Sábado 4 de Maio de 2024

Debates

Em defesa de Rosa ou de velhos reformismos?

19 Oct 2006 | “As épocas reacionárias como a que estamos vivendo não somente desintegram e debilitam a classe operária e sua vanguarda, mas também rebaixam o nível ideológico geral do movimento e retroage o pensamento político a etapas já amplamente superadas. Nestas circunstâncias, a tarefa mais importante da vanguarda é não se deixar arrastar pelo fluxo regressivo, e sim nadar contra a corrente. Se a relação de forças desfavorável impede manter as posições conquistadas, ao menos se deve aferrar a suas posições ideológicas, porque estas expressam as custosas experiências do passado. Os imbecis qualificarão esta política de “sectária”. Na realidade, é a única maneira de preparar um novo e enorme avanço quando se produzir o próximo ascenso da maré histórica.” (Leon Trotsky, Stalinismo e Bolchevismo, 1937)   |   comentários

A professora Isabel Loureiro foi chamada pelo CEUPES para ministrar uma palestra sobre Rosa e Lênin e teve o mérito de, em toda sua reflexão tentar fazer que tudo aquilo servisse para algo, porém seu esforço esteve marcado por um profundo pessimismo e isto baseado em Rosa ’ à revelia da revolucionária alemã ’, seguramente serviu em algo para incitar os jovens presentes, mas ao mesmo tempo para levá-los ao velho reformismo agora com outra cara. Longe de poder oferecer uma outra Rosa em oposição à exposta pela professora, pretendo revistar alguns temas da aula em torno de 4 eixos fundamentais de discordância: a inevitabilidade dos eventos; classe; ditadura do proletariado e partido. Para assim, trazer à tona algumas questões do marxismo revolucionário e uma defesa contra o fluxo regressivo, da superioridade provada pela história do leninismo, do partido de vanguarda e da ditadura do proletariado.

1. O rebaixamento ideológico de Loureiro e sua visão conservadora das massas

Loureiro por vezes em seu curso pontuou como em “Um passo a frente, dois passos atrás” de Lênin, estaria o Stalin em germe; como o centralismo democrático engendra a burocratização; como todo partido inevitavelmente ao ganhar influência de massas se burocratiza....
Para nós, o surgimento de uma casta cindida da massa se baseia na administração da miséria, no caso da social-democracia européia através dos “extras” que os imperialismos podiam conceder a uma camada mais privilegiada do proletariado através de seus “extras” em todo o mundo. No caso da burocracia soviética, não era como quer Loureiro uma realização de uma idéia antes escrita e posta em prática mas sim uma série de determinações históricas, algo nada inevitável. Estava ligada ao isolamento da Rússia revolucionária depois das traições da II internacional em todos processos revolucionários; às derrotas do proletariado na Alemanha, primeiro pelo papel da social-democracia e secundariamente pelos erros táticos de Rosa e outros revolucionários; pelo cansaço das massas russas depois de anos de guerra e guerra civil e falta de paciência com os frutos da revolução; reestruturação do capitalismo após longa crise de morte (salvo pela II internacional) ’ tudo isto facilitou o domínio da burocracia e a degeneração de uma revolução proletária e camponesa. Mas mesmo assim a burocracia poderia ter sido derrubada através de uma revolução política que a derrubasse, retomasse a liberdade de organização dos trabalhadores e mantivesse o controle operário da produção; também poderia ter sido derrubada, e não foi porque a burocracia conseguiu contribuir para esmagar a revolução na China, Espanha, França, Itália, Grécia, Hungria e assim póde manter a desculpa que oferecia aos trabalhadores russos: “agüentem-nos porque estamos isolados” .
Para a professora, a “Rússia foi uma vitória de Pirro” , ou seja uma vitória que custou uma derrota ’ que a revolução começasse pelo elo mais fraco do imperialismo e que isto cobraria e cobrou seu preço é verdade, mas é ’ , um argumento que para se sustentar deve deixar de lado o materialismo histórico e a dialética. Deve partir da inevitabilidade de Stalin, da impossibilidade de alterar o rumo da URSS que esteve colocada como revolução política e a luta heróica da oposição de esquerda russa o testemunha, ignorar os processos que levaram outras revoluções a derrota, e só se sustenta partindo, por último, da premissa que as massas não aprendem ’ ou só dificilmente. Seriam elas tapadas ou o capitalismo está tão diferente que deixa de oferecer oportunidades para que os explorados se vejam como explorados?

O pessimismo quanto ao partido revolucionário (à vanguarda) e à revolução (modelo russo, ela afirma, ignorando que o modelo russo esteve colocada em toda Europa, e mais do que tudo na Alemanha) tem de fundo uma visão conservadora e não materialista. Ela deve proclamar um “admirável mundo novo” popular e não proletário, da “multidão” , dos “espaços públicos populares” , e não oferecer tarefas quanto ao que fazer agora enquanto não há os “espaços” . Para sustentar seu argumento deve ignorar que não faltou disposição revolucionária ao proletariado e às massas na Alemanha nas revoluções de 18, 21 e 23 (e ainda estavam de pé e poderiam enfrentar Hitler nos 30 não fosse as direções), na Hungria em 56, deve ignorar a disposição dos operários espanhóis apesar da série interminável de erros de suas direções, no Brasil deve ignorar o enfrentamento armado com os fascistas em outubro de 34 promovido pela Frente Única Anti-fascista, a disposição de luta dos operários, dos marinheiros, das ligas camponesas no Brasil na década de 60, deve ignorar as greves no final dos 70 e início dos 80 e suas assembléias multitudinárias. O que faltou não foram possibilidades de aprendizado ou disposição das massas, mas uma direção revolucionária.

Por fim, para tentar justificar sua análise faz uma tremenda falsificação histórica partindo de uma meia verdade. Acostumada, imagino, a responder aos bolcheviques (os trotskistas) citou como Trotsky tinha uma visão parecida a de Rosa sobre o partido. Desenterrar esta velha polêmica apagando que desde 1917 foi um bolchevique, que organizou um partido leninista não na forma mas também nos objetivos, a IV Internacional, serve para semear confusão e colher conciliação de classes. E no fim dá um salto Trotsky e Lênin, bolcheviques iguais são o mesmo que Stalin, ou também o engendraram com a lógica comum que defendiam. Trotsky, como dialético e não lógico, e nada adepto de um partido frouxo mas sim de um partido leninista responde:

“A falha neste raciocínio está na tácita identificação do bolchevismo, a Revolução de Outubro e a União Soviética. Substitui-se o processo histórico do choque de forças hostis pela evolução do bolchevismo no vazio. Entretanto, o bolchevismo é apenas uma tendência política, estreitamente fundida com a classe operária, mas não idêntica à mesma. E na União Soviética, ademais da classe operária, existem cem milhões de camponeses, várias nacionalidades e uma herança de opressão, miséria e ignorância. O estado construído pelos bolcheviques reflete não somente o pensamento e a vontade do bolchevismo, mas também o nível cultural do país, a composição social da população, a pressão de um passado bárbaro e um imperialismo mundial não menos bárbaro. Apresentar o processo de degeneração do estado soviético como a evolução do bolchevismo puro é ignorar a realidade social em nome de apenas um elemento, isolado, mediante um ato de lógica pura.

Basta chamar este erro elementar por seu verdadeiro nome para destrui-lo sem deixar vestígios (...) Em essência, o que dizem esses cavalheiros é: o partido que não contém em si mesmo a garantia contra sua própria degeneração é ruim. Com esse critério, o bolchevismo está condenado, pois não tem talismãs. Porém, o critério é erróneo. O pensamento científico exige uma análise concreta: como e por que o partido degenerou? Até o momento, apenas os bolcheviques têm feito esta análise. E não lhes foi necessário romper com o bolchevismo: seu arsenal lhes supriu de todas as ferramentas necessárias para aclarar sua mente. Chegaram à seguinte conclusão: é certo que o stalinismo “adveio” do bolchevismo, mas não de maneira mecânica e sim dialética, não como afirmação revolucionária, mas como negação termidoriana. Não é o mesmo.” (Trotsky, Stalinismo e Bolchevismo, 1937)

2. Transformações no mundo do trabalho, e admirável novo mundo sem sujeito da revolução social?

O argumento precedente é um pouco injusto, pois Loureiro parte de que estaríamos numa era “popular” , da “multidão” . Estaríamos? Este discurso vem ganhando força desde os anos 90 e suas “transformações” . Sim, elas existem, mas são quantitativas e não qualitativas.

A restauração do capitalismo no Leste além de ter varrido a burocracia enquanto porta-voz da revolução, também trouxe milhões de operários à exploração capitalista. Houve um mini-boom que começamos a ver hoje os limites e possíveis crises vindouras, boom que foi acompanhado e possibilitado por tremenda precarização do trabalho e mais mais-valia através de terceirização, toyotismo, perdas de direitos históricos, outsourcing. Mas isto ao contrário de diminuir o peso objetivo da classe operária o fez aumentar. Hoje há mais operários no mundo que em 80, e mesmo partindo de uma visão fragmentada (e não materialista pois o capitalismo organiza o conjunto das forças produtivas no mundo) e tomássemos somente uma parte, digamos um país onde a classe operária diminuiu, digamos o Brasil, mesmo assim a centralidade da classe operária se manteria. O que pára a economia e sociedade no Brasil os camelós e sem-terra, ou os petroleiros, os metalúrgicos, os metroviários? (A Petrobrás tem 40000 trabalhadores ’ 0,2% da população ’ e produz mais de 7% do PIB, os teóricos da multidão deveriam enfrentar os números do mundo concreto). Na sociedade “socialista democrática” que advoga, as pessoas comerão espaços públicos populares ou pão Pullmann tomarão refrigerante Dolly, usarão gasolina...?

A visão de que a classe operária já não é tão importante naturaliza o que ocorre hoje ’ seu problema subjetivo. E não coloca o verdadeiro desafio para os marxistas, fazer carne de suas idéias na classe operária, conformar uma vanguarda para enfrentar o capitalismo... A classe não sofre de um problema objetivo mas fundamentalmente subjetivo, sobretudo por falta de um partido revolucionário. Ou ela discorda que as premissas objetivas do capitalismo já não estão dadas, ou ainda que na Alemanha de 1923 era “uma das situações com todas as premissas da revolução, salvo uma direção resoluta e clarividente do partido, baseada na compreensão das leis e métodos da própria revolução. Tal era, precisamente a situação na Alemanha no ano passado, e pode se repetir em outros países” .

“O partido é o instrumento essencial da revolução proletária” , os exemplos históricos da Alemanha, da Rússia, da Hungria o comprovam onde todas as outras condições houve. E um dos elementos para conseguir temperar esta direção resoluta e estudada é desde antes combatendo a influência da ideologia burguesa nas massas.Trotsky afirmava em 30 que a aliança do proletariado e do campesinato nos países atrasados só é possível lutando irreconciliavelmente contra a influência da burguesia liberal-nacional. Não é dissolvendo a classe operária na “multidão” poli-classista, fazendo confundir os interesses daqueles que não tem nada a vender fora sua força de trabalho e interesse em acabar com todas as classes com os pequenos produtores que podem ser aliados mas ao mesmo tempo terem interesse em aumentar seu roçado e se tornarem maiores produtores, acumular capital.

Devemos partir da mesma perspectiva e vendo o peso que a classe operária continua a ter fazer ela levantar as demandas dos trabalhadores rurais, dos sem terra, dos desempregados, dos negros que constituem um vasto semi-proletariado neste capitalismo de nascimento e inerentemente racista. Mostrar como só uma ditadura dos explorados organizados pelos operários pode quebrar a resistência dos exploradores e realizar estas demandas. Ou é justamente aí que reside o problema, mas a professora o evadiu e colocou-o a meias, porque Rosa defendia a revolução e...

3. É possível a revolução sem a ditadura do proletariado?

O grande dilema pós-moderno (existente nos autonomistas, nos teóricos da multidão, em Foucault, digamos: como dizer o novo se o próprio saber e suas palavras e normas já normatizam o conteúdo e são determinados pelo saber-poder prévio?). Ou como do que existe fazer o inimaginável (...enquanto isto no mundo concreto só é possível fazer o socialismo a partir das bases e limites criados pelo próprio capitalismo...)

Da centralidade da classe operária emerge a questão das questões, a questão do poder, que classe se sobrepõe. Por qual revolução lutar, que instrumentos construir. A professora não se opós aos conselhos, a forma mais avançada de democracia de massas já criada, mas tal como argumenta em seu texto “A Atualidade de Rosa Luxemburg” , pauta-se pela criação de “espaços públicos populares” , tendo como exemplo os piqueteiros argentinos, a guerra d”™água na Bolívia e o MST, e que seja criado um partido que seja “porta-voz” da massa e não de vanguarda. Estas duas estratégias não levam os trabalhadores à vitória como a experiência demonstra, mas comecemos por sua crítica à ditadura dos russos na IC, ou seja seu argumento que iguala a democracia das massas sem os exploradores à ditadura da vanguarda leninista, e que na verdade esconde uma crítica e oposição à ditadura do proletariado e conseqüente apreço da democracia burguesa e abandono de uma estratégia revolucionária.

Na aula, a professora defendeu a posição de Levi, líder oportunista do PC Alemão, contra o artigo 8 do estatuto da Internacional Comunista, vejamos o que ele tem de funesto:

“O principal do trabalho do Comitê Executivo ocorre no partido do país onde, por decisão do congresso mundial, o Comitê Executivo se reúne. O partido do país em questão terá 5 representantes com todos os poderes no Comitê Executivo. Além disto os 10 ou 15 partidos comunistas mais importantes também contaram com um representante com todos os direitos a voto no Comitê Executivo, a lista deve ser ratificada pelo congresso mundial regular. Outras organizações e partidos aceitos na Internacional Comunista tem o direito a delegar ao Comitê Executivo um representante cada, com voto consultivo” .

Se partirmos de que é necessário 1. defender as repúblicas soviéticas existentes; 2. de que um país aonde os trabalhadores chegaram ao poder deve ter peso maior para expressar exatamente esta primeira vitória dos trabalhadores e auxiliar os outros enquanto em países mais importantes, como a Alemanha, não cheguem ’ esta resolução parece inofensiva. Porém querer um peso igual ou semelhante para o PC alemão neste período significa relativizar a importância histórica da vitória conseguida na Rússia sob a direção bolchevique, significa usar os números como cavalo de batalha na verdade contra o que mais se expressa nos estatutos ’a defesa da ditadura do proletariado.

“Espaços públicos populares” ou ditadura do proletariado

E é exatamente a oposição à ditadura do proletariado que se expressa em várias posições defendidas por Isabel Loureiro. Digamos que quer soviets, como podem os soviets acabar com o poder burguês, nas fábricas, nas escolas, fazendas e acima de tudo no exército? A constituição dos soviets em si não leva a acabar com o poder do Estado burguês, em fevereiro na Rússia os soviets sob direção menchevique conciliavam com o governo provisório, na Hungria de 56 os conselhos operários buscavam ser “porta-vozes” das demandas dos trabalhadores confiando que burocracia do PC as realizasse. Resultado: foram trucidados pelo próprio PC. Os soviets, os conselhos, estes embriões de um Estado operário só podem sobreviver e se afirmar, se destroçarem o poder do Estado burguês, acabarem com o poder da burguesia nas fábricas e fazendas, dissolverem o exército e todo aparato repressivo a serviço da burguesia, estabelecerem a ditadura do proletariado contra a burguesia, conseguindo o apoio das amplas camadas populares.

Bem, mas o que ela quer não são soviets (organismos para a instauração de um poder revolucionário dos trabalhadores) e sim “espaços públicos populares” . Espaços poli-classistas que diluem os interesses da classe operária nos interesses de classes, camadas, distintas, limitando sua ação. Se não bastasse, tem pouco de democrático. Cabe perguntar, alguém tem “espaço público popular” para se opor às decisões de seus caudilhos, digamos como Morales, Stédile? Se já não bastasse isto, cabe perguntar toda esta mobilização popular levou a...? O povo boliviano conseguiu fazer com que os recursos naturais de seu país sirvam a seu povo, ou foi levado a buscar da Petrobrás uma “sócia” ? Os piqueteiros argentinos derrubaram governos e (muitos hoje apóiam Kirchner) conseguiram emprego decente para todos? Depois de tantas e heróicas lutas quantos passos deu o MST para conseguir que todos que queiram tenham terra? Claramente falta direção, mas insistamos. Porque os “espaços públicos populares” (EPPs) não destroçaram o Estado burguês e construíram o seu “poder popular” ? Os EPPs se propõem a destruir o Estado burguês e levar a “multidão” à vitória?

O MST não ’ se propõe a conseguir negociar com a burguesia e seu Estado ’, o MAS chegou ao poder burguês para fazer deus e o diabo e manter a propriedade privada. E Isabel Loureira..., ela afirma que “não é possível separar reforma e revolução” , isto pode significar muitas coisas. Ela explica: se as massas exigem uma demanda reformista ela se torna revolucionária simplesmente pelas massas participarem. No Chile as massas participavam e pediam armas a Allende para lhe defender e construir o “poder popular” , porque a revolução foi derrotada? Foi porque não sabiam atirar ou porque nem sequer receberam as armas, confiaram em Allende e faltou um partido revolucionário?, ou seja, que quando é possível cortar o dedo e recebemos o anel devemos chamar o anel de revolução, e não ter uma estratégia que faça partir da demanda pontual avançar a um enfrentamento com o Estado burguês. Em suma, como ela mesmo afirma, o objetivo que propõe deve ser “chegar ao poder do Estado sem abrir mão do programa socialista” . Sua ressalva “sem abrir mão” diz tudo. Não se trata de estabelecer a ditadura do proletariado e realizar o programa socialista mas de chegar ao poder no Estado burguês mantendo a independência de classe (ups, esqueci que classe não existe!), etc. Como? Vai ter ou não propriedade privada, haverá um destacamento armado (o exército, a polícia) separado da massa ou não? E mesmo baixando um decreto que dê conta destas duas questões como realizá-las sem a mobilização das massas, sem as massas armadas, sem soviets? O exemplo da Frente Popular Espanhola e de Allende no Chile, e do subseqüente massacre dos operários por confiarem nesta estratégia deve servir de aviso.

A democracia em geral existe?

Quando Isabel Loureiro afirma que o retorno a Rosa está ligado à defesa das liberdades democráticas não quer se referir à importância que tem para o proletariado usar todas as brechas da democracia burguesa, o partido revolucionário fazer demandas pela mais generosa democracia para mostrar aos operários e a massa oprimida como a burguesia é autoritária e simplesmente quer manter a propriedade privada seja a forma do regime qual for, como entendiam Lênin e Trotsky, ou sequer do direito das nações oprimidas a se auto-determinarem como eles defendiam e Rosa não, mas sim em fazer da Rosa uma defensora da democracia burguesa, se apoiando num de seus piores erros.

A professora defende que Rosa estava correta na questão da constituinte. Do que se trata? Na Rússia havia uma demanda democrática por realizar uma assembléia constituinte para determinar os rumos do país na guerra, resolver a questão da terra, etc. Os bolcheviques souberam se utilizar desta demanda para fazer com que o proletariado fizesse experiência com a democracia burguesa exigindo que ela se realizasse imediatamente sobre as bases mais livres possíveis, a burguesia e seus agentes mencheviques, socialista-revolucionários, queriam-na quando já não houvesse mobilizações, no marco da “estabilização” . Após muita pressão a burguesia cedeu o anel e foram realizadas as eleições em Setembro de 1917, em outubro sob direção bolchevique o poder é tomado pelos soviets e a Assembléia Constituinte só se reuniria meses mais tarde. Os resultados das eleições davam maioria aos bolcheviques mas refletiam uma correlação de forças anterior. Tiveram então de enfrentar a seguinte questão: reestabelecer um lugar desde onde a burguesia pudesse falar e reestabelecer a dualidade de poderes (dos soviets e da assembléia no caso) ou suprimi-la como expressão da democracia burguesa já superada de fato. Optaram pela segunda e fazendo com que os operários que tivessem ilusões nela deixassem de ter. Como? Exigindo que sua primeira votação fosse se submeter aos soviets, os delegados burgueses e seus agentes se negaram; negaram-se a se submeter ao Estado operário, à ditadura do proletariado e frente a isto a assembléia foi dissolvida. Ou seja defender que Rosa estava correta significa se colocar contra a ditadura do proletariado, restabelecer algum poder para a burguesia.

A derradeira defesa desta posição dá um grande salto rumo ao idealismo. Tratar-se-ia de defender a “democracia” contra o “autoritarismo” . De fato, Loureiro faz deste idealismo uma posição de princípio para ela um novo partido deveria ter entre seus cinco eixos a “crítica a todo autoritarismo” .

Esta reedição da posição de Kautsky, Lênin já havia respondido da seguinte forma:

“Isto significa não compreender absolutamente nada do porquê das coisas. Só podem provocar sorrisos os esforços de Kautsky para apresentar as coisas como se houvessem pessoas que pregassem o “desprezo da democracia” etc. Kautsky é obrigado a abafar e confundir a questão com futilidades como estas, já que coloca a questão como os liberais, falando da democracia em geral, e não da democracia burguesa. Ele evita até mesmo esse conceito preciso, de classe” .
Ou ainda antes de Lênin, Engels já havia também respondido aos proudhonianos, contrários ao autoritarismo em geral:

“Esses senhores já terão visto alguma revolução? Uma revolução é, certamente, a coisa mais autoritária que há, um ato pelo qual uma parte da população impõe sua vontade à outra, com auxílio dos fuzis, das baionetas e dos canhões, meios por excelência autoritários; e o partido que triunfou tem de manter a sua autoridade pelo temor que as suas armas inspiram aos reacionários. Se a Comuna de Paris não se tivesse utilizado, contra a burguesia, da autoridade do povo em armas, teria ela podido viver mais de um dia? Não poderemos pelo contrário, censurá-la por não ter recorrido suficientemente a essa autoridade?
Assim, pois, de duas uma: ou os adversários da autoridade não sabem o que dizem, e nesse caso só fazem criar a confusão ou o sabem, e nesse caso traem a causa do proletariado, qualquer dos casos não fazem senão servir à reação.”

4. No que implica o marxismo e exemplos contemporâneos das idéias de Loureiro no PSOL

O marxismo não é somente luta de classes (que ela ignora), é partir disto para estabelecer uma estratégia e táticas condizentes para levar o proletariado à vitória. Segundo Lênin:

“A luta de classes é o essencial na doutrina de Marx. É, pelo menos, o que se escreve e se diz freqüentemente. Mas é inexato. Deformações oportunistas do marxismo, falsificações do marxismo tendentes a adaptá-lo às necessidades da burguesia são freqüentes como resultado desta inexatidão. A doutrina da luta de classes não foi concebida por Marx, mas pela burguesia antes de Marx e, de maneira geral, é aceitável para a burguesia. Quem só reconhece a luta de classes não é ainda marxista e pode muito bem não sair dos quadros do pensamento burguês e da política burguesa. Limitar o marxismo a luta de classes é truncá-lo, reduzi-lo ao que é aceitável para a burguesia. Só é marxista aquele que estende o reconhecimento da luta de classes ao reconhecimento da ditadura do proletariado. A diferença mais profunda entre o marxista e o pequeno (ou grande) burguês ordinário está aí.”

O que então fazer com o quinto ponto, “resolutamente anti-capitalista” , de seu programa para um partido se a forma transitória para resolver resolutamente o capitalismo não consta?

Uma vez que no essencial do marxismo ela não tem acordo, a questão do partido tão debatida no curso será tratada de forma mais rápida (uma vez que somos livres para nos organizar partidariamente com aqueles que querem de fato destruir o capitalismo e que seguramente demandaria outro artigo).

Se não devemos, segundo Loureira partir do “pathos iluminista” , esta doença que Rosa também tinha, “de esclarecer as massas” , e não devemos separar vanguarda de massa, e a “massa não aprende, ou ao menos estamos mais pessimistas” , qual a conseqüência de juntar as frases? Novamente propõe uma linha que só pode levar ao liquidacionismo ou ao reformismo e por estas vias servir à burguesia. Voltar para casa, se suicidar, qualquer variante das anteriores, porque as massas não aprendem e não são socialistas, nós que somos não podemos e não devemos fazer nada...(bem, esta imposição moral não tem nada de classe também, como todos seus argumentos, esta moral burguesa afirma que não devemos esclarecer o proletariado, tal como na Bíblia e no Talmud não se deve roubar, matar... enquanto isto a burguesia...), ou suas frases não são para ser postas em relação? Diz para não dizer nada?

A relação do partido (aqueles que escolhem se organizar para defender tal e tal programa e agir de tal e tal forma na realidade) e das massas, segundo ela não pode ser de vanguarda e massa. A própria escolha de estar em um partido já deveria servir de argumento para mostrar que há diferenças entre os que estão no partido e os que não estão, sem com isto substituir que são as massas quem devem destruir o Estado burguês e organizar a ditadura do proletariado. Mas continuemos, ela quer que o partido seja o próprio movimento da massa. Hoje, por exemplo que a massa está dividida e se movimentando eleitoralmente entre Lula e Alckmin que aplicarão ataques à classe operária devemos nos movimentar com ela rumo a...?

Disto se depreende que a relação entre consciência e espontaneidade deve ser dialética, que a consciência deve vir de fora, mas que ao mesmo tempo nas lutas concretas os operários aprendem mais do que com centenas de programas e panfletos. Longe da simplificação (e falsificação) apresentada, a polêmica de Lênin com os economicistas em “Que Fazer?” , onde cita Kautsky e a famosa consciência vêm de fora, para combater aqueles que queriam dar brechas à política burguesa ao se resumirem ao que os operários entendem (luta sindical, económica ’ compartilhando do mesmo pessimismo de Loureiro, apesar de se dizer crítica do economicismo) não tira que o mesmo Lênin defende fazer uma “revolução” no partido em 1905 para que os operários que ganharam experiência revolucionária prática na revolução se expressem em todos órgãos dirigentes do partido, sem com isto o partido perder em programa, pois havia avançado nisto antes e os próprios operários que se aproximaram do partido neste período o fizeram sob o signo e experiência deste programa na prática.

E, nisto não há discordância de Lênin com Marx. Loureiro quis fazer parecer que a concepção de partido de Rosa era a mesma da auto-emancipação de Marx, mas não se aventou a responder como o próprio Marx póde afirmar na carta a Bracke para a publicação da Crítica ao programa de Gotha, que é uma longa carta sobre programa, consciência de fora, que “cada avanço do movimento real vale mais do que uma dúzia de programas” , e também para isto teve que ignorar toda a atividade revolucionária de Marx, ignorando as circulares da Liga dos Comunistas onde Marx e Engels como membros da direção do partido expressavam as posições que os militantes deveriam assumir.

Então resta ser um porta-voz das massas (entendido diferentemente de tribuno do povo), do que elas levantam e, o que elas levantam mais espontaneamente é a ideologia burguesa, mais forte, anterior, e com maiores meios materiais que a proletária, revolucionária.
Mas no fim das contas o que ela quer? “Hoje no Brasil, quando se acabaram totalmente as ilusões a respeito do PT como alternativa de mudança, precisamos, como a Nova Esquerda das décadas de 1960/1970, criar uma cultura socialista, mas não sabemos ainda como.

Sabemos o que não queremos: não queremos (nem podemos) repetir a trajetória dos PCs, nem da social-democracia, nem do PT.” Ela reedita a famosa frase de Mário Pedrosa (de quem ela é tributária quando ele já havia deixado de ser marxista revolucionário ’ mas esta é outra polêmica), em defesa do PSOL e congêneres. Pedrosa elogiava o PT por não ser nem um PC nem um PS, e na cabeça de nenhum dos dois passava e passa construir um partido revolucionário, uma alavanca de aço para alçar o proletariado à vitória como defendia Trotsky. O que era uma tragédia em Pedrosa vira uma farsa em Loureiro. O que era o PT e o que é o PSOL? O guarda-chuva para esquerda, como já foi chamado, mais parece uma cooperativa eleitoral, faz duras críticas ao centralismo democrático para baixar uma resolução que proíbe os militantes de declarem seus votos no segundo turno, e eles nem sequer tem uma instância partidária para questionar ou reverter isto. A crítica ao centralismo democrático serve para um centralismo burocrático. E a livre associação das pessoas para construir um partido para intervir na realidade, na luta de classes, em seus fenómenos é deixado de lado pelo acordo para salvar a cooperativa eleitoral que se abstém de ter posição eleitoral...

As posições de Lênin sobre os que defendiam a “liberdade de crítica” em 1903 se aplicam hoje aos críticos de um partido revolucionário que fazem cavalo de batalha de sua forma organizativa, centralismo democrático para defender o centralismo burocrático, e acima de tudo abrir mão de toda teoria e estratégia revolucionária, que como procurou se demonstrar aqui também criticam de forma velada a ditadura do proletariado e a estratégia que levou os trabalhadores à vitória na Rússia, e é novamente no sentido apontado por Lênin que devemos avançar:

“Pequeno grupo compacto, seguimos por uma estrada escarpada e difícil, segurando-nos fortemente pela mão. De todos os lados, estamos cercados de inimigos, e é preciso marchar quase constantemente debaixo de fogo. Estamos unidos por uma decisão livremente tomada, precisamente a fim de combater o inimigo e não cair no pântano ao lado, cujos habitantes desde o início nos culpam de termos formado um grupo à parte, e preferido o caminho da luta ao caminho da conciliação. Alguns dos nossos gritam: Vamos para o pântano! E quando lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam: Como vocês são atrasados! Não se envergonham de nos negar a liberdade de convidá-los a seguir um caminho melhor! Sim, senhores, são livres não somente para convidar, mas de ir para onde bem lhes aprouver, até para o pântano; achamos, inclusive, que seu lugar verdadeiro é precisamente no pântano, e, na medida de nossas forças, estamos prontos a ajudá-los a transportar para lá os seus lares. Porém, nesse caso, larguem-nos a mão, não nos agarrem e não manchem a grande palavra liberdade, porque também nós somos "livres" para ir aonde nos aprouver, livres para combater não só o pântano, como também aqueles que para lá se dirigem!”

É necessário partir desta discussão e fazer com todos os trabalhadores e jovens que pudermos chegar discutam sobre a necessidade de construir um partido revolucionário, seus métodos para a construção, seu programa e como colocá-lo em prática.

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