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Nacional

CRISE DA SAÚDE PÚBLICA

Epidemia de Dengue: os sintomas cariocas da falência da saúde no país

07 Apr 2008   |   comentários

  • Gráfico de gastos dos governos federal, estadual e municipal
  • Epidemia de dengue no Rio de Janeiro - Fila em hospital público

O governo federal propagandeia que "nunca antes o país cresceu tanto" e anuncia obras do PAC. A mídia notícia lucros recordes. E é justamente no Rio de Janeiro, um estado onde se concentram obras do PAC e a receita advinda do alto preço do petróleo, que surgem sintomas de uma crise da saúde como parte da miséria geral e cotidiana a que grande parte dos trabalhadores e dos pobres em todo o país estão submetidos. A economia do país cresceu 5,4% no ano passado segundo o IBGE, e a dengue - doença que já foi erradicada anteriormente no país - cresceu exponencialmente no Rio de Janeiro, cidade que concentra a segunda maior economia e população do país. O Estado do Rio de Janeiro recebeu R$ 1,56 bilhões em royalties do petróleo no ano passado, o município recebeu R$ 60,4 milhões. Em contrapartida, gastaram respectivamente míseros R$ 16 milhões e R$ 3,2 milhões em combate à dengue. Esta epidemia é mais uma mostra de como o crescimento económico, os lucros, os investimentos dos governos estão a serviço do enriquecimento dos capitalistas às custas da miséria da população.

A cidade do Rio de Janeiro já computa (nos números oficiais) 44 mortos por dengue, e estimativas falam em pelo menos 114 mortos no Estado. O número oficial de infectados apenas na capital ultrapassava 32.689 em 31 de março. Ou seja, seis em cada mil cariocas contraíram dengue neste ano [1]!

As medidas tomadas pelos governos federal (três hospitais de campanha) e estadual (quatro tendas de hidratação), somadas às contratações de emergência e proibição de folgas e férias para os funcionários da saúde, não solucionaram nada. Nem mesmo diminuíram as filas de mais de cinco horas em postos de saúde e hospitais. O hospital de campanha da Aeronáutica esgotou sua capacidade no primeiro dia de atendimento. A espera por atendimento, por hemogramas, por hidratação, persiste. A falta de leitos é grave. A situação nos hospitais particulares é menos dramática, mas neles também se expressa a epidemia que atinge toda a cidade. A rede de hospitais particulares D”™Or queixa-se do aumento de casos de dengue em 25%, e até nesses hospitais começa a ocorrer esperas de mais de uma hora.

A epidemia atinge de forma mais aguda os trabalhadores e os pobres

É evidente para todos como os maiores atingidos são os trabalhadores e o povo pobre. O esforço da rede Globo e seu jornal O Globo em relatar a situação no Copa D”™Or, e também do Jornal do Brasil com sua manchete “Dengue avança na classe média” , são mostras ao avesso disto. As estatísticas da Prefeitura do Rio não deixam dúvidas: enquanto o conjunto da cidade registra 585 casos a cada 100 mil habitantes, alguns bairros que concentram um grande número de morros, favelas e regiões populares como Jacarepaguá, a região portuária, Ramos, Penha, Cidade de Deus, Inhaúma, Pavuna têm médias de cerca de mil casos por 100 mil habitantes, ou seja, 1% da população!

Enquanto nas áreas de planejamento Botafogo, Leblon e Copacabana todas têm média de infectados inferior a 250 (0,25% da população), na área de planejamento Porto, 1,8% da população infectou-se este ano; em São Cristovão (que compreende São Cristovão, Mangueira, e outros bairros), 1,3%; na Cidade de Deus, 2,7%; em Curicica (vizinha à Cidade de Deus), 10,3%!

Se a Secretaria Estadual da Saúde e as prefeituras da Baixada Fluminense também divulgassem seus dados veríamos, provavelmente, a mesma situação nas cidades-dormitório e nas concentrações operárias e populares.

O descaso e cinismo do prefeito César Maia

Enquanto aumentavam as filas, as esperas e os mortos a prefeitura do Rio de Janeiro, e o prefeito César Maia (DEM), tentaram encobrir a gravidade da situação argumentando que não se tratava de uma epidemia, ’ correram atrás de números contestados por epidemiologistas ’ de que só se trataria de uma epidemia quando fosse atingido o índice de 470 infectados por 100 mil habitantes. Hoje, a cidade do Rio de Janeiro tem 558 infectados por 100 mil, ou seja, 19% a mais que sua definição.

Surgiu neste debate também a proposição de que uma epidemia só poderia ser definida quando o índice de mortalidade da dengue hemorrágica ultrapassasse o 1% aceitos pela OMS. O Rio chegou a 26%!

O número de mortos e infectados calou esta absurda polêmica que servia para safar o primeiro responsável pela situação. César Maia e sua secretaria municipal de saúde aconselhavam o uso de repelentes, mangas compridas e calças para enfrentar a epidemia!

A política oficial para a saúde e de combate à dengue: privatização e “cada um contra seu vizinho”

Os governos estadual e federal não são menos culpados por esta situação. Enquanto o DEM tentava esconder a crise e culpava o governo federal, Lula e o governador Sérgio Cabral (PMDB) nada fizeram para resolver a crise. Tratavam somente de debater de qual esfera de governo e partido era a culpa, enquanto a epidemia ia se alastrando. O governo Lula, através do ministro da saúde Temporão e da candidata a prefeita Jandira Feghali (PCdoB), estabelecia que o problema era somente a não implantação do Programa Saúde da Família pela prefeitura, “esquecendo” de mencionar que muitos dos hospitais do Rio são federais, omitindo a responsabilidade de seu aliado Cabral e que o PT já governou o Estado, e escondendo que a terceira cidade mais afetada é Nova Iguaçu, dirigida por Lindberg Farias do PT.

A crise da dengue é expressão de uma política que já vem sendo implementada na saúde pública de todo o país, e particularmente no Rio de Janeiro. Em 2007 Lula enviou ao Congresso Nacional o PL 92/07 buscando regulamentar a implementação de fundações públicas de direito privado na saúde. Em outras palavras, instituir a privatização do sistema público de saúde. Este projeto está parado no Congresso. Cabral, no entanto, teve mais sucesso na mesma política. Em 17/12/2007 foi aprovada na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro a Lei 5164 que regulamenta as fundações de direito privado na saúde pública do estado do Rio de Janeiro.

As políticas que os governos adotam para combater a epidemia estão dentro dos marcos desta privatização da saúde. Foram criados irrisórios 80 leitos públicos. Foram instaladas quatro tendas de hidratação e três hospitais de campanha. E foi instituído o aluguel de leitos em hospitais privados (somente nos hospitais que se propuseram, e os preços não foram revelados).

Outro aspecto indispensável do “combate à dengue” tem sido uma política sistemática de jogar cada um contra seu vizinho e todos contra os trabalhadores da saúde, ameaçando de demissão todo médico que faltar ou tirar férias. Querem nos fazer acreditar que o problema são os médicos “que não trabalham” ou o “vizinho irresponsável” . O Teledengue virou disque-denúncia.

Essa epidemia é sintoma de uma crise geral da saúde no Rio e em todo país

Esta crise, ao contrário dos esforços dos governos, não é particularidade da capital. A cidade do Rio de Janeiro concentra mais casos que qualquer cidade no país, mas dezenas de cidades desse Estado também estão enfrentando uma epidemia de dengue. O mesmo vale para várias cidades no país, e de forma mais aguda em duas capitais: Aracaju (Sergipe), com 435 infectados por 100 mil (Estadão Online, 28/03); e Palmas (Tocantins), com mais de 1000 casos por 100 mil (1% da população infectada) [2].

Os problemas que os trabalhadores e os pobres encontram no sistema de saúde pública em todo o país não se limitam à dengue, mas refletem toda uma situação de crise da saúde. Os governos, em todos os níveis, transferem rios de dinheiro aos banqueiros detentores das dívidas interna e externa; subsidiam os lucros das empreiteiras e outros empresários; e gastam fortunas com aparelhamento policial para reprimir a população com a suposta desculpa de “combater o tráfico” . Alguns dados dos gastos do governo federal, estadual e municipal do Rio de Janeiro em 2007 ilustram de forma particular esta situação geral.

[1Todas as referências de número de infectados e sua distribuição por bairros e regiões administrativas utilizadas neste artigo são retiradas do site da secretaria municipal de saúde: http://www.saude.rio.rj.gov.br/saude/pubsms/media/tab_incidengue2008

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