definir quais serão os setores mais ou menos prejudicados ou beneficiados com a crise.

Com o impacto da crise, a idéia de “Brasil-potência” ou “subimperialismo” tende a cair tão rápido como surgiu. A ultradependência entre a economia brasileira e o capital financeiro internacional mostra como a imagem do “país continente” que avançava sobre seus vizinhos menores era inseparável de uma imensa subordinação ao capital imperialista, e uma moeda que de “Real” não tinha nada, pois a exportação de capitais brasileiros para outros países e a internacionalização de empresas de capital majoritário nacional ’ que passaram a ocupar o lugar de grandes “players” no mercado mundial ’, se apoiavam na hipervalorização, insustentável a longo prazo e que acumulava enormes contradições. Junto com esta queda “económica” , tende a cair também a capacidade do Brasil de atuar como “pacificador” à serviço do imperialismo frente às convulsões na América Latina, passando a ser o próprio “gigante” , um elemento a mais de instabilidade.

“No Brasil, os efeitos já começam a ser sentidos.A simples perspectiva de recessão nos Estados Unidos e de redução da velocidade de crescimento da China e dos demais tigres da à sia foi o suficiente para derrubar as cotações das principais commodities agrícolas e minerais, o que deve afetar o saldo comercial” , é o que se podia ler na revista IstoÉ Dinheiro... em janeiro, isto é, nove meses antes do recente crash das bolsas de valores, principalmente da Bovespa. Afora os “aloprados” otimistas, como o ministro Guido Mantega e o assessor económico de Lula, Delfim Netto (aquele da ditadura militar e do arrocho salarial), que fazem apologia de que o país seguirá crescendo acima de 4% e não sofrerá “muito” com a crise, os realistas alertam que “os sinais de que ”˜a bonança acabou”™, quer dizer, os reflexos da crise começam a manifestar-se em vários campos” , como explica o professor Simão Davi Silber, professor do departamento de Economia da FEA/USP e da Fipe. Ele alerta que “o BC não pode mexer nos juros, senão para aumentá-los, o fólego da expansão do crédito - e dos empréstimos consignados - vai se reduzir, o setor externo contribuirá negativamente com 1,5% do PIB, afirma. Nas contas externas, os indicadores são claros: exportações em ritmo menor, quantidades exportadas estáveis, preços com tendência de queda, importações crescendo mais rapidamente. A conta corrente, principal item do balanço de pagamentos, que registrou saldo positivo em 2007, terá déficit neste ano. As previsões do mercado, conforme o relatório Focus, elaborado pelo BC com base nas previsões das consultorias económicas, apontam deterioração e a projeção de déficit em conta corrente para 2008 já passava dos US$ 7 bilhões (0,5% do PIB), na segunda semana de fevereiro, ameaçando chegar a 1% do PIB no final do ano. [...] Quando começar a faltar dólar, acrescenta, ou o ajuste virá pelo câmbio, que vai subir e pressionar a inflação, ou o BC venderá reservas para segurar a inflação ’ ou seja, será um equilíbrio muito delicado.” [Revista Bovespa. “O Brasil está vacinado contra a crise?” . Jan.-Mar./2008]

Enquanto o Brasil ainda não gastou suas reservas internacionais, na medida em que não ocorra um crack bancário em nível mundial, o mais provável é que reveses como o da Sadia e da Aracruz não sejam, em curto prazo, um processo generalizado ao conjunto da economia. Ou seja, mais provável é que fenómenos como estes possam atingir determinados setores, ao mesmo tempo em que na economia de conjunto, se desenvolva e aprofunde um processo de desaceleração seguido de recessão, cujos ritmos vão estar diretamente ligados à evolução da recessão mundial e, em particular, da demanda por commodities. Ainda que, obviamente, um eventual crack no sistema bancário internacional certamente aceleraria e aprofundaria uma situação de crise económica nacional em dimensões difíceis de imaginar.

Por enquanto, as alterações das condições económicas ainda não influenciaram negativamente a popularidade de Lula. Ao contrário, a vitória obtida pelo governo e o PT (ainda que esta possa ser minimizada por uma derrota em São Paulo no 2º turno), tende a projetar estas condições nos meses imediatamente posteriores, principalmente se levamos em consideração que os indicadores de emprego e renda ainda se mantêm predominantemente positivos. Nesse sentido, o novo período no âmbito da economia não tem reflexos automáticos ou mecânicos na política e nem tampouco na luta de classes.

Entretanto, está por ver-se como a evolução da crise em 2009 irá atingir não só a figura de Lula mas também os próprios prefeitos que recém se elegeram em base a promessas inspiradas nos tempos de bonança, sendo que vão exercer um mandato marcado pela crise, o que pode deteriorar mais rapidamente sua relação com as massas.

Observaremos um maior endurecimento por parte da patronal nas negociações salariais abrindo condições para que se desenvolvam novos fenómenos da luta de classes e novos desgastes da burocracia sindical; assim como uma retomada do aumento dos índices de desemprego pode elevar o descontentamento social. A desvalorização do real e suas conseqüentes pressões inflacionárias significaram uma nova onda de desvalorização dos salários reais. Da mesma forma, a diminuição da arrecadação estatal e suas conseqüências sobre os servidores públicos, os planos sociais e o orçamento para educação, saúde etc. pode aumentar o descontentamento social e debilitar a popularidade do governo.

Entretanto, ainda está por ver-se como a classe operária reagirá a essas novas condições: se por um lado conta a favor a sua recomposição social, por outro lado ainda pesa fortemente a falta de uma alternativa de direção independente da burguesia. Mas tudo indica que entraremos num novo período de experiência das massas com as direções do PT e com Lula, que darão lugar a novos fenómenos políticos e de luta de classes.

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