Domingo 5 de Maio de 2024

Teoria

PROGRAMA DE TRANSIÇÃO

Discussão dos membros do SWP Trotsky (19 de maio de 1938)

07 Mar 2009   |   comentários

Trotsky [1]: É muito importante precisar alguns pontos de vista referentes ao programa em geral. Como se pode construir solidamente um programa? Alguns camaradas dizem que este esboço de programa não corresponde suficientemente ao estado de espírito e à disposição dos trabalhadores americanos. Aqui devemos nos interrogar se o programa deve ser adaptado à mentalidade dos trabalhadores ou às atuais condições sociais e económicas objetivas do país.corresponder à situação real, económica e social do país.
Sabemos que a consciência de cada classe da sociedade é determinada pelas condições objetivas, pelas forças produtivas, pela situação económica do país, mas essa determinação não se reflete imediatamente. A consciência está em geral atrasada, defasada em relação ao desenvolvimento económico e esse atraso pode ser menor ou maior. Em épocas normais, quando o desenvolvimento é lento, o atraso percorre um longo caminho e pode não produzir resultados catastróficos. Em grande medida, esse atraso significa que os trabalhadores não estão à altura das tarefas impostas pelas condições objetivas. No entanto, em épocas de crise, esse atraso pode ser catastrófico. Na Europa, por exemplo, adotou a forma do fascismo. O fascismo é o castigo aos operários quando não conseguem tomar o poder.
Atualmente, os EUA vivem uma situação análoga com os mesmos perigos de catástrofe. A situação objetiva do país está em todos os aspectos e inclusive mais do que na Europa madura para a revolução socialista e para o socialismo, mais madura do que em qualquer outro país do mundo. O atraso político da classe operária americana é enorme. Isso significa que o perigo de uma catástrofe fascista é enorme. Este é o ponto de partida de toda a nossa atividade. O programa deve expressar as tarefas objetivas da classe operária e não o seu atraso. O programa deve refletir a sociedade tal como ela é e não o atraso da classe operária. É um instrumento para superar e derrota o atraso. É por isso que no nosso programa devemos expressar a agudez crise social da sociedade capitalista, incluindo principalmente os EUA. Não podemos modificar condições objetivas que não dependem de nós. Não podemos garantir que as massas resolverão a crise, mas devemos expressar a situação tal como ela é, sendo esta a tarefa do programa.
Uma outra questão é como apresentar o programa aos trabalhadores. Apresentar a situação atual aos trabalhadores é antes de tudo uma tarefa pedagógica e uma questão de terminologia. A política deve adaptar-se às forças produtivas, ou seja, ao grande desenvolvimento das forças produtivas, à paralisação das mesmas pelas formas capitalistas de propriedade, ao desemprego crescente que se torna cada vez mais profundo e é a maior das mazelas sociais. As forças produtivas já não podem se desenvolver mais. A tecnologia científica progride, mas as forças materiais declinam. Isso significa que a sociedade se torna cada vez mais pobre e que o número de desempregados é cada vez maior. A miséria das massas aprofunda-se, as dificuldades são cada vez maiores tanto para a burguesia como para os trabalhadores; a burguesia não tem outra solução senão o fascismo e o aprofundamento da crise obrigará a burguesia a suprimir os vestígios de democracia e substituir-los pelo fascismo. O proletariado americano será castigado por sua falta de coesão, de força de vontade, de valentia, por uma escola fascista durante vinte ou trinta anos. Com um chicote de aço a burguesia ensinará aos trabalhadores norte-americanos os seus deveres.
A América é somente uma repetição terrível da experiência européia. Devemos compreender isto.
Isto é sério, camaradas. É a perspectiva para os operários norte-americanos. Quando, após a vitória de Hitler, Trotsky escreveu a brochura Aonde vai a França? [2] , os social-democratas franceses diziam: “A França não é a Alemanha” . Mas antes da vitória de Hitler, Trotsky escreveu brochuras advertindo os trabalhadores alemães, e os social-democratas disseram: "A Alemanha não é a Itália". Hoje a França se aproxima cada vez mais a um regime fascista. O mesmo ocorrerá nos Estados Unidos. A América é opulenta e essas reservas do passado permitem a experiência Roosevelt, mas elas durarão pouco tempo. A situação geral é completamente análoga, o perigo é o mesmo. É um fato que a classe operária americana tem um espírito pequeno-burguês,carece de solidariedade revolucionária, que desfruta um alto nível de vida e que não corresponde à realidade atual, mas às recordações do passado.
Agora a situação é radicalmente diferente. O que pode fazer um partido revolucionário nesta situação? Em primeiro lugar, dar uma imagem exata da situação objetiva, das tarefas históricas que dela decorrem, independentemente se os trabalhadores estejam ou não prontos a assumir essas tarefas. As nossas tarefas não dependem da consciência dos trabalhadores, consistem antes em desenvolver a sua consciência. É isso que o programa deve formular e apresentar aos trabalhadores avançados. Alguns dirão: “Bem, o programa é científico, corresponde à situação objetiva, mas os trabalhadores não querem aceita-lo, será estéril” . Possivelmente. Mas isso significa apenas que os trabalhadores serão esmagados, já que a crise não pode ser superada por nenhum outro meio que não seja a revolução socialista. Se o operário norte-americano não aceita o programa a tempo, será obrigado a aceitar o programa do fascismo. Quando nos apresentamos à classe operária com o nosso programa, não podemos dar nenhuma garantia de que será aceito. Não podemos assumir nenhuma responsabilidade por isso... só podemos assumir a responsabilidade por nós mesmos.
Devemos dizer a verdade aos trabalhadores, é assim que ganharemos os melhores elementos. Se eles serão capazes de guiar a classe operária e levá-la ao poder eu não sei. Espero que sejam capazes, mas eu não posso garantir isso. Mas mesmo no pior dos casos, se a classe operária não colocar suficientemente agora a sua vontade e a sua força para a revolução socialista; inclusive no pior caso, se esta classe se torne vítima do fascismo, os melhores elementos dirão: “Este partido os advertiu; foi um bom partido” . Assim, uma grande tradição permanecerá na classe operária.
Esta é a pior variante. Por isso, todos os argumentos de que não podemos apresentar esse programa porque não corresponde à consciência dos operários são falsos. Expressam somente o medo diante da situação. Naturalmente, se fecho os olhos posso escrever um programa cor de rosa que será aceito por todos. Mas não corresponderá à situação, que é o seu objetivo. Acredito que este raciocínio elementar é da maior importância. A consciência de classe do proletariado é atrasada, mas a consciência não é feita do mesmo material que as fábricas, as minas, as ferrovias, mas é mais variável e sob os golpes da crise objetiva, dos milhões de desempregados, pode mudar rapidamente.
Na atualidade, o proletariado norte-americano também desfruta de certas vantagens em decorrência de seu atraso político. Parece um pouco paradoxal e, no entanto, é absolutamente exato. Os operários europeus tiveram um grande passado de tradição social-democrata e comunista e estas tradições são forças conservadoras. Inclusive após as traições de diferentes partidos, o operário continua fiel porque tem um sentimento de gratidão ao partido que o despertou pela primeira vez e lhe deu uma educação política. Isto é um obstáculo para a nova orientação. Os operários norte-americanos possuem a vantagem de que em sua grande maioria não estão politicamente organizados e somente agora começam a agrupar-se nos sindicatos. Isso dá ao partido revolucionário possibilidade de mobilizá-los sob os golpes da crise.
Qual será a velocidade? Ninguém pode prever. Somente podemos indicar a direção. Ninguém pode negar que esta seja a correta. Assim, nos colocamos o problema: como apresentar o programa para os operários? É, naturalmente, muito importante. Devemos combinar a política com a psicologia das massas e a pedagogia, construir uma ponte para as suas cabeças. Somente a experiência pode nos ensinar como avançar nesta ou naquela parte do país. Durante algum tempo devemos tentar concentrar a atenção dos operários em uma consigna: a escala móvel de salários e das horas de trabalho.
O empirismo dos trabalhadores norte-americanos proporcionou um êxito notável aos partidos políticos com uma ou duas consignas: o imposto único e o bimetalismo [3] se espalharam como um incêndio entre as massas. Quando vêem que a panacéia fracassa, esperam então por uma nova. Agora podemos propor uma panacéia honesta, parte de nosso programa global, não demagogicamente, mas que corresponde plenamente à situação. Agora existem, oficialmente, 13 ou talvez 14 milhões de desempregados; na realidade, há em torno de 16 ou 20 milhões e a juventude está totalmente abandonada na miséria. O senhor Roosevelt insiste nas obras públicas. Mas nós insistimos nisto, que as minas, as ferrovias etc. absorvam todas as pessoas. Todos devem ter a possibilidade de viver decentemente, de nenhuma maneira pior do que agora; e exigimos que o senhor Roosevelt, com o seu grupo de especialistas, apresente um programa de obras públicas no qual todo aquele que possa trabalhar o faça com salários decentes. Isto é possível com a escala móvel de salários e das horas de trabalho. Em todos os lugares, em todas as cidades, devemos discutir como fazer propaganda desta idéia. Depois, iniciar uma campanha concentrada de agitação, de tal maneira que todos saibam o que é o programa do SWP.
Acredito que podemos concentrar a atenção dos trabalhadores sobre este ponto. Naturalmente, é somente um ponto. No começo, a consigna é totalmente adequada para a situação. Mas outras podem ser agregadas conforme a situação progride. Os burocratas se se oporão. Então, se esta consigna se torna popular entre as massas, se desenvolverão tendências fascistas em contraposição. Diremos que é preciso formar comitês de autodefesa. Penso que, no começo, esta consigna (escala móvel de salários e das horas de trabalho) será assumida. O que é esta consigna? Na verdade, o sistema de trabalho na sociedade socialista. o número total de trabalhadores divididos pelo número total de horas de trabalho. Se apresentarmos todo o sistema socialista aparecerá como utópico ao norte-americano médio, como algo que vem da Europa. Nós o apresentaremos como uma solução da crise, para garantir o seu direito a comer, beber, viver em moradias dignas. É o programa do socialismo, mas de uma forma muito popular e simples.
Pergunta: Como levaremos a frente essa campanha?
Trotsky: A campanha pode se realizar mais ou menos da seguinte maneira: vocês começam a agitação, por exemplo, em Minneapolis [4]. Ganham um ou dois sindicatos para o programa. Enviam delegados para outras cidades e aos respectivos sindicatos. A partir do momento em que saírem do partido para o sindicato com esta idéia, já terão ganhado metade da batalha. Enviem a Nova York, Chicago etc., e aos seus sindicatos correspondentes. Assim que obtiverem algum êxito, convoquem um congresso extraordinário. Depois, façam agitação para forçar os burocratas sindicais a assumir uma posição a favor ou contra. Se abrirá uma oportunidade formidável para a propaganda.
Pergunta: Podemos realizar na atualidade essa consigna?
Trotsky: É mais fácil derrubar o capitalismo do que garantir a realização destas reivindicações no capitalismo. Nenhuma de nossas exigências se realizará no capitalismo. Por isso as chamamos de reivindicações transitórias. Constitui uma ponte para a consciência dos trabalhadores e, depois, uma ponte material para a revolução socialista. Toda a questão é como mobilizar as massas para a luta. Desta forma, se apresenta o problema da divisão entre os que têm trabalho e os desempregados. Devemos encontrar meios para superar esta divisão. A idéia de uma classe permanente de desempregados, uma classe de parias: tal idéia é absolutamente a preparação psicológica para o fascismo. Ao menos que está divisão seja superada nos sindicatos, a classe operária será derrotada.
Pergunta: Muitos camaradas não conseguem entender porque as consignas não podem ser realizadas.
Trotsky: É uma questão muito importante. Este programa não é uma invenção nova de um homem. Ele é fruto de uma longa experiência dos bolcheviques. Quero enfatizar que não é a invenção de um homem, mas se originou da longa experiência coletiva dos revolucionários. É a aplicação dos velhos princípios à situação atual. Não se deve considerar tão duro como o ferro, mas adaptar-lo à situação atual.

Os revolucionários entendem sempre que as reformas e as conquistas são somente um subproduto da luta revolucionária. Se dizemos que somente exigiremos o que podem nos dar, a classe dirigente somente dará um décimo ou nada do que pedimos. Quando exigimos mais e podemos impor as nossas reivindicações, os capitalistas são obrigados a conceder o máximo. Quanto mais amplo e militante seja o espírito dos operários, mais se exige e mais se conquista. Não são consignas estéreis; são meio de pressão sobre a burguesia e darão os melhores resultados materiais possíveis imediatamente. No passado, durante um período ascendente do capital norte-americano, os operários conquistaram somente baseando na luta empírica, as greves etc. Foram muito combativos. Como o capital estava em ascensão, aos capitalistas interessavam satisfazer os trabalhadores norte-americanos. Agora, a situação é totalmente diferente. Agora os capitalistas não possuem nenhuma perspectiva de prosperidade. Não tem medo das greves, pois é alto o número de desempregados. Por isso, o programa deve abarcar e unir ambas as partes da classe trabalhadora. A escala móvel de salários e das horas de trabalho precisamente faz isso.

[1Tradução retirada de El Programa de Transición y la Fundación de la Cuarta Internacional. CEIP León Trotsky, Buenos Aires, 2008, pág. 249 ’ 256.

[2Livro que reuniu uma série de escritos de Trotsky sobre a crise social na França entre os anos 1934 ’ 1936.

[3O imposto único sobre a terra foi proposto no final do século XIX pelo político reformista Henry George. OS EUA adotaram, em 1792, um sistema monetário bimetálico (padrões ouro ou prata), ainda que na prática se consolidou o padrão ouro. No final do século XIX, o populismo norte-americano defendia o padrão prata, mas em 1900 se estabeleceu definitivamente o padrão ouro.

[4Cidade que, entre outras, protagonizou o ressurgir de combates de vanguarda do proletariado norte-americano, tendo grande expressão do SWP. Para saber mais sobre esse período, ver o livro que em 8 de março será lançado pela Editora Iskra, Lutadoras, que descreve a trajetória de mulheres protagonistas destes acontecimentos.

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