PARTIDO
Lições da greve das universidades estaduais paulistas e algumas definições acerca da estratégia revolucionária
03 Aug 2010 | Queremos com este folheto aportar para tirar lições profundas de mais esta grande luta protagonizada pelos trabalhadores da USP e seu Comando de Greve organizados no Sintusp e pelo movimento das universidades estaduais paulistas, buscando preparar melhor os futuros embates e ligar essa reflexão com algumas definições estratégicas que nós da LER-QI consideramos fundamentais para os trabalhadores e a juventude. A luta de classes é o terreno onde se prova o caráter das organizações, onde se testa seus discursos, se esclarece o seu programa, seus métodos e objetivos. Nesse sentido, também queremos debater com a esquerda sobre sua atitude frente à greve das estaduais paulistas, buscando tirar daí conclusões mais profundas que expliquem porque a esquerda, em particular suas principais expressões, o PSOL e o PSTU, não protagonizam nenhuma batalha exemplar na luta de classes nem forja nenhum dos vários sindicatos que dirigem como referências neste terreno.
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“É um grupo que paralisou o funcionamento da universidade. E nós sabemos que isso é muito fácil. Existia um chinesinho na Praça da Paz Celestial que paralisou toda uma coluna de tanques do Exército chinês, sozinho. É a mesma coisa.” Alberto Goldman, governador do estado de São Paulo
“Eles (o Sintusp) deveriam passar a usar métodos atuais. Esses eram métodos que eram usados no momento de conflagração da ditadura. Hoje no Brasil, que eu conheça, o único sindicato que fez, nesses 40 dias, todas essas coisas é o nosso. Nenhum outro sindicato do Brasil age mais dessa forma.” João Grandino Rodas, reitor da USP
“Todos os que prezam pelo regime democrático devem se alinhar aos
trabalhadores da USP, que fazem história com suas lutas.” Francisco de Oliveira, Jorge Luiz Souto Maior, Luiz Renato Martins e Paulo Arantes
“A greve do SINTUSP de 2010 parece ser uma das mais combativas de que tenho memória. Não se pode duvidar que todo o movimento progressista da região a apóia decididamente.” Carlos Lungarzo, ativista da Anistia Internacional (EUA)
I – Contexto, antecedentes, dinâmica e resultados do processo de luta
Em que contexto político se desenvolveu a greve?
A greve se enfrentou com ataques que são uma marca da atual situação internacional, em que o funcionalismo público vem sendo alvo da tentativa de retirada de direitos conquistados, demissões e ataque ao direito de greve. Em todo o mundo, os governos injetaram bilhões na economia para salvar os capitalistas e evitar um crack da economia a partir da quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008, que desatou um primeiro pico da crise estrutural do capitalismo. Isto gerou um respiro conjuntural na economia internacional, mas gerou um enorme endividamento dos estados, o qual os capitalistas e governantes querem descarregar sobre as costas dos trabalhadores. Os atuais fenômenos na Grécia são a expressão mais avançada de uma tendência, não somente do ponto de vista dos ataques que são efetivados particularmente ao funcionalismo público, mas da resistência que esses setores protagonizam.
O Brasil é um dos países que ainda se beneficia desse respiro da economia internacional. Por isso, o governo Lula, com o apoio da burocracia sindical, conseguiu forjar uma situação na qual tem primado a passividade, o conformismo social e as ilusões de uma ascensão gradual das condições de vida. Na conjuntura em que se desenvolveu a greve, isso se expressou de maneira ainda mais aguda com a abertura da conjuntura eleitoral e com a atenção da maioria dos trabalhadores voltada para a Copa do Mundo. No entanto, o governo e a patronal sabem que este momento vai passar em breve e se preparam para descarregar a crise nas costas dos trabalhadores. Os ataques ao Sintusp e à universidade pública são parte deste processo. Trata-se da política de corte de gastos públicos, privatização, terceirização, o que só pode se dar minando a capacidade de resistência dos trabalhadores, atacando o seu direito de greve e sua organização sindical. A expressão mais aguda desta política é a frente única reacionária que se forjou nacionalmente contra o direito de greve, com Lula à frente. Nesse sentido, a luta das estaduais paulistas tinha um duplo caráter estratégico: a defesa da educação pública e do direito de greve. O que demonstra esta ofensiva, bem como antecipa uma das lições que queremos ressaltar deste processo, é o fato de que depois do corte de ponto na APEOESP e de várias outras categorias, o judiciário federal também está sofrendo com o mesmo ataque. Queremos debater neste folheto quais são os elementos que fazem com que o Sintusp tenha dado o exemplo ao não deixar passar este ataque.
A luta exemplar de 2010 não caiu do céu
Já são anos e anos de enfrentamento entre o projeto de universidade que o governo do estado e as reitorias querem impor, marcado pela privatização, terceirização, ensino à distância e repressão, e o movimento de resistência das estaduais paulistas, onde o Sintusp cumpre um papel destacado. Nós da LER-QI somos minoria da direção do Sintusp, a qual compomos com o Coletivo Piqueteiros e Lutadores, e viemos integrando ativamente o Comando de Greve junto a outros ativistas independentes. Nosso objetivo é forjar alas revolucionárias no movimento operário, e por isso consideramos que a frente única que viemos levando adiante com estes companheiros, que historicamente demonstram uma combatividade diferente da maioria da esquerda, foi fundamental para termos transformado pequenas lutas em grandes batalhas de classes. Abaixo, citaremos diversos elementos que diferenciam o Sintusp do conjunto dos sindicatos brasileiros, tanto do ponto de vista dos métodos como também do programa, e consideramos que a LER-QI tem aportado ativamente para posicionar o Sintusp como um dos sindicatos mais combativos do país (em conjunto com o Coletivo Piqueteiros e Lutadores e uma série de ativistas independentes, inclusive de vários que não compõem a diretoria) e dos poucos que conseguem recolocar a classe operária nas páginas dos jornais burgueses abrindo debates estratégicos sobre a universidade e a luta dos trabalhadores.
O Sintusp sempre retomou os métodos clássicos de luta dos trabalhadores: os piquetes, as ocupações e as manifestações de rua, combinando-os com a busca de aliados políticos entre os estudantes, professores, intelectuais e setores da população. Um dos seus objetivos centrais tem sido justamente a defesa da educação pública, incorporando na sua pauta de reivindicações as demandas dos estudantes, como a luta contra o ensino à distância e por moradia para todos que necessitem, além de também levantar um programa de universidade a serviço dos trabalhadores e do povo, através da defesa do fim do vestibular e da estatização das universidades particulares. Também tem se unificado com outros setores da universidade para lutar contra a estrutura de poder oligárquica, se colocando pelo fim do Conselho Universitário.
Outro elemento central que vem sendo levado adiante pelo Sintusp é a luta contra a terceirização (aprovando em seus congressos a efetivação dos trabalhadores sem concurso público), não somente porque esta é uma das vias de privatização da universidade (junto à ofensiva das fundações privadas que já estão bem disseminadas), mas porque este é um problema estratégico da nossa classe: a unidade das fileiras operárias. O Sintusp se coloca em defesa dos interesses dos setores mais oprimidos da população. Foi o caso de haverem vinculado a luta contra a repressão da PM de Serra que se sofreu na USP em 2009, com a que o povo pobre sofria nas favelas e, em particular, em Paraisópolis [1], que estava ocupada pela PM e recebeu solidariedade direta do Sintusp.
Por causa dessas lutas decididas, o Sintusp vem sofrendo uma forte repressão, com punição a vários ativistas e com a demissão política emblemática do diretor Claudionor Brandão, militante da LER-QI. Foi com esta demanda política central que o Sintusp organizou outra luta exemplar em 2009, agregando outras demandas como o aumento salarial e a defesa de mais de 5 mil postos de trabalho que estavam ameaçados, elevando a luta do patamar econômico para o patamar político, enfrentando-se com a repressão policial, a burocracia acadêmica e o governo do estado [2].
Foi com esta mesma firmeza que o Sintusp não recuou neste ano frente à ameaça da reitoria que, antes mesmo de começar a greve, disse que não pagaria os dias parados. O motor inicial da greve foi centralmente a indignação dos trabalhadores com a ruptura, por parte do CRUESP, da isonomia salarial entre funcionários e professores nas três universidades, conquistada nas grandes lutas do final da década de 1980. Entretanto, desde o início, buscamos ligar essa luta econômica com a luta política contra o projeto tucano de avançar para colocar a universidade ainda mais a serviço dos interesses do grande capital, demonstrando como a diferenciação salarial era um passo a mais na estratégia de valorizar as áreas que proporcionam maiores lucros empresariais e aprofundar a divisão entre funcionários, professores e estudantes. As ameaças de corte dos dias de greve não podiam impedir a luta contra a quebra da isonomia entre as três universidades, que foi o principal ataque neste semestre, o que o Sintusp encarou não somente como um ataque aos salários, mas também à educação. A decisão do sindicato de manter e aprofundar as medidas de luta frente a essa ameaça foi fundamental para manter o espírito de luta dos trabalhadores e evitar o que seria a pior das derrotas, a derrota por uma luta não dada.
A luta pela massificação e pela aliança operário-estudantil
Uma vez iniciada a greve, colocamos a ênfase, além das medidas radicalizadas nos métodos como os piquetes, num programa e em demandas que permitissem a unificação, em primeiro lugar, do conjunto da categoria, evitando que a vanguarda se isolasse da massa. Em segundo lugar, naquelas que buscassem a aliança com os demais setores de dentro da universidade, particularmente os estudantes. Além de levantar as demandas para conseguir o apoio, ainda que passivo, dos trabalhadores e do povo de fora da universidade.
Para atingir este objetivo, foi fundamental o comando de greve com delegados eleitos nas reuniões de unidade. O Sintusp segue o melhor da tradição do movimento operário e sua diretoria se dissolve nos momentos de luta no comando de greve, que substitui o papel da direção do sindicato e permite que sejam os companheiros de cada unidade, que estão na vanguarda da greve e que mantêm uma relação mais direta com a base, que de fato dirijam o conflito aplicando na prática o programa de auto-organização dos trabalhadores eleitos pela base.
Foi fundamental nessa greve o surgimento de uma oposição combativa ao Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp, dirigido pelos governistas do PCdoB, que trabalharam o tempo inteiro contra a greve. Isso não impediu que na Unicamp ocorresse a greve mais forte dos últimos anos. Nesta oposição, é sabido que Mário Bigode cumpre um papel central, que é um importante militante das greves operárias dos anos 1970 e hoje militante da LER-QI e que conseguiu organizar os primeiros passos de uma oposição classista a esta burocracia, tomando para si os exemplos do Sintusp. Nossa intervenção também foi uma contraposição à oposição feita pelo coletivo Vamos à Luta, dirigido pelo Rosa do Povo - PSOL, que mais de uma vez propuseram a radicalização dos métodos, porém descolados da radicalização do programa e por fora de uma estratégia que pudesse levar a luta à vitória. Ao mesmo tempo, mostram sua falta de clareza estratégica em relação à importância da aliança operário-estudantil quando, apesar de dirigirem o DCE da Unicamp, não se prestaram em nenhum momento a organizar seus militantes estudantis para prestar uma solidariedade ativa à greve dos trabalhadores; o que nós da LER-QI, ainda que com nossas pequenas forças, fizemos em todo o conflito.
O fato de a greve ter se estendido para 12 campi da Unesp, em vários deles adotando medidas radicalizadas de luta, foi outro fator essencial. Também aí a greve se tornou uma das mais fortes dos últimos anos, com um novo setor ativista que pressionava o sindicato a ações mais radicalizadas como os trancaços, nas quais cumpriu um papel importante a aliança com os estudantes, dentre os quais o Movimento A Plenos Pulmões e o grupo de mulheres Pão e Rosas tinham um papel importante nos campi de Rio Preto, Rio Claro e Marília.
O movimento estudantil vem cumprindo um papel chave nas mobilizações dos últimos anos em defesa da universidade, sendo a mobilização mais importante a luta de 2007 que se deu com a ocupação na USP, 2 ocupações na Unicamp e 11 na Unesp, ligadas a uma greve estudantil massiva. Foi a maior mobilização estudantil nos últimos anos, essencial para barrar parcialmente os planos do governo. O Sintusp não conseguiria cumprir o papel que cumpre em defesa da universidade se não houvesse a aliança com o movimento estudantil. No entanto, o que ficou marcado neste ano foi o oposto. Isso se deve fundamentalmente à situação de passividade a nível nacional e ao ciclo de consumismo que impacta as classes médias, mas não devemos deixar de lado também o papel de organizações como o PSOL e o PSTU, que têm um importante peso militante nas universidades e que poderiam ter mobilizado no mínimo uma vanguarda que se unificasse com os trabalhadores. O PSOL, como direção do DCE da USP e da Unicamp e de uma série de entidades, adotou uma política anti-mobilização e não mobilizou sequer sua militância para os principais atos. Por sua vez, o PSTU, ainda que enviasse alguns militantes para a ocupação e para as manifestações, se negou a colocar suas forças decididamente em apoio à greve, adotando um discurso corporativista no movimento estudantil que não tratava a mobilização dos funcionários como uma luta em defesa da universidade. Convocaram a primeira reunião da ANEL na USP após 40 dias de luta, apesar de, antes mesmo da greve começar, ter sido aprovado um comitê da ANEL em apoio a ela.
O bloco entre o Movimento Negação da Negação e o PCO, que muitas vezes criticava corretamente a política anti-mobilização do PSOL e que participou da ocupação da reitoria, foi incapaz de se constituir numa alternativa para o movimento. Por um lado por não ver, ou demorar para ver, a importância da participação ativa na greve e de reconhecer o papel protagonista do Sintusp e, por outro, pela ausência de uma política que se dirigisse à massa dos estudantes e de um programa que fosse capaz de dar uma resposta de fundo aos problemas da universidade.
Um exemplo de que era possível uma dinâmica distinta foi o papel cumprido pelo movimento estudantil da Unesp de Marília. A partir de uma frente única da LER-QI com uma série de estudantes independentes, no ano passado, já havia se desenvolvido uma greve com ocupação em Marília que deu um exemplo ao levantar a bandeira da democratização da universidade em contraposição à Univesp. Os próprios jornais da cidade noticiavam que os estudantes da Unesp estavam em greve para que todos pudessem ter acesso à universidade. No entanto, deram um salto superior ao sair em luta em apoio à greve dos trabalhadores, contra a terceirização do restaurante universitário e por outras demandas [3].
Lamentavelmente, para além dos estudantes de Marília, o apoio estudantil se restringiu essencialmente ao movimento estudantil da Unesp e aos setores que nós da LER-QI, junto a independentes no Movimento A Plenos Pulmões e do grupo de Mulheres Pão e Rosas, conseguimos mobilizar para todas as ações, organizando blocos combativos de estudantes em todas as manifestações, participando ativamente da ocupação, da comissão de cultura, dos piquetes, trancaços, fazendo cortes na Avenida Paulista, etc. A partir de um combate contra a passividade e dando exemplos a partir das entidades estudantis onde estamos, conseguimos organizar dezenas e dezenas de estudantes para o apoio ativo não somente dentro das estaduais paulistas, mas fora dela. Por exemplo, em meio à luta, o PSTU girou seus militantes da USP para as eleições do DA da FAFIL da Fundação Santo André. Nós fizemos o contrário, constantemente mobilizávamos nossa chapa para apoiar a mobilização da USP, que com esse método e um programa avançado ganhou as eleições.
O PSOL e o PSTU também poderiam cercar a greve de solidariedade desde fora das universidades e coordená-la com outras lutas em curso como a dos judiciários. No entanto, os chamados que foram feitos ao Conclat e às organizações de esquerda não tiveram resposta. Os sindicatos da Conlutas e da Intersindical e as organizações de esquerda, seja o PSOL ou o PSTU, sequer concederam doações ao fundo de greve que o Sintusp organizou (enquanto gastaram-se milhões na construção do CONCLAT).
O corte de ponto na USP fez o movimento se radicalizar
Depois de mais de 20 dias de greve, às vésperas do dia de pagamento do salário, a reitoria da USP resolveu concretizar sua ameaça de corte de pontos. Mais uma vez, a frente única do Sintusp foi fundamental para que os trabalhadores respondessem à altura. Foi essa atitude firme que elevou o conflito a um patamar político, que se tornou uma luta democrática em defesa do direito de greve.
A partir daí, os rachas internos na burocracia acadêmica, que tinham se evidenciado com a oposição da Faculdade de Direito ao Rodas, vieram à tona e uma série de congregações votaram contra o corte de salário. Para isso, cumpriu um papel importante o parecer jurídico do Juiz do Trabalho Jorge Luiz Souto Maior que atestava o caráter ilegal do ataque ao direito de greve com o corte de salário, mesmo argumento utilizado pelo STJ quando se colocou contra o corte de ponto nos judiciários.
Frente à radicalização da reitoria em cortar o salário de mais de mil trabalhadores, o movimento dos trabalhadores radicalizou-se ocupando a reitoria contra o corte de ponto e fazendo ações em cada uma das diretorias que ordenavam o corte, fazendo-as retroceder. A luta abre uma nova etapa e, somada às ações de rua, ganha notoriedade na grande mídia e abre o debate sobre a universidade e o direito de greve em todo o país. Ampliou-se a iniciativa de professores em apoio à greve com artigos em jornais, além de aulas ministradas na ocupação como as do Professor Luiz Renato Martins e de Chico de Oliveira. Foram iniciativas fundamentais para combater, no espaço restrito das mídias burguesas, o discurso racista e reacionário que, desde o início da greve, o Reitor desferiu contra os trabalhadores, chamando-os de “mercenários”, entre outros.
Resultado da greve
Apesar de toda essa batalha política, a greve não conseguiu impedir a quebra da isonomia – que se manteve como uma demanda pela qual devemos seguir lutando – devido a que essa conquista só seria possível com uma forte greve nas estaduais paulistas de conjunto, o que não ocorreu devido a passividade dos docentes e da maioria dos estudantes, assim como à política da burocracia governista do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp que trabalhou contra a greve e a do Sintunesp, que teve uma política vacilante.
Ainda assim, esta greve teve conquistas importantes. Economicamente, os trabalhadores da USP e da Unicamp não conseguiram conquistar mais que os 6,57% e alguns outros benefícios, no entanto, os mais de 1000 trabalhadores da Unesp que ganham os salários mais baixos, conseguiram um aumento de 33% igualando seu piso salarial ao da USP (assim, os menores salários da Unesp foram de cerca de 900 reais para 1200 reais). Mas as principais conquistas da greve são políticas. Em primeiro lugar, ela escancarou o projeto privatista dos tucanos para a universidade, reabrindo nacionalmente o debate sobre a universidade no país, e expondo, a partir do Sintusp, um projeto de universidade pública, democrática e a serviço dos trabalhadores e do povo pobre. Também desmascarou o reitor Rodas que se apresentava como “reitor do diálogo”. A greve também reabriu a crise no regime universitário da USP, que vem sendo carcomido desde a mobilização de 2007, aprofundando as divisões que hoje se expressam principalmente na crise de Rodas com a Faculdade de Direito, justamente onde ele era diretor, mas que também se expressou na negativa de vários diretores em cortar o salário, assim como a raiva de outros por ele não ter sido mais duro com o Sintusp.
Para o movimento operário, a principal conquista que fica, para além do fortalecimento da organização dos trabalhadores combativos nas estaduais de conjunto, tendo o Sintusp como referência, é o fato de ter derrotado o ataque ao direito de greve que vem sendo parte de uma ofensiva em todo o país. A firmeza do Sintusp em não retroceder frente às ameaças repressivas permitiram que mesmo numa situação nacional desfavorável para os trabalhadores, estes triunfassem na sua luta em defesa do direito de greve. Este triunfo tem um grande significado político, já que se dá em enfrentamento com a política defendida por Lula de que “greve é guerra, não férias”. A imposição do pagamento dos dias parados se constituiu em uma barricada importante a partir da qual a categoria seguirá lutando por nenhuma punição aos ativistas de vanguarda e ao sindicato, que ao final da greve ficou definida como uma das principais tarefas do movimento, consciente de que a reitoria seguiria sua política de criminalização e perseguição ao movimento.
Do ponto de vista do movimento estudantil, a greve com ocupação de Marília saiu vitoriosa, conseguindo barrar a terceirização (ainda que a diretoria continue fazendo manobras para tentar reverter este resultado, o que vem sendo respondido pelos estudantes), mas também pelo fato de que os estudantes saem moralizados pelo papel ativo que cumpriram em apoio aos trabalhadores.
Mais uma vez, o Fórum das Seis demonstrou sua impotência frente à necessidade de uma aliança combativa entre funcionários, estudantes e professores para combater os projetos do governo do estado e seus agentes na burocracia acadêmica. Nesse sentido, esta greve coloca num patamar superior a necessidade de abrir o debate sobre o papel do Fórum das Seis. Concretamente, a única entidade docente que cumpriu um papel progressivo foi a Adusp, ao ceder 9.000 reais para o fundo de solidariedade do Sintusp e ao ter se posicionado desde o princípio contra a quebra da isonomia, contra o corte de ponto e em defesa dos trabalhadores. O papel cumprido pela Adunicamp foi traidor, impondo uma paralisia do Fórum das Seis ao se posicionar contra as medidas radicalizadas de luta e a Adunesp teve uma postura passiva frente à magnitude dos ataques que estavam colocados.
II – Debates sobre prática política, programa e estratégia na esquerda
A partir do balanço dessa greve, queremos abrir a discussão sobre nossas concepções mais estratégicas, não somente como LER-QI, mas como Fração Trotskista (nossa organização internacional), em debate com as principais correntes da esquerda, o PSOL e o PSTU [4].
Por uma prática política revolucionária na luta de classes
A esquerda sempre se queixa do papel de controle da burocracia sindical sobre o movimento operário, bem como das dificuldades que o fortalecimento do lulismo trouxe para o surgimento de alas de esquerda no movimento operário. Sem dúvida, são problemas reais. No entanto, nada pode esconder o fato de que a esquerda, que no Brasil conquistou um peso relativamente importante nos sindicatos (como em poucos países no mundo) no último ascenso das lutas nos anos 1970 e 1980, não conseguiu dar exemplos de luta e organização do movimento operário. Uma coisa era no período reacionário neoliberal, particularmente após a derrota da greve dos petroleiros em 1995 com os tanques de FHC e a ajuda de Lula [5], pois o movimento operário retrocedeu de conjunto internacionalmente e aqui não foi diferente, mas o fato de não ter travado nenhuma luta séria nos últimos 8 anos de governo Lula é uma expressão cabal de adaptação. Acreditamos que o Sintusp tem dado passos para forjar uma nova tradição no movimento operário brasileiro. Para isso, nós da LER-QI temos cumprido um papel importante, que está ligado às nossas concepções de como atuar na luta de classes, que são um patrimônio da nossa corrente internacional, a Fração Trotskista, como forma de dar continuidade ao melhor da tradição trotskista.
Do ponto de vista da prática política internacionalmente, é conhecido por setores de vanguarda o exemplo de luta da fábrica de cerâmica Zanon – protagonizada pelo PTS, nossa organização irmã argentina – que depois de 7 anos produzindo sob controle operário foi expropriada, se transformando em um símbolo do processo de recomposição do movimento operário argentino desde 2001. Ainda que este não seja o nosso programa completo, que seria conquistar a estatização da fábrica, é uma conquista histórica para o movimento operário. A partir do mesmo Sindicato dos Ceramistas de Neuquén, composto pelo PTS e independentes, os trabalhadores também conseguiram ocupar e colocar para produzir sob controle operário, a fábrica da ex-cerâmica Del Valle. E, neste momento, os trabalhadores estão levando adiante mais uma heróica luta pela estatização sob controle operário de mais uma fábrica ocupada e posta a produzir sob controle operário do mesmo sindicato: a cerâmica Stefani [6]. Com isso, já são 3 das 4 fábricas da base do sindicato que estão ocupadas e produzindo sob controle operário.
Mais recentemente, o PTS também levou adiante uma luta exemplar na Kraft – monopólio norte-americano da alimentação, 2º maior mundialmente – que começou com uma rebelião operária no pico da pandemia da gripe A que provocou a demissão de 160 ativistas numa fábrica com 2.700 operários. Foi a luta mais importante do movimento operário argentino dos últimos anos. Avançou para uma paralisação por quase 37 dias conservando os demitidos dentro da fábrica, combinado com diversas ações que diariamente reuniram centenas de estudantes e desempregados, numa aliança concreta com centralidade operária, uma vez que os operários participavam massivamente, sendo que chegou a reunir milhares para resistir à repressão realizada para desocupar a fábrica. Isso se combinou com ações em todo o país protagonizadas pela militância estudantil do PTS, que chegou inclusive a abrir uma crise internacional com o escracho à embaixadora norte-americana – que fez uma intervenção sem precedentes num conflito operário na Argentina, pedindo formalmente a Kirchner a repressão à greve – que estava numa atividade em Mendoza. Foi este exemplo que fez a burguesia argentina temer o que ela mesma chamou de “efeito Kraft” [7]. E na recente campanha salarial, os trabalhadores de Kraft conseguiram impor um aumento salarial de 35% para todo o ramo da alimentação, o maior de todas as categorias, e se transformou num exemplo de luta seguido pelas outras categorias, o que a burguesia chamou de “efeito 35%”. Apoiando-se nesse processo, o PTS vem dando os primeiros passos em impulsionar uma Coordenação dos setores operários combativos na Zona Norte de Buenos Aires, principal concentração operária da Argentina.
Chamamos nossos leitores a conhecerem melhor a riqueza de detalhes desta luta da Kraft, mas o que queremos ressaltar aqui para nosso debate é o segundo aspecto que nos faz dizer que esta luta não caiu do céu. Trata-se do papel subjetivo, do PTS, que é parte destacada do chamado “sindicalismo de base” que vem se forjando na Argentina, e tem como seu segundo símbolo os delegados anti-burocráticos do metrô de Buenos Aires, onde temos peso na ala esquerda. O “sindicalismo de base” é um fenômeno, que surgiu nos últimos anos na Argentina, de delegados anti-burocráticos que se organizam desde a base e que vêm preocupando a burguesia e golpeando a burocracia sindical. É deste processo que Kraft faz parte, onde fizemos um trabalho clandestino paciente dentro da fábrica que permitiu que pudéssemos assumir a direção do conflito e ganhar a eleição da Comissão Interna que se realiza logo depois da 1ª etapa da luta, que depois de eleita vem travando uma luta para construir um forte comando de delegados por seção dentro da fábrica que fortaleça a organização dos trabalhadores a partir da base e da democracia operária. Mas também não se trata somente de Kraft, Zanon e metrô: o PTS vem sendo parte da maioria das principais lutas do movimento operário argentino, com suas derrotas e vitórias, onde intervém com suas dezenas de operários formados politicamente como revolucionários e que não tem apenas (vários deles) “crachá” de delegado sindical, mas têm peso de direção real na base para dirigir as lutas.
Não vamos aqui discorrer sobre exemplos da Fração Trotskista em outros países, mas que também chamamos a conhecer. Por exemplo, nosso papel no SINTRASABSA (aeroporto de El Alto na Bolívia); na intervenção audaciosa, ainda que sem haver cumprido papel de direção, da LTS no México na recente luta dos eletricistas do SME; na Venezuela nos conflitos de Sidor e Sanitários Maracay; e na luta da Philips na França.
Quando falamos de exemplos, não estamos tratando do fato destes movimentos terem sido vitoriosos ou derrotados. A questão é se as lutas foram verdadeiras batalhas de classe que, se não deixam conquistas diretas, deixam conquistas políticas, organizativas e lições que podem ser apropriadas pela nossa classe para que nos próximos embates parta de um patamar superior. É neste sentido que aponta o nosso balanço da “luta não dada” [8] frente às 4.270 demissões na Embraer. Apesar de ser direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, o PSTU só impulsionou algumas pequenas ações, uma “campanha política” pedindo a Lula uma medida provisória contra as demissões e depositou esperanças de que a justiça poderia tomar alguma medida favorável aos trabalhadores. E depois que a justiça confirmou as demissões, passaram a “exigir” a estatização sob controle dos trabalhadores como forma de encobrir a luta não dada, “agitando” consignas transicionais separadas da luta.
Em cada luta, o PSTU não enfrenta os limites impostos pela legalidade burguesa, ao deixar de construir na maior dimensão possível a aliança operária e popular que pode levar cada conflito à vitória, como operações preparatórias para os embates decisivos da luta de classes. Essa aliança só pode se construir numa solidariedade ativa e efetiva frente a cada embate, com ações efetivas nas ruas e nos locais de trabalho e de estudo com dezenas, centenas e milhares de pessoas. Que campanha real de combate (e não de mesas superestruturais com burocratas e moções) o PSTU impulsionou contra as demissões na Embraer? Sem levar à frente uma campanha conseqüente, não se pode dizer, como faz o PSTU, que os trabalhadores da Embraer não quiseram lutar.
Quantos Conclat´s terão que explodir?
Os sindicatos continuam sendo uma ferramenta central da luta dos trabalhadores, apesar de que a maioria deles se transformou em organismos dominados pela burocracia sindical, utilizados para a conciliação com os patrões e não para a luta de classes, além de serem burocráticos, esvaziados e corporativistas.
Apesar de diferenciar-se da burocracia sindical pelega, a esquerda brasileira tem particular responsabilidade quando se discute o movimento sindical, pois não constitui uma alternativa de independência política baseada na luta de classes. Entre o PSOL, o PSTU e outras organizações menores, são dezenas e dezenas de sindicatos em que a esquerda está na direção, mas nenhum sindicato que dirigem se torna uma referência real de luta porque cumpre um papel objetivo na realidade. Além disso, os sindicatos que dirigem não têm programa e política para os terceirizados, mantém diretores por anos e anos sem trabalhar e profissionalizados pelo sindicato e quase não organizam assembléias e eleição de delegados de base. Em alguns casos, chegam a aceitar o imposto sindical. No dia a dia, a maioria se limita a administrar problemas individuais de um trabalhador ou outro.
Temos consciência de que os exemplos do Sintusp são apenas passos iniciais no sentido de um sindicato revolucionário que cumpra um papel superior na luta de classes, no entanto, acreditamos que vem forjando uma tradição que deve ser reivindicada. Sabemos também que é necessário que haja uma coordenação de sindicatos combativos, por isso atuamos [9] a partir do Sintusp na Conlutas e na nova central fundada no Conclat, batalhando por construí-la como um organismo forjado na luta de classes e no combate à burocracia sindical. Neste terreno, temos que nos enfrentar com a concepção aparatista do PSTU, que constrói organismos superestruturais que não servem para a luta de classes [10].
A explosão do CONCLAT na disputa de aparatos, de costas para a luta de classes (fato demonstrado pela falta de um tratamento minimamente sério por parte do congresso para as lutas em curso ou as lições dos processos de luta de classes nos últimos anos) e para os debates de programa (nenhuma discussão sequer sobre o programa neodesenvolvimentista do PSOL) é a expressão máxima do fracasso da política de construção de aparatos superestruturais, que realizam encontros a cada um ou dois anos, que mais parecem “parlamentos de sindicalistas” onde todos se reúnem para fazer uma “homenagem ao socialismo”, mas nunca servem para organizar a luta concreta contra a burocracia sindical, os patrões e os governos.
É por isso que consideramos um erro que o Coletivo Piqueteiros e Lutadores tenha assinado a tese “Avançar” para o Conclat (que expressava as posições do PSTU), pelo fato de que a tradição que estamos forjando em comum no Sintusp é distinta da que o PSTU leva adiante nos sindicatos. Ao contrário, consideramos que a tarefa fundamental de todos os lutadores e lutadoras da USP seria poder levar as lições de suas combativas greves, seu programa avançado e seus métodos radicalizados expressos em uma tese comum, assim como um sério balanço da falta de atuação da Conlutas nas greves das estaduais paulistas.
É necessário superar o eleitoralismo
Essa adaptação por parte da esquerda ao movimento sindical e estudantil se combina com o eleitoralismo. No terreno sindical, isso se expressa cabalmente em que o PSOL e o PSTU sempre dirigem massivamente à sua militância para as eleições sindicais, às vezes trazendo gente inclusive de outros estados, mas nunca para apoiar ativamente um processo de luta.
O terreno das eleições burguesas é onde o PSOL mostra claramente seu caráter, ao aceitar dinheiro de empresas como a Gerdau e a Taurus, bem como levantar um programa que responda aos interesses de setores burgueses “anti-neoliberais” de ocasião (o que se expressa neste ano no programa de Plínio de Arruda Sampaio, no qual palavra “salário” sequer aparece e se negam à luta pelo não pagamento da dívida pública), etc. Por sua vez, o PSTU demonstrou sua adaptação neste terreno, apoiando Lula-Alencar no 2º turno em 2002 e ao compor a Frente de Esquerda com o PSOL e o PCB por trás de Heloísa Helena em 2006 [11].
Agora, o PSOL e o PSTU estão amargando o isolamento. Mesmo depois da crise do CONCLAT, a esquerda mergulhou num eleitoralismo desenfreado na disputa entre qual candidatura vai ganhar 0,1% a mais nas eleições. Para isso, vale tudo. Por um lado, o PSOL segue com seu programa oportunista e sofre a crise de Heloísa Helena abertamente declarar apoio à Marina Silva. Por sua vez, o PSTU adota até mesmo “táticas” como lançar na copa do mundo a campanha “torça pelo Brasil, lute pela soberania”, com direito a blog “PSTU na arquibancada” e tudo mais. Um desespero eleitoralista.
Por um programa que responda às reais necessidades dos trabalhadores
Para determinar em que grau os trabalhadores estão dispostos a lutar, e ao mesmo tempo fortalecer o seu espírito de luta, é necessário oferecer-lhes um programa de ação revolucionário que não vacile em questionar no discurso e nas ações o lucro dos capitalistas, a intransigência patronal e dos governos, e sua ditadura que se exerce através da propriedade privada dos meios de produção. Nesse sentido, ainda que uma luta seja por uma melhoria salarial ou defensiva contra algum ataque, é necessário atuar conscientemente para transformar esta luta em uma grande batalha, sempre buscando elevá-la do patamar sindical ao político, da luta corporativa à classista, na perspectiva de transformar os sindicatos em referência para outros trabalhadores e o povo pobre, conquistando a hegemonia da classe operária para atacar cada vez mais firme e decididamente as bases do regime burguês.
Para atingir este objetivo, sempre atuamos apropriando-nos do método do Programa de Transição da IV Internacional fundada por Trotsky em 1938. Para Trotsky, e para nós da FT, este programa é a síntese mais avançada de um programa para os revolucionários levarem à prática política e fazerem agitação de massa. Trata-se de um programa de consignas transicionais que dialogam com o nível de consciência atrasado dos trabalhadores, mas tratando de fazê-los avançar através de sua experiência concreta no sentido da luta pela tomada do poder. Programa este que obviamente só pode ser levado à prática com métodos combativos, como na medida de nossas modestas forças, buscamos fazer em Kraft, Zanon e no Sintusp.
Essa é uma concepção diferente da esquerda que na prática só luta por programas mínimos, adaptando-se à “miséria do possível”, ao invés de oferecer um programa que responda de fato às necessidades da classe e um plano de ação que faça com que os trabalhadores sintam confiança de que é possível lutar e vencer. Isso se combina com o que eles chamam de “propaganda socialista”, que fazem somente nas eleições ou nos “parlamentos de sindicalistas”, que no caso do PSTU às vezes inclui algumas consignas soltas do programa de transição. Nas lutas e nos sindicatos, nunca agita e leva para a ação essas consignas transitórias. Trata-se da repetição da velha separação da social-democracia entre programa mínimo e máximo que Trotsky buscou superar com o Programa de Transição. Além disso, nas “mobilizações” convocadas pelas centrais sindicais burocráticas “contra a crise”, se adapta ao programa imposto pela burocracia, como foi o caso das marchas de 30/03/09 ou 14/08/09 que tiveram como eixo a redução da taxa de juros.
Por um partido forjado na luta de classes e que resgate o melhor do marxismo revolucionário
Por trás da nossa atuação nas lutas está uma concepção de construção do partido revolucionário, a partir de forjar frações revolucionárias na luta de classes, dando exemplos no combate contra a burocracia sindical, o governo e os patrões. Combinado a isso, buscamos aportar o máximo possível no terreno do combate teórico-político e ideológico em defesa do marxismo, resgatando o que de melhor deram as elaborações dos marxistas clássicos e atualizando-as em chave não dogmática. Nesse sentido, hierarquizamos a formação dos militantes, como parte da tarefa estratégica de forjar quadros que estejam preparados para responder aos diversos problemas teóricos, políticos e organizativos com os quais nossa classe terá que se deparar. Nosso desafio é combinar uma prática política revolucionária com um esforço teórico-político para recompor o melhor da teoria revolucionária.
A Fração Trotskista se considera um pólo principista internacional teórico, programático, político e organizativo com um lugar diferenciado frente à diversidade de matizes de organizações reformistas e também às que denominamos centristas (que oscilam entre a reforma e a revolução). Para nós, a construção do Partido Mundial da Revolução, a IV Internacional, se dará a partir de um profundo processo de rupturas e fusões que vão se dar no movimento operário em meio à crise capitalista, que ocorrerão inclusive no interior das atuais organizações que vão estar sobre impacto destes processos. Nos preparamos para cumprir um papel qualitativo neste processo, aportando o máximo que pudermos ao resgatar o melhor do marxismo revolucionário, e ligando-nos aos fenômenos mais avançados da classe operária.
Para nós, a tarefa de construção do partido está ligada organicamente à de impulsionar os organismos de auto-organização das massas, que estas virão a construir espontaneamente no seu enfrentamento com o capital - mas que cabe aos revolucionários a tarefa de desenvolver até o final - com liberdade para todas as organizações operárias atuarem; ou seja, um organismo que se baseie numa profunda democracia operária, e que será não só um organismo para a luta, mas também preparatório do novo estado operário. Além de ter abandonado esta estratégia soviética, ou seja, a política de estimular organismos de auto-organização das massas, o PSTU tem outra concepção de construção de partido; que dirá o PSOL, que sequer coloca a estratégia da revolução.
O PSOL rompeu com o PT, mas não com o petismo. Trazem dele todos os seus vícios conciliatórios e nenhuma de suas virtudes dos primeiros momentos, como um partido que teve uma alta composição operária e classista. O caráter eleitoralista e estrategicamente fadado ao fracasso deste partido se demonstrou na enorme crise que se abriu a partir da negativa de Heloísa Helena em se candidatar neste ano, optando por apoiar Marina Silva. Sem os milhões de votos de Heloísa Helena, o partido se perdeu em uma luta fracional com direito a métodos típicos dos partidos oportunistas e burgueses. Trata-se de um partido que tem como centro as eleições e, como concepção, busca unir reformistas e revolucionários num partido sem delimitação de classe. A crise do PSOL não é um caso isolado. Todos os partidos deste tipo, como o NPA da França, vêm passando por crises similares.
O PSTU, ainda que diga defender a estratégia da ditadura do proletariado e a construção do partido revolucionário, e que tenha iniciativa para se inserir no movimento operário, também não tem uma concepção de construção forjando frações revolucionárias na luta de classes. Sua estratégia de construção, baseada nas concepções do morenismo (sua corrente internacional), é de combinar uma prática sindicalista e eleitoralista com a expectativa de construção “aos saltos” a partir da ruptura dos aparatos burocráticos, reformistas e até mesmo burgueses. Vejamos a que levou essa concepção aqui no Brasil.
Enquanto constituíam a Convergência Socialista (corrente morenista do PT que dará origem ao PSTU), chamaram uma frente com todos os que se reivindicavam socialistas, entre eles a ala esquerda do Movimento Democrático Brasileiro (que depois se transformará no PMDB), dirigida nesse momento por Fernando Henrique Cardoso [12]. Depois da fundação do PT, se adaptaram à direção lulista, sem dar uma luta conseqüente para construir uma ala esquerda revolucionária nesse partido [13] e ficando por anos e anos inseridos nele. A partir do momento em que a CS rompe com o PT e funda o PSTU, em 94, essa estratégia irá se plasmar no chamado à fusão com a esquerda petista, incluindo todo tipo de oportunistas, como a Consulta Popular e a Articulação de Esquerda. No momento da ruptura dos parlamentares que fundariam o PSOL, isso se materializava em cantos da sua militância nos atos que diziam “Ô Heloísa, eu quero ver, um partido socialista com você”. Este projeto sofre uma derrota estratégica quando os parlamentares resolvem fundar o PSOL. Quando criticamos essa concepção, não quer dizer que opinamos que não se deve ter política para dialogar com setores de outras organizações e ter táticas de fusões em determinados momentos. No entanto, o erro é transformar uma tática eventual numa estratégia permanente, independente da situação, levando a uma adaptação a essas direções, quando na verdade é necessário um combate implacável contra elas.
É devido a essas concepções mais basilares que o PSTU, apesar das suas diferenças em relação ao PSOL, não tem a estratégia de forjar um partido a partir da luta de classes, preparando-o para a tomada do poder em chave conspirativa, e sim adota uma prática baseada no sindicalismo de pressão e no eleitoralismo, à espera de rupturas dos aparatos burocráticos que venham salvá-los do isolamento.
III – Conclusões
Como apontamos anteriormente, a crise estrutural do capitalismo também vai atingir o Brasil, ainda que chegue aqui em ritmos diferenciados. Além disso, podemos afirmar que o próximo governo, seja ele de Serra ou de Dilma, independente das diferenças que podem ter entre si, estará inserido em um período com um maior grau de instabilidade política porque nenhum dos dois tem a capacidade de contenção do movimento de massas que tem a figura do Lula (que a partir desta força tem um enorme poder de arbitrar entre as distintas frações burguesas), nem disciplinar o movimento de massas do mesmo modo. Assim, nosso prognóstico é que o Brasil tende a, no próximo período, romper a dinâmica dos últimos anos de estabilidade burguesa e voltar a encontrar-se com a sua história no século XX. É para preparar-nos para este cenário que buscamos tirar lições estratégicas dessa importante luta.
Uma das tarefas que os trabalhadores terão que levar à frente mais conseqüentemente é a luta em defesa do direito de greve e contra a repressão. Na própria USP já começaram as retaliações fruto do processo de luta, com uma suspensão de 30 dias de Patrícia, uma representante dos trabalhadores da FFLCH no Comando de Greve e militante da LER-QI. Nesse sentido, uma das tarefas emergenciais para o conjunto da classe trabalhadora e das organizações de esquerda é impulsionar uma grande campanha nacional em defesa do direito de greve e contra a repressão.
Mas as conclusões que queremos ressaltar neste folheto dizem respeito à necessidade de avançarmos em nossa organização para enfrentar estes ataques. Em primeiro lugar, queremos abrir um debate com os próprios companheiros e companheiras com os quais atuamos no Sintusp, que vem cumprindo seu papel devido à força da frente única entre a LER-QI, o Coletivo Piqueteiros e Lutadores e uma série de ativistas independentes. A primeira questão que queremos ressaltar é que precisamos aprofundar o classismo do nosso sindicato, avançando na defesa dos terceirizados, no seu papel político frente ao conjunto do movimento operário e ao povo pobre, tarefa para a qual consideramos que a LER-QI cumpre um papel muito importante, com nossas propostas políticas e programáticas, sempre reafirmando a necessidade de combinar a radicalização nos métodos com a radicalização política. Além disso, um sindicato classista precisa assumir conscientemente a tarefa de construir uma ala combativa na nova central fundada no Conclat, a Central Sindical e Popular – Conlutas, o que para nós não pode se dar sem apresentar uma alternativa distinta à que propõe o PSTU, como esperamos ter demonstrado com este folheto.
Do ponto de vista estratégico, queremos abrir o debate com os companheiros do Coletivo Piqueteiros e Lutadores sobre a questão do sujeito revolucionário. Consideramos um erro que, mesmo cumprindo um papel diferenciado num sindicato de trabalhadores, os companheiros sigam com a concepção de que não são os trabalhadores o sujeito da revolução, e sim os “movimentos sociais” em geral. A aliança dos trabalhadores com o povo pobre, que estão organizados em uma série de movimentos, é o que faz a burguesia tremer; neste sentido, estes movimentos também cumprem um papel essencial. No entanto, é necessário avançar na compreensão de que é apenas se os trabalhadores, com seus próprios métodos de luta, pelo papel que cumprem na produção capitalista e no conjunto da sociedade, assumem um papel dirigente nessa aliança, poderemos derrotar a burguesia, seus governos e seu estado. Junto a isso, acreditamos que é necessário avançar na compreensão de que, na presente etapa da luta de classes, a classe operária precisa se preparar para a luta pela tomada revolucionária do poder. E, para essa tarefa estratégica, os sindicatos ou as centrais sindicais são insuficientes. Por isso, avançar na construção de uma nova ferramenta política, ou seja, de um partido revolucionário, é a tarefa mais urgente da classe operária brasileira. Ao se colocar contrário ao debate e as ações concretas para construção do partido revolucionário, o Coletivo, apesar da grande combatividade e radicalidade de vários dos seus integrantes, não ajuda a superar o desarmamento político da classe operária. É preciso ir além das necessárias campanhas salariais e da luta cotidiana por melhores condições de salário e trabalho, travando uma luta política cotidiana ao redor dos principais fenômenos da luta de classes nacional e internacional; ou seja, os trabalhadores precisam fazer política como parte da preparação para a perspectiva estratégica da tomada do poder.
Com este folheto também queremos abrir um debate com os estudantes, trabalhadores e professores combativos com os quais tivemos essa experiência em comum. Vários destes, inclusive, já atuam conosco na agrupação de mulheres Pão e Rosas, no Movimento A Plenos Pulmões ou no Movimento Classe contra Classe. A estes setores, assim como a todos aqueles que tenham interesse, chamamos a assumir junto conosco a tarefa de colocar de pé uma forte corrente de estudantes, trabalhadores e professores combativos a partir das universidades estaduais paulistas, para dar continuidade num patamar superior ao trabalho que viemos levando adiante em comum nas últimas batalhas. Queremos construir uma corrente que reúna todos aqueles que queiram lutar por uma universidade a serviço dos trabalhadores, com o fim do vestibular e a estatização das universidades particulares e a democratização radical da estrutura de poder com a maioria estudantil; contra os ataques ao direito de greve, que constituem uma política para avançar na terceirização e na privatização dos serviços públicos; contra a burocracia sindical, os governos e os patrões; por uma nova tradição no movimento operário e estudantil, começando por conformar uma ala na Nova Central e na ANEL; contra a terceirização, não como uma mera questão de “solidariedade”, mas como uma concepção estratégica da necessidade da unidade das fileiras da classe operária para combater os capitalistas e seu sistema de exploração e opressão; por uma ferrenha denúncia da violência policial e do papel que cumpre a polícia como braço armado da burguesia; pela independência política dos trabalhadores e para que os capitalistas paguem pela crise. Além dos setores das universidades estaduais paulistas, queremos lutar lado a lado com trabalhadores de outras categorias que se coloquem esta perspectiva.
Ao mesmo tempo em que consideramos importante a tarefa de impulsionar a luta por cada um destes elementos, entendemos que nossos desafios são superiores. Nesse sentido, nossa proposta com este folheto é abrir a discussão sobre a necessidade de assumir uma tarefa mais estratégica: a luta pela construção do partido revolucionário. Nesse sentido, chamamos a discutir conosco o projeto da LER-QI, tomando como sua a tarefa de construir uma organização de centenas e milhares de quadros revolucionários em todo o país, que no próximo ascenso no Brasil possam influir decisivamente para impedir que a burguesia e seus agentes burocráticos desviem mais uma vez a fabulosa força que nossa classe já demonstrou. Somos conscientes de que ainda estamos longe de colocar de pé um verdadeiro partido revolucionário internacionalista que necessita a classe operária. Mas sabemos que a LER-QI e a FT-QI não só podem, mas devem fazer hoje aportes fundamentais na luta de classes e na organização e formação de dirigentes e quadros que construirão a direção revolucionária da classe trabalhadora.
[1] Leia o artigo sobre o tema: http://www.ler-qi.org/spip.php?article1822
[2] Ler “Balanço e perspectivas da greve dos funcionários da USP e da luta das estaduais paulistas” - http://ler-qi.org/spip.php?article1874
[3] Ler o artigo “Em Marília/SP, a aliança operário-estudantil mostrou sua força!” - http://www.ler-qi.org/spip.php?article2454
[4] Não vamos debater aqui com as concepções de pequenos grupos como o PCO porque são correntes que não cumprem nenhum papel na luta de classes e os debates com eles se limitariam ao que escrevem, terreno no qual fazem definições tão infelizes que os trabalhadores e jovens avançados podem tirar suas próprias conclusões. Basta dizer que o PCO caracteriza o Sintusp como capitulador e traidor.
[5] Naquela ocasião, Lula contribuiu para o isolamento de uma combativa greve atacada por todos meios de comunicação ao afirmar que se fosse ele já teria terminado a greve, isto uma semana antes de seu fim. Bem como o papel cumprido pelo PT e pela CUT que não permitiram o desenvolvimento de uma greve geral contra os planos neoliberais de FHC, uma vez que havia uma disposição de luta neste sentido, que se expressou em várias paralisações de metalúrgicos e professores em SP em solidariedade aos petroleiros, bem como as caravanas de vanguarda de trabalhadores e de militantes do MST em apoio a esta mesma categoria.
[6] Ler o artigo “Luta da fábrica Stefani na Argentina” - http://www.ler-qi.org/spip.php?article2473
[7] A primeira etapa da luta se concluiu com uma derrota parcial, produto da atitude traidora do setor reformista, encabeçado pelo PCR (corrente maoísta), que assinou uma “paz social” com o Ministério do Trabalho, reincorporando vários demitidos mas deixando fora outros 53. No entanto, de conjunto, a luta representou uma derrota para o governo, a empresa, a embaixada norte-americana e a burocracia, o que se consolidou na vitória nas eleições da Comissão Interna da ala classista, organizada na agrupação “Desde Abajo” (PTS e independentes) que havia se negado a assinar a ata de “paz social” com 53 demitidos numa situação em que havia condições para continuar a luta.
[8] Ler o artigo de Val Lisboa no site da LER-QI, “Uma derrota produto de uma luta não dada” – http://www.ler-qi.org/spip.php?article1664
[9] Leia o manifesto que a LER-QI levou ao CONCLAT – “Lutemos por uma política revolucionária da nova central” - http://www.ler-qi.org/spip.php?article2400
[10] No movimento estudantil não é diferente. Dirigem dezenas de entidades mas não levam adiante nenhuma luta exemplar e, assim, constroem a ANEL como uma entidade superestrutural.
[11] Sobre a esquerda nas eleições, ler artigo do JPO 68 “O eleitoralismo da esquerda e sua miséria de estratégia” - http://www.ler-qi.org/spip.php?article2469
[12] Segundo o jornal da CS, o Opção, a experiência de grandes setores com o populismo trabalhista e com o MDB, a resistência e a recomposição do movimento sindical “criam condições para o nascimento de um Partido Socialista de massas.... No seio do próprio MDB existe uma “tendência socialista” com numerosos deputados e organismos de base intermediários “pró-PS” (Opção nº 3, maio de 78).
[13] “Defendemos este PT e suas bandeiras de luta. E vamos combater os que queiram modificar os objetivos traçados desde o início pelos companheiros Lula, Bittar... e demais dirigentes sindicais. Não queremos que o PT tenha todo nosso programa” (Convergência Socialista nº 9, março/80)
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