Sábado 11 de Maio de 2024

Movimento Operário

Entrevistamos Claudionor Brandão, Pablito, Diana e Domênico, dirigentes da LER-QI e delegados eleitos para o Comando de Greve dos trabalhadores da USP

11 May 2010   |   comentários

JPO: Qual a situação da USP?

Brandão: É uma greve difícil, como foi a
do ano passado. Nas últimas décadas, o
governo do estado e seu agente interno – a
burocracia acadêmica – conseguiram
avançar bastante em seu projeto de
“modernização” da universidade de acordo
com os interesses do grande capital
monopólico, tanto do ponto de vista da
utilização da pesquisa a serviço dos lucros
capitalistas como do ponto de vista da
adequação do ensino às necessidades de
mão-de-obra empresariais. No pólo
oposto, nestes anos a aliança entre os
trabalhadores da USP, os setores
combativos do movimento estudantil e
setores minoritários de professores de
esquerda tem imposto uma importante
resistência a este projeto.
Esse é o contexto político das profundas
crises e dos fortes conflitos da luta de
classes que atravessaram a universidade
nos últimos anos, que têm levado a uma
crescente polarização social interna, e um
ataque cada vez maior, por parte dos
reitores, aos direitos democráticos e aos
direitos humanos mais elementares dentro
da USP, e uma ofensiva de repressão e
criminalização da atividade sindical e
política nesta que é considerada uma
“instituição modelo” no país e uma
“vitrine” do Brasil no mundo.

Pablito: Ao longo dos últimos 20 anos, foi
implementado um verdadeiro apartheid
dentro da USP, no qual coexistem dois
extremos opostos e ao mesmo tempo
inseparáveis, pois as condições de um pólo
dependem das condições do outro.
De um lado, um projeto mercantilista, de
uma universidade a serviço das empresas
que junto a uma elite de professores se
enriquece e constitui verdadeiras fortunas
parasitando a universidade, através de sua
relação com as fundações privadas – que
utilizam a infra-estrutura e as verbas
públicas –, e com os serviços terceirizados
que progressivamente se espalharam pelas
diversas unidades da USP atendendo aos
mais variados interesses empresariais. Essa
elite, com seus carros de luxo e hotéis
cinco estrelas, governa a universidade como
agente do governo do estado e, por essa
via, a serviço dos interesses dos grandes
monopólios capitalistas, cooptando e
corrompendo um setor dos professores.
Do outro lado, no pólo oposto, estão os
setores combativos que lutam por uma
universidade a serviço dos trabalhadores e
do povo e para isso lutam para acabar com
o filtro social do vestibular, por abaixo o
regime e o governo universitário e para que
o conhecimento da universidade se
coloque ao serviço de atender as principais
necessidades do povo. Como parte do
processo de elitização e precarização,
milhares de trabalhadores que garantem o
funcionamento da universidade, terceirizados,
concentrados principalmente nos
serviços de limpeza, segurança e
manutenção, vivem sob condições de
trabalho que remetem aos primeiros
momentos da industrialização inglesa no
século XIX ou ao trabalho semi-escravo
que ainda vigora nas lavouras de cana de
açúcar no Brasil. Estes trabalhadores
recebem menos que R$ 500,00 por mês
para sobreviverem e estão submetidos a
um sistema de rotatividade no qual são
permanentemente demitidos e readmitidos
em outras empresas, de modo a que elas
evitem o pagamento de benefícios e
impostos, ficando os trabalhadores
privados dos direitos trabalhistas mais
básicos. Além disso, os trabalhadores
terceirizados da USP, que freqüentemente
são obrigados a comerem em banheiros e
ficam meses sem receber salários e
benefícios, sempre que buscam se organizar
para defenderem seus direitos são
sumariamente demitidos. Mas as condições
de apartheid não estão restritas aos
terceirizados.
Os restaurantes universitários, que
provêem o alimento da comunidade, são
verdadeiras “fábricas de doentes”, pois
submetem um quadro restringido de
funcionários a ritmos e jornadas insuportáveis
de trabalho. Para sustentar tais
condições de trabalho, uma grande parte
dos funcionários da USP, tanto efetivos
como terceirizados, estão submetidos a
assédios morais permanentes, que
objetivam debilitar nossa capacidade de
organização e de luta.

Diana: Para avançar nessas condições de
apartheid interno e em seu projeto de
universidade, a reitoria passou a implementar
uma ofensiva repressiva para
quebrar a resistência de trabalhadores e
estudantes. Após a greve/ocupação da
reitoria de 2007, o movimento estudantil e
de trabalhadores vem sendo vítima de uma
série de processos administrativos, judiciais
e policiais contra seus ativistas e suas
entidades, que culminaram, ao final de 2008,
na demissão inconstitucional do diretor do
Sintusp, Claudionor Brandão, tendo como
um dos fundamentos desta demissão a
defesa dos terceirizados, que nas palavras
da reitoria “representam interesses alheios
à universidade”.

JPO: E o Rodas?

Domênico: Como não acontecia desde a
Ditadura Militar, o governo do estado não
indicou como reitor o candidato mais
votado pela burocracia acadêmica, e sim
João Grandino Rodas, conhecido como
expoente entre os setores mais
reacionários da universidade, entre outras
coisas por ter sido o articulador da
resolução do Conselho Universitário que
em 2008 passou a recomendar “com
veemência” o uso da força policial para
impedir os piquetes as ocupações de
prédios dentro da USP; e também por ter
sido advogado de defesa dos militares no
famoso caso de Zuzu Angel, que teve seu
filho assassinado pela Ditadura Militar e
também foi assassinada enquanto lutava por
justiça. A eleição do novo reitor significou
uma mudança na “tática” do governo do
estado para a implementação de seus
projetos na universidade. Partindo de
reconhecer que a política de ofensiva
repressiva tal como vinha sendo
implementada estava criando uma
correlação de forças interna que fortalecia
a aliança entre dos funcionários com os
estudantes mais combativos e um setor
minoritário de professores de esquerda e
um desgaste externo da imagem da
universidade e do governo tucano, Rodas
passou adotar uma política de buscar canais
de negociação com os distintos setores do
movimento e prometer concessões para os
que se dispuserem a entrar nesse “diálogo”,
buscando com isso recompor a
legitimidade da reitoria e tentar isolar os
setores mais combativos que se
dispuserem lutar por suas demandas ou
resistir ao avanço dos projetos de
privatização do ensino.

Diana: Já em sua posse, o novo reitor
mostrou para quê foi eleito, mandando a
polícia reprimir os estudantes e
funcionários que realizavam um protesto
pacífico do lado de fora do evento. As
condições de trabalho dos terceirizados e
dos setores mais explorados da
universidade continuam as mesmas.
Recentemente, foi assinado o primeiro
convênio da USP com a Univesp,
concretizando este projeto de universidade
virtual que significa uma precarização do
ensino superior propagandeado como
“democratização”. E para avançar na divisão
e na diferenciação interna da universidade,
os reitores das estaduais paulistas
concederam em fevereiro um reajuste
salarial de 6% para os professores que não
foi estendido aos funcionários, quebrando a
isonomia que tem caracterizado as
negociações salariais desde luta pela
autonomia no final da década de 80.

JPO: Diante desta situação qual a resposta dada pelos trabalhadores?

Diana: Mesmo sobre ameaça de corte
dos dias parados, os trabalhadores da USP
entramos em greve por salário e pela
isonomia com os professores, e nossas
reivindicações democráticas: em defesa do
direito de greve, pela readmissão de
Brandão, contra as perseguições aos
estudantes e trabalhadores, pela ampliação
da assistência e moradia estudantil, pelo fim
do vestibular e a criação de vagas
presenciais, etc. A pesar das ameaças do
REItor que promete dialogo e manda a
policia, a categoria ratificou a greve e um
plano de luta e procura se aliar os
estudantes. O “democrático” REItor, diz
que mesmo sendo constitucional o direito
de greve os trabalhadores não podem
exercê-lo, sob o risco de deixar suas
famílias sem sustento, por isso nos
preparamos para impulsionar uma forte
campanha em defesa de nosso direito de
greve.

JPO: Como colocar de pé uma forte campanha nacional em defesa do direito de greve?

Pablito: Precisamos responder ao serviço
de “contra-informação” da imprensa,
que tenta vender nossa imagem como
“vândalos” e “violentos”, realizando um
trabalho amplo de imprensa nosso,
impulsionado pelo Comando de Greve,
mostrando que os piquetes são o único
recurso que nos resta para defender nosso
direito de greve frente às ameaças de
punição da Reitoria.
Frente às situações semelhantes que estão
sendo vividas por vários outros setores em
luta no país, precisamos nos dirigir aos
setores em luta, aos setores criminalizados
e perseguidos como o MST, à Conlutas, à
Intersindical, ao movimento estudantil aos
intelectuais e às organizações da esquerda.
Devemos ligar essa campanha em defesa do
nosso direito de greve à devesa da
educação pública, mostrando como os
ataques repressivos ao Sintusp são uma
conseqüência da nossa resistência à
implementação do projeto tucano de
privatização e precariazação do ensino
superior. E da mesma forma devemos ligar
a campanha em defesa do direito de greve
do funcionalismo federal à defesa dos
serviços públicos gratuitos e de qualidade.
Assim, estaremos ligando as questões
democráticas e a luta contra a repressão
aos projetos políticos em jogo. Esta
campanha democrática inclui todas as
manobras que possamos fazer no plano
jurídico, sempre com o cuidado de
esclarecer que os trabalhadores não
podem ter qualquer ilusão na Justiça
burguesa. Devemos fazer um chamado
especial ao PSTU, que tem estado presente
em nossas assembléias para declarar seu
apoio, mas que têm a responsabilidade de
fazer muito mais em função dos sindicatos
e oposições sindicais que dirigem.
Precisamos fazer um chamado concreto à
Conlutas para que organize um dia nacional
de mobilização em defesa pelo direito de
greve, que unifique todos os setores em
luta. Devemos cobrar da Conlutas que
impulsione de fato um Fundo de Greve
Nacional para impedir que as lutas que
estão sendo reprimidas não sejam
derrotadas por essas ameaças.

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